Acórdão nº 104/20.3SJPRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-08

Data de Julgamento08 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão104/20.3SJPRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 104/20.3SJPRT - 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro



Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto

1. RELATÓRIO

1.1. Por sentença depositada na Secretaria do Tribunal a 13 de abril de 2023, após realização da audiência de julgamento no Proc.º nº 104/20.3SJPRT, que correu termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 3, Tribunal Judicial da Comarca do Porto, foi decidido o seguinte:
“A) Absolver o arguido AA da prática de dois crimes de ofensa à integridade física simples, previstos e punidos pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal;
B) Custas a cargo do assistente que se fixam no mínimo, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia;
C) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização civil formulado nos autos por BB contra o demandado AA e, em consequência, absolvê-lo do pedido;
D) Custas cíveis a cargo do demandante, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.”
1.2. Não se conformando com tal decisão, dela veio interpor recurso o Ministério Público, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
(…)
2. A sentença recorrida viola o disposto no art.º 143º, nº 1, do C.P. e o disposto no art.º 127º C.P.P., que consagra o princípio da livre apreciação da prova;
3. Estão incorretamente julgados os seguintes factos não provados:
A) O arguido, em conjunto com outros indivíduos cuja identidade não se apurou, empurrou os ofendidos, tentando que saíssem do bar, dizendo-lhes que não eram bem-vindos, provocando, desta forma, a queda do ofendido BB;
B) Após, com este no chão, o arguido, em conjunto com outros indivíduos cuja identidade não se apurou, desferiu diversos pontapés no ofendido BB;
C) Como consequência direta e necessária das referidas agressões perpetradas pelo arguido, a ofendida CC sofreu dores e o ofendido BB as lesões indicadas em 2 supra;
D) O arguido, em comunhão de esforços e intentos com outros indivíduos não concretizados, agiu de forma livre, voluntaria e consciente, no propósito concretizado de molestar o corpo dos ofendidos e lhes provocar as lesões que efetivamente provocou;
E) O arguido sabia que todas as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal;
F) A descrita atuação do demandado causou danos ao demandante, resultantes em dor física, enervamento, desgosto, vergonha, angústia, aviltamento da sua imagem, consequências que se traduziram em forte abalo moral;
G) As graves lesões traumáticas supra descritas foram causa direta e adequada dos diversos socos e pontapés que o demandado desferiu no ofendido BB;
H) Os ferimentos em causa que impossibilitaram o demandante de gravar e exibir os conteúdos nos canais digitais mencionados durante cerca de um mês e implicaram perda de rendimentos são consequência direta e necessária da atuação do demandado;
I) Por causa da atuação do demandado - e desde o seu início até agora - o demandante passou a viver continuamente aterrorizado, angustiado e desesperado, e esse estado ainda permanece; o demandante temeu permanentemente e continua a temer pela sua vida; passou numerosas noites sem dormir, a ansiedade contínua durante vários meses, a angústia e o desespero.
4. Na verdade, os mesmos estão incorretamente julgados porquanto em audiência de julgamento foi provado, sem qualquer margem para dúvida o inverso.
5. Com efeito, correlacionando toda a prova produzida em julgamento, e tendo como parâmetro as regras da experiência e os critérios de normalidade, afigura-se que a absolvição do arguido se fundou num erro de julgamento.
6. Na realidade, não é normal e crível que, durante anos, ao longo de todo este processo, o assistente e a ofendida tenham referido que foi o arguido AA, quem (juntamente com mais duas pessoas que não se conseguiu identificar), os agrediu com empurrões, socos e pontapés.
7. Com efeito, o que faz sentido, face às regras da experiência e à normalidade das coisas, é que no momento e local mencionados na acusação, o arguido lá esteve e foi um dos seus agressores, pois que não é normal que os ofendidos o identifiquem, através das redes sociais, através de fotos e através de reconhecimento pessoal, se tal não correspondesse à verdade. E fizeram essa identificação em inquérito, em sede de instrução e repetiram em julgamento que este arguido (AA) foi um dos seus agressores. Ora, se os ofendidos nada tinham contra ou a favor desta pessoa a que propósito o identificam, tantas vezes, como sendo o autor dos factos? É claro que tal só faz sentido porque corresponde à realidade dos acontecimentos.
8. Por outro lado, os ofendidos, quando colocados perante os seguranças do bar A... sempre os afastaram como sendo os seus agressores. Ou seja, se o que os move é obter indemnizações teriam toda a vantagem em dizer que também tinham sido agredidos por esses seguranças. e nunca o fizeram. Bem pelo contrário, o que demonstra que nada os move a não ser o respeito pela verdade dos acontecimentos
9. Por isso, atendendo ao exposto é credível o declarado pelo assistente e pela ofendida quando dizem que não foram agredidos pelos seguranças mas antes pelo arguido que, na ocasião, exercia funções de relações públicas do estabelecimento, atividade essa que os ofendidos desconheciam e até pensavam que o mesmo também era segurança.
10. É certo que as declarações dos ofendidos não tiveram apoio nos relatos das restantes testemunhas de acusação mas tal deve-se ao facto de essas testemunhas não terem presenciado o início da contenda, pois que, como se refere na douta sentença, quando se voltaram para trás já os ofendidos estavam por terra.
11. Assim, tendo como relevante as declarações do assistente BB, gravadas na sessão de 09.02.2023, com referência aos trechos que correspondem aos minutos 01:40, 02:18, 03:30, 06:00, 07:50, 12:00 e 17:00, o depoimento da ofendida CC, gravado na sessão de 09.02.2023, com referência aos trechos que correspondem aos minutos 03:25, 04:20, 05:28, 06:15, 07:45, o exame pericial de fls. 18 a 20 (que enumera as lesões sofridas pelo assistente), a prova documental de fls. 121 (onde os ofendidos mencionam, expressamente, que as pessoas cujas fotos constam de fls. 98-100 e que são as fotos dos seguranças do estabelecimento não foram as pessoas que os agrediram. Mais referem que “identificaram o suspeito através das redes sociais” e mencionaram que o mesmo se chama “AA”) e as regras de experiência comum, impunha-se que da matéria de factos constassem como provados os seguintes factos:
3. O arguido, relações públicas daquele espaço, em conjunto com outros indivíduos cuja identidade não se apurou, empurrou os ofendidos, tentando que saíssem do bar, dizendo-lhes que não eram bem-vindos, provocando, desta forma, a queda do ofendido BB;
4. Após, com este no chão, o arguido, em conjunto com outros indivíduos cuja identidade não se apurou, desferiu diversos pontapés e socos no ofendido BB;
(…)
(..)
12. O arguido deveria, assim, ter sido condenado pelos crimes de que fora acusado e pronunciado, pelo que, não o tendo sido, foi violado o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.º 127º do Código de Processo Penal e o normativo do art.º 143º, nº. 1 do Código Penal.”
1.3. O arguido respondeu, concluindo pela negação de provimento ao recurso, nos seguintes termos:
“(…)
E) Do mais, explicita o Ministério Público, que o Arguido, deveria ter sido condenado pela prática dos crimes de que vem acusado, em face da produção de prova ocorrida, mas como também, pelas regras de experiência comum;
F) Ultrapassando assim toda e qualquer garantia constitucional do Arguido;
G) Inclusive, a presunção de inocência, e inerentemente, o princípio in dubio pro reo;
H) Para o efeito, aduz o Ministério Público que nas sessões de julgamento foi feita prova suficiente dos factos constantes do despacho de acusação e de pronúncia;
I) Assim, o Ministério Público, atento os depoimentos do Assistente e da Ofendida, bem como a prova pericial, e documental carreadas para os autos, assume como possível obter um juízo de condenação sobre o ora Arguido;
J) Ora, nessa natural decorrência, e em face do que se dirá, nenhuma dúvida subsiste quanto à falta de fundamento do recurso apresentado pelo Ministério Público;
K) E, obviamente, pela necessidade de o Arguido ser absolvido da prática dos crimes de que vem ora acusado, confirmando-se assim a decisão recorrida;
Senão vejamos:
L) Produzida a prova testemunhal, mais concretamente, as testemunhas carreadas pela acusação, verifica-se que em momento algum do seu depoimento, as referidas testemunhas conseguem identificar o Arguido como o autor das putativas agressões;
M) Nem tão pouco o conseguem identificar no local onde as mesmas terão ocorrido;
N) Confirmando ainda, em sede de depoimento, que o Assistente terá sido agredido pelos seguranças do Bar A...;
O) Ainda assim, e no caso de tais depoimentos não serem suficientes para que o Arguido fosse absolvido da prática dos aludidos ilícitos criminais, atente-se ainda na demais prova testemunhal;
P) Isto porque, as testemunhas – DD e EE – confirmaram ao Tribunal que os desacatos ocorridos, e onde se encontrava o Assistente, começaram no espaço exterior do Bar;
Q) Na verdade, é nos depoimentos do Assistente e da Ofendida, que – surpreendentemente – reside a razão de ser da absolvição do Arguido;
R) Muito por conta, de tanto o Assistente como a Ofendida, terem confirmado, que à data dos referidos acontecimentos, já conheciam o Arguido;
S) Circunstância que naturalmente, facilitaria o seu reconhecimento junto dos órgãos de polícia criminal;
T) Infelizmente, o reconhecimento, que à partida estaria facilitado, só viria a acontecer decorridos alguns dias depois do incidente;
U) Sem razão ou motivo aparente;
V) Em boa verdade, tal facto, per si, é descaracterizador dos depoimentos do Assistente e da Ofendida, contrariando, o Auto de Notícia e de Denúncia elaborados e juntos aos presentes autos;
...

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