Acórdão nº 1044/21.4T8LRA-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 25-10-2022

Data de Julgamento25 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão1044/21.4T8LRA-B.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO COMÉRCIO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

I – Relatório

AA, com os sinais dos autos,

intentou, na Comarca de Leiria – Juízo Central Cível –, ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

C..., S. A.”, também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 119.619,20, acrescida de juros vincendos, até integral e efetivo pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, que:

- o A. era acionista único da R. e presidente do seu conselho de administração desde 2009, sendo que, em 2013, alienou 50% das ações representativas do respetivo capital social;

- tendo a R. passado a ser uma sociedade gestora de participações sociais, com apenas dois acionistas, sendo o A. um deles, apenas os membros da comissão executiva tinham direito a remuneração pelo exercício do cargo, âmbito em que o A. passou a receber as remunerações a que tinha direito daquela R., até que, em outubro de 2017, ocorreu um conflito acionista, com invocação contra o A. de práticas concorrenciais;

- na sequência, o A. foi suspenso de funções – com posterior destituição, o que não implica perda dos créditos remuneratórios –, tendo a R. deixado de proceder ao pagamento das remunerações a que o A. tinha direito, no valor de € 102.847,94, a que acrescem juros moratórios, estes a perfazer € 16.771,26;

- apesar de interpelada, a R. nada pagou.

Contestou a R., defendendo-se por impugnação – âmbito em que impugnou diversa factualidade alegada na petição – e negando que o A. tenha direito a quaisquer créditos, para o que alegou:

- ser a R. vítima do A., o qual foi destituído judicialmente por violação dos seus deveres de lealdade – exercício de atividade paralela e concorrencial lesiva –, destituição essa com justa causa, quanto a todas as sociedades operacionais do grupo, tendo aquele cessado qualquer função a partir de 29/09/2017, pelo que não lhe são devidos os créditos reclamados, referentes ao período de outubro de 2017;

- não ter o A. alegado a celebração de contrato de trabalho, pelo que não é aplicável o método de cálculo estabelecido no Código do Trabalho, não tendo aquele correspondido ao ónus da prova que lhe cabia;

- ser inviável tudo quanto foi peticionado pelo aqui A..

Concluiu pela total improcedência, por não provada, da ação, com a consequente absolvição da R..

No despacho saneador – com dispensa da audiência prévia – considerou-se que «O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território», bem como não existirem «questões prévias, excepções ou nulidades processuais de que incumba apreciar», razão pela qual foram identificados o objeto do litígio e os temas da prova.

Na sequência – só então –, veio a R., «tendo sido notificada de despacho saneador proferido», invocar que o litígio é da «competência de um juízo de comércio, e não no juízo central cível de Leiria», tratando-se de «uma exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria deste Douto Tribunal, (…) que implica a absolvição do Réu da instância (…)», a carecer de discussão em sede de audiência prévia e apreciação pelo Tribunal, posto, embora sem alegação em sede de articulados, se tratar de matéria/questão de conhecimento oficioso.

Respondeu o A., concluindo pela improcedência de tal «arguição da exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria».

Logo depois veio a R. interpor recurso do despacho saneador na parte em que o Tribunal se declarou competente em razão da matéria, recurso esse julgado improcedente pela Relação de Coimbra, a que se seguiu recurso de revista, vindo o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) a decidir revogar o acórdão recorrido, julgando incompetente, em razão da matéria, o Tribunal de 1.ª instância onde os autos foram instaurados.

Veio então o A., ao abrigo do disposto no art.º 99.º, n.º 2, do NCPCiv., requerer a remessa do processo para o tribunal competente, o Juízo de Comércio de Leiria.

Ao que se opôs a R., concluindo pela rejeição do pedido de remessa, para o que invocou, em síntese:

- a remessa não é admissível, por o respetivo pedido ser extemporâneo, a dever ser rejeitado;

- esse pedido não merece a concordância da R., «em virtude da compressão das suas garantias e direitos processuais que tal remessa comportaria»;

- com efeito, o aproveitamento dos articulados impedirá a R. de desenvolver plenamente a sua estratégia de defesa, desde logo quanto à dedução da exceção de incompetência absoluta por preterição do tribunal arbitral, exceção esta que pretende invocar no novo litígio;

- por outro lado, tendo o A. provocado inúmeros danos à R., como alegado na contestação, a aqui demandada, mercê da incompetência material do tribunal para o pedido do A., viu-se impedida de deduzir reconvenção contra aquele, «peticionando os valores que lhe são devidos pelo Autor», por esse tribunal ser também materialmente incompetente para conhecer de um pedido reconvencional de responsabilidade dos administradores;

- por isso, a R. tem agora o direito de deduzir pedidos reconvencionais no novo litígio societário, o que lhe seria inviabilizado se os articulados desta ação fossem aproveitados;

- a R., tendo a ação sido intentada junto de juízo cível, centrou a sua linha de defesa em conceitos e aspetos de regime relacionados com o contrato de trabalho, relegando para segundo plano tudo o que estava relacionado com a execução, pelo A., do cargo de administrador da R., o que não teria sucedido se tal ação houvesse sido intentada nos juízos de comércio.

Por despacho datado de 06/05/2022 (Ref. 100201840), foi assim decidido:

«O autor requer que se “determine a remessa dos presentes autos para o Tribunal competente, nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do Código de Processo Civil.”

A ré opõe-se. Alega, designadamente, que o referido pedido de remessa é extemporâneo, e não merece a concordância da Ré, em virtude da compressão das suas garantias e direitos processuais que tal remessa comportaria.

Vejamos.

Por acórdão proferido neste[s] autos foi declarada a incompetência material deste juízo central cível de Leiria.

O pedido foi formulado em tempo uma vez que o autor pagou a multa prevista no art. 139.º do CPC, por ter praticado o ato no 1º dia após o termo do prazo de 10 dias de que dispunha, nos termos do disposto no art. 99.º, n 2, do CPC.

Alega a ré que a remessa comprime as suas garantias e direitos processuais.

Apesar do mérito da alegação, e ressalvado o devido respeito por outra opinião, não nos parece que tal ocorra. Estamos perante um processo comum. Ou seja, aquele que, nos termos da nossa lei de processo, mais garantias oferece e disponibiliza mais direitos processuais. Direitos esses que as partes, em concreto, utilizaram.

De resto, a tramitação no tribunal concretamente competente é precisamente a mesma.

Atento o disposto no art. 573.º, n.1, do CPC não nos parece atendível a alegação de que, no tribunal de comércio, a defesa da ré seria outra.

Assim, e pelo exposto e nos termos do disposto no artigo 99.º, n. 2 do CPC determino a remessa dos presentes autos ao juízo de comércio de Leiria, desta comarca de Leiria.» (destaques aditados).

Inconformada, recorre a R., de apelação, apresentando alegação, onde veio formular as seguintes

Conclusões ([1]):

«(…)

C. Acontece que o Tribunal a quo considerou, no Despacho Recorrido, que com a remessa dos autos para o Tribunal competente não se assistiria a uma compressão das garantias e direitos processuais da Recorrente, não atendendo assim aos fundamentos e pedido por si vertidos na Oposição à Remessa. Nada mais errado.

D. Como a Recorrente teve oportunidade de enunciar, na Oposição à Remessa, por o Recorrente não ter intentado a ação no tribunal competente, ficaram por invocar argumentos de defesa, nomeadamente:

a. Em primeiro lugar, a Recorrente avançou que pretendia invocar a exceção dilatória de incompetência absoluta (dos Tribunais Judiciais) por preterição do tribunal arbitral.

b. Em segundo lugar, alegou a Recorrente que o Recorrido, na qualidade de seu administrador, lhe provocou inúmeros danos, em seu exclusivo benefício e da sua família, cujo ressarcimento a Recorrente se viu impossibilitada de peticionar em sede de reconvenção contra aquele, mercê da incompetência material do douto Tribunal a quo para o conhecimento do pedido formulado pelo Recorrido e por ser também materialmente incompetente para conhecer de um pedido reconvencional de responsabilidade dos administradores – direito que sempre lhe assistiria por via de um novo litígio societário.

c. Em terceiro lugar, alegou ainda que, impelida pela dedução da presente ação junto do juízo cível, a Recorrente centrou a sua linha de defesa, plasmada na contestação que apresentou junto do Tribunal a quo, em conceitos e aspetos de regime relacionados, essencialmente, com o contrato de trabalho, relegando para um segundo plano tudo o que estava relacionado com a natureza, implicações e moldes de execução, pelo Recorrido, do cargo de administrador da Recorrente.

E. A Recorrente logrou assim demonstrar, junto do Tribunal a quo, que caso o Recorrido tivesse – como lhe competia – intentado a ação junto do tribunal competente para a apreciar, teria, certamente, apresentado uma defesa substancialmente diferente da que foi ali apresentada.

F. Mas, na sequência, veio o douto Tribunal a quo, estranhamente, concluir que a fundamentação adiantada pela Recorrente não era, afinal, suficiente para sustentar, nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do CPC, uma oposição à remessa.

G. Acontece que o Tribunal a quo, ao ter acolhido esta justificação, não só contrariou o entendimento que tem sido pacificamente perfilhado pela nossa Doutrina e pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores em torno do conceito de «oposição justificada» constante do artigo 99.º, n.º 2 do CPC, como extravasou, manifestamente, a margem de apreciação que lhe é reconhecida ao...

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