Acórdão nº 1070/22.6PBFIG-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-03-22

Data de Julgamento22 Março 2023
Ano2023
Número Acordão1070/22.6PBFIG-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 1)

I – Relatório

1. No Inquérito n.º 1070/22...., que corre termos nos Serviços do Ministério Público da Procuradoria da Comarca de Coimbra - DIAP 2.ª Secção da Figueira da Foz, AA, com os demais sinais dos autos, foi, em 30 de Novembro de 2022, submetido a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, findo o qual, por despacho então proferido pelo Mmo. Juiz de instrução, foi determinado que para além do termo de identidade e residência já prestado aquele aguardasse os ulteriores termos do processo sujeito às medidas de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica e de obrigação de não contactar com os restantes arguidos, ofendidos e testemunhas.

2. Inconformado com a decisão, dela recorreu o arguido AA, que finalizou a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

“1. O ora recorrente, não se conforma, com os factos considerados fortemente indiciados pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo, por entender que os autos, não dispõem de prova indiciária suficiente …

2. Mais entende o arguido ora Recorrente, que as Medidas de Coação aplicadas, se revelam desadequadas e desproporcionais quer em razão dos factos considerados indiciados, quer em razão da não verificação concreta dos perigos, bem como das exigências cautelares, que o presente caso reclama

3. Devendo, a final ser proferida decisão que apenas sujeite o arguido ora recorrente à MC de TIR, às proibições de contactos com arguidos, ofendidos e testemunhas, e ainda, a proibição do arguido se dirigir ao concelho ..., bem como, proibição de frequentar espaços de diversão nocturna.

5. Da Factualidade considerada fortemente indiciada: Plasma a decisão recorrida, que foram carreados para os autos os seguintes elementos de prova que constam da decisão pag. 9 e 10.

6. Refere então a decisão agora em crise, que no confronto daqueles elementos de prova, e, em conjugação com as declarações prestadas pelas testemunhas, resulta fortemente indiciada a prática, pelo mesmo, de todos os factos constantes do despacho de apresentação.

7. Vejamos, que a insuficiência de indícios relativos à prática pelo recorrente dos crimes pelos quais foi indiciado e sujeito a MC privativa da liberdade, resulta do próprio texto da decisão.

8. Que refere que o Ofendido BB não se apercebeu que foi vibrado.

9. Que CC referiu que desconhecia o Ofendido, mas que havia sido pessoa de cor.

10. Das imagens apenas resulta um individuo de tez escura empunhando algo na mão direita.

12. Existiam mais indivíduos de tez escura no local, nomeadamente no grupo.

13. A faca/ navalha apreendida é absolutamente comum, não havendo certezas que seja a mesma.

15. A suficiência dos indícios de futura condenação do arguido, aferida por um juízo de alta probabilidade, em face das regras da experiência comum e livre apreciação da prova, tem de ser compatibilizada com o princípio in dubio pro reo …

16. O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos incertos a dúvida favorece o arguido; ou seja, o julgador deve valorar sempre em favor do arguido um non liquet.

17. O mesmo decorre do princípio da presunção da inocência, consagrado no art. 32.º, n.º2 da Constituição da República Portuguesa …

20. Da necessidade, da Adequação e da Proporcionalidade das Medidas de Coação aplicadas

21. Sendo que, segundo o despacho recorrido, existem todos os perigos, mas não verificados de forma concreta, mas apenas com base em considerações e generalidades.

22. Vejamos que os factos alegadamente foram praticados em 30 de Julho de 2022, o arguido foi detido em 30 de Novembro de 2022.

23. Ou seja, volvidos 4 meses, inexistem indícios de que o arguido tenha voltado à ..., tenha contactado os ofendidos ou testemunhas.

24. Se tenha ausentado da sua residência ou local de trabalho. Acresce que o arguido tem filho menor de tenra idade.

25. E a sua personalidade não pode ser exclusivamente aferida através da análise do seu CRC.

30. No que diz respeito ao uso dos meios de coação em processo penal, haverá sempre que respeitar os princípios da legalidade (artigos 29º, nº 1, da CRP, e 191º do CPP), excepcionalidade e necessidade (artigos 27º, nº 3 e 28º, nº 2, da CRP, e 193º do CPP), adequação e proporcionalidade (art.º 193º do CPP), como emanação do princípio constitucional da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32°, n° 2 da Constituição.

31. Neste quadro, é preciso ter bem presente o carácter excepcional das medidas de coação, perante a restrição que representam nos direitos fundamentais dos cidadãos, direitos esses que resultam do artigo 18º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

33. Para aplicação desta MC tem que se aferir, através de factos concretos e objetivos, que in casu inexistem, os perigos de fuga, este perigo tem que ser concreto e atual e foi considerado não verificado na decisão recorrida, bem como os demais perigos elencados na decisão recorrida.

35. E por maioria de razão o mesmo se aplica, aos alegados perigos de perturbação quer da ordem e tranquilidade pública, quer de perturbação do inquérito, conservação, aquisição da prova.

45. Por todo o exposto, estamos perante meras considerações/conjeturas, que não se inserem no pressuposto referenciado no art.º 204.º, al. a), pelo que este condicionalismo não se verifica.

47. Inexiste ainda factos, que indiciem que o arguido se ausentou da sua residência ou local de trabalho. Sendo que foi exatamente na sua residência que foram cumpridos os mandados de busca e detenção.

48. Aqui chegados, é de se concluir, salvo melhor entendimento, que as MC aplicadas, NÃO respeitam os princípios acima expostos, nomeadamente da adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, para além de que, em concreto, não se verifica quanto ao ora Recorrente, qualquer perigo indicado na decisão recorrida.

3. Admitido o recurso, o Ministério Público veio apresentar resposta em que pugna pela improcedência e consequente manutenção do despacho recorrido…

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (doravante CPP), emitiu parecer no sentido de que o despacho recorrido não merece qualquer censura …

*

II – Fundamentação

[1][2]

1. … são as seguintes questões suscitadas no recurso:

- A existência de fortes indícios da prática dos imputados crimes de homicídio na forma tentada e de ofensa à integridade física qualificada.

- Os perigos das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 204.º do CPP e a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de coacção de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica.

*

2. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição dos segmentos relevantes o presente recurso):

“(…)

II. DETENÇÃO

IV. FACTOS FORTEMENTE INDICIADOS com a «descrição dos factos concretamente imputados ao arguido incluindo, sempre que forem conhecidas as circunstâncias de tempo, lugar e modo » - cfr. art.0 1940 , n.0 6 alínea a) do CPP :

No dia 30-7-2022, depois das 05h00, no estabelecimento “N...”, sito na Rua ..., ..., área desta comarca, o arguido AA id. a fls. 245, acompanhado de DD, EE, FF, GG e um desconhecido, tiveram um desentendimento com os ofendidos BB, id. a fls. 173, CC, id. a fls. 63, e HH, id. a fl. 56.

O arguido AA, a determinado momento, sacou de um canivete de abertura manual, com cabo plástico, verde, com estampado de figuras (flores) e lâmina pontiaguda de um gume, em aço, com lâmina com 6,7 cm de comprimento e com medidas totais de 16,2 cm e atingiu o BB na zona das costas.

Em consequência de tal conduta do arguido AA, sofreu BB, dores e as lesões descritas na documentação médica de fls. 17 e ss., que aqui se dão por reproduzidas para todos os efeitos legais …

O arguido AA com a sua atuação, visava com os golpes desferidos contra o ofendido BB, atingi-lo em zonas vitais como é zona do tórax, onde estão alojados órgãos vitais, representando como possível que tal conduta provocasse a morte de BB, conformando-se com esse resultado, resultado esse apenas não conseguido, por circunstâncias alheias à sua vontade …

Após, o arguido AA, a determinado momento, atingiu o CC na zona das costas, com o canivete.

O arguido AA, sabia que a utilização do canivete, dificultava a defesa do ofendido CC e que potenciava o carácter lesivo dos seus actos de hostilidade, podendo resultar graves lesões para este.

O arguido AA agiu no propósito conseguido, de molestar o ofendido CC na respectiva integridade física e de lhe provocar dores e mal-estar físico.

O arguido AA agiu voluntária, livre e conscientemente em todas as suas condutas.

Bem sabia o arguido AA que as suas condutas eram proibidas e punidas por criminalmente.

O arguido AA já foi anteriormente condenado em penas de prisão suspensa com regime de prova.

V- Elementos de prova indiciária dos factos imputados …

Cumpre referir que o arguido exerceu a faculdade de não prestar declarações nesta diligência quanto aos factos que lhe são imputados, tendo apenas tomado posição quanto à sua situação socio económica.

VI. QUALIFICAÇÃO JURÍDICA DOS FACTOS IMPUTADOS nº 4 e art.º 194º, artº 97º n.º 6 alínea c) do C.P.P.:

Pelo exposto, indiciam já os autos fortemente sem prejuízo do que vier a resultar da investigação em curso - a prática, pelo arguido, em autoria material e em concurso efetivo (artigos 14. 0, n.0 1; 26. 0 e 30. 0, n. 0 1, do Código Penal), de:

- crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelo art.º 131.º e 22.º ambos do Código Penal,

- um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), com referência ao art.º 132.º, n.º 2 al. h), todos do Código Penal.

VIII. Referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida de coacção, incluindo os previstos nos...

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