Acórdão nº 1044/22.7T9MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2024-01-24

Ano2024
Número Acordão1044/22.7T9MTS.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1044/22.7T9MTS.P1

1. Relatório
No processo nº 1044/22.7T9MTS, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 1, foi depositada, em 05/06/2023, sentença com o seguinte dispositivo:
«o Tribunal decide:
A) Quanto à parte criminal
1. Absolver os arguidos AA e BB da prática, cada um, em autoria, na forma consumada de um crime de injúria, p.p. pelo artigo 181, n.º1, do Código Penal.
2. Condenar a assistente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC e nos encargos do processo.
B) Quanto à parte cível
1. Julgar improcedente por não provado, o pedido de indemnização civil deduzido por CC contra os arguidos/demandados AA e BB.
2. Sem custas cíveis (cf. artigo 4.º, n.º1, al. n) do RCP).
Inconformada com esta decisão absolutória dela veio interpor o presente recurso a assistente CC.
Passamos a transcrever as conclusões do seu recurso:
«I - A arguida AA foi submetida a julgamento por acusação particular de um crime de injúria p. e p. pelo artigo 181º nº 1 do CP, tendo sido absolvida, por o Tribunal “a quo” entender que as expressões utilizadas pela arguida não constituíam crime de injúria, como tal não são ofensivas da honra e consideração da Assistente.
II- Está em causa a expressão dirigida à assistente e inserida no ponto 6 dos factos provados: “querias que fosse condenada a pagar-te € 480,00 de danos na porta, querias mama, agarra-te mas é à piça e leva no cú”.
III - A douta sentença deu como não provada a matéria relativa ao elemento subjetivo do tipo legal de crime e afastou a tipicidade objetiva das palavras proferidas pela arguida.
IV - Deu como não provado o que inseriu nos pontos i) e ii) dos factos não provados, sem que se possa aferir qual o processo lógico e racional, em violação do artigo 374º nº 2 do Código de Processo Penal, que levou a dar como não provado que a arguida soubesse que as expressões proferidas eram objetivamente ofensivas da honra e consideração da pessoa da assistente.
V - Concluindo que as expressões não são injuriosas, teria o Tribunal “a quo” no mínimo que deter-se sobre cada uma das expressões proferidas pela arguida, ainda que brevemente, e explicar o sentido delas, o que não fez.
VI - Nas circunstâncias descritas nos factos provados de 1 a 7, deveria o Tribunal “a quo” com o auxilio das regras da experiencia comum, ter inferido de tais factos a intenção dolosa da arguida.
VII - Até porque, o caráter ofensivo e pejorativo das expressões usadas pela arguida, é o que corresponde ao sentimento comum.
VIII - A arguida queria e sabia, e não podia ignorar, que ao dirigir as expressões que dirigiu à assistente a ofendia na sua honra, consideração pessoal e social.
IX- As expressões usadas pela arguida e dirigidas à assistente, são depreciativas e não podem deixar de se entender como violando o mínimo ético suposto pela norma e como tendo aptidão para lesar o bem jurídico protegido pelo artigo 181º do Código Penal, pelo que, erradamente se considerou não se reconduzir a situação concreta ao âmbito do tipo.
X - Seria coerente e lógico concluir pela existência do elemento subjetivo do tipo e concluir que se encontram preenchidos os elementos objetivos do crime de injúria e dar como provado o que se inseriu nos pontos i) e ii) dos factos não provados.
XI-Não podemos concordar com o entendimento do Tribunal, impondo-se uma decisão diversa e compatível com as regras da experiência comum, nomeadamente com o sentimento de honra da generalidade da população, com desvalor intrínseco das palavras proferidas pela arguida à assistente e com a suscetibilidade do homem médio considerar que tais palavras dirigidas por terceiro à sua pessoa são ofensivas e uma forma de tratamento intolerável.
XII- A arguida AA deverá ser condenada pela prática de um crime de injúria p e p. pelo artigo 181º do Código Penal.
XIII - A douta sentença recorrida violou o artigo 181º do Código Penal, artº 127º do Código de Proceso Penal, artº 26º nº 1 e 37º nº 3 da Constituição da República Portuguesa.
Conclui a recorrente pugnando pela procedência do presente recurso e pela revogação da sentença recorrida.
O recurso foi admitido por despacho proferido em 28/06/2023.
O recurso respondeu o MP considerando assistir razão à recorrente.
Entende que os factos provados nos pontos 6 e 7 da matéria de facto provada são suscetíveis de ofender a assistente, nos termos exigidos pelo art. 181 n.º 1, do CP.
As expressões proferidas constituem um comportamento revelador de um sentimento desrespeitador e grosseiro, com dignidade penal e traduzem um atentado à personalidade moral da ofendida que atinge valores ética e socialmente relevantes do ponto de vista do direito penal; mais revelam uma atitude que colide com a ética do relacionamento social e é suficiente para consubstanciar uma violação dos bens jurídico-penais atinentes à honra e consideração.
O nosso ordenamento jurídico inclui quaisquer ofensas à honra, mesmo que tidas por leves.
Alega o MP na sua resposta que as expressões em causa são inequívoca e objetivamente idóneas a atingir a honra e consideração da assistente, humilhando-a e diminuindo-a, quer na sua pessoa, quer perante outros.
A arguida colocou na assistente a intenção de se aproveitar de anterior processo, de forma indigna.
As expressões proferidas, neste caso, sem qualquer outra explicação, são objetivamente ofensiva da honra e consideração de qualquer pessoa!
Conclui que que a arguida AA deverá ser condenada pela prática de um crime de injúria p p. pelo art. 181do CP.
Pugna pelo provimento do presente recurso e pela revogação da sentença recorrida.
Ao recurso respondeu também o arguido BB alegando que a frase proferida pelo mesmo não visou a assistente mas o marido desta que não apresentou queixa crime.
Pugna pela manutenção da sentença recorrida no segmento em que absolve o arguido.
Por sua vez a arguida AA também veio responder alegando que proferir e dirigir à ofendida tais expressões, naquele circunstancialismo, não tem a virtualidade de ser considerada ação típica de um crime de injúrias, sendo mais uma expressão de falta de civismo, grosseria e mesmo de falta de educação ou cultura, entendemos, mesmo, que as expressões proferidas pela arguida não encerram qualquer carga ofensiva da honra e consideração do assistente.
Concorda a recorrida com o entendimento da sentença posta em crise no sentido de que as expressões consideradas não se demonstrariam idóneas a atingir a honra interna ou externa.
Pugna pela total improcedência do recurso e pela manutenção do decidido.
Nesta Relação o Sr. Procurador-geral-adjunto expressa a opinião de que as palavras proferidas revelam um conteúdo ofensivo da honra ou consideração da assistente, razão pela qual entende que o recurso deverá proceder e subscreve a resposta do MP em primeira instância.
Cumprido o disposto no art. 417 nº2 do CPP veio responder ao parecer a arguida AA reiterando os seus argumentos de resposta ao recurso.
Considera-se adepta do vernáculo quando confrontada com uma situação de grande tensão e animosidade social, em razão do seu contexto sociocultural. Tem apenas o 4º ano de escolaridade, dispondo assim de um menor sentido de polidez linguística, que condiciona a forma como esta se apresenta e a sua reação ao meio e às pessoas que o integram.
Considera que a sentença proferida pelo Tribunal a quo se demonstra irrepreensível no que diz respeito à apreciação e valoração da prova.
Pugna pela sua manutenção.
2. Fundamentação
A- Circunstâncias com interesse para a decisão
Pelo seu inegável interesse para a decisão a proferir passamos de seguida a reproduzir a sentença recorrida:
«III. Fundamentação
A) De facto
Factos Provados
1. No dia 10 de outubro de 2021, por volta das 17:45 horas, no estacionamento em frente à residência da assistente, na rua ..., esta dirigiu-se a um senhor que ali estacionava a sua viatura, solicitando ao mesmo, se podia retirar o carro do lugar onde estava para outro lugar, explicando-lhe que o lugar onde havia estacionado o carro, era o único lugar de estacionamento que tem uma tomada elétrica para proceder ao carregamento de energia, e precisava de carregar a sua carrinha de venda ambulante de gelados.
2. A assistente solicitou à Câmara Municipal ..., e foi por esta autorizada a execução de uma caixa enterrada com tampa, para proteção da tomada elétrica existente no lugar de estacionamento, e, a atribuição de um lugar de estacionamento para cargas e descargas na Rua ....
3. Entretanto abeirou-se do referido local o arguido BB, e, intrometendo-se na conversa da assistente e do senhor com quem falava, começou a dizer para este último "que não retirasse o carro do estacionamento, pois eles têm a mania e o estacionamento não é dela", referindo-se à assistente e ao seu marido.
4. Ao que a assistente retorquiu, dizendo-lhe que a conversa não era com ele, e que ia chamar o marido.
5. Nesse momento, o arguido BB vira-se para a assistente e sem que nada o justificasse disse-lhe: "tens um homem que é um boi".
6. De seguida a arguida AA, aproximou-se também do local e dirigindo-se à assistente, disse-lhe:" querias que fosse condenada a pagar-te €480,00 de danos na porta, querias mama, agarra-te mas é à piça e leva no cú". Com tal alegação a arguida referia-se a uma queixa apresentada por crime de dano contra ela.
7. Os insultos e impropérios dirigidos à assistente, foram proferidos em voz alta de modo a serem escutados, quer por pessoas que por ali passavam quer por vizinhos da assistente, que se aperceberam da situação.
8. Os arguidos foram condenados por sentença transitada em julgado no dia 17.11.2022, proferida no processo com o n.º477/21.0PHMTS, pela prática no dia 22.05.2021, de um crime de injúria, na pena de 60 dias de multa cada um.
9. Os arguidos são casados entre si, residem em casa própria.
10. A arguida está sem trabalhar há três anos, não tem qualquer rendimento ou
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