Acórdão nº 1039/22.0T8TMR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-10-26

Ano2023
Número Acordão1039/22.0T8TMR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Proc. n.º 1039/22.0T8TMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA[2] (Autora) intentou a presente ação declarativa de condenação, emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Centro Social Interparoquial de Abrantes”, (Ré), solicitando, a final, que a ação seja julgada procedente por provada e, em consequência:
Seja declarada a ilicitude do seu despedimento;
Seja a Ré condenada a pagar à Autora indemnização por antiguidade, férias ganhas e não gozadas, respetivos subsídios e proporcionais de subsídio de Natal, e retribuições deixadas de auferir no montante de €13.758,47;
Seja a Ré condenada a pagar à Autora indemnização por danos morais em montante não inferior a €5.000,00; e
Seja a Ré condenada em custas e demais encargos do processo, bem como custas de parte.
Alegou, em síntese, que a Autora foi contratada ao serviço da Ré em 10-05-2020 para prestar trabalho por conta e direção da Ré, ao abrigo da Portaria n.º 82-C/2020 de 31-03, no âmbito da Medida de Apoio ao Reforço de Emergência de Equipamentos Sociais e de Saúde, tendo prestado serviço nas instalações da Ré até 27-06-2021, auferindo, durante esse período, como Bolsa do IEFP, uma quantia mensal de €658,22, acrescida de um subsídio de transporte, no montante de €43,88.
Mais referiu que, em 01-05-2021, sofreu um acidente de trabalho que a obrigou a permanecer de baixa médica, porém, não apresentou junto da Ré o respetivo atestado médico, pelo que, em 27-06-2021, foi informada verbalmente pela Ré que estava despedida, em face do número de faltas injustificadas que já dera, não precisando de regressar ao seu posto de trabalho.
Alegou ainda que o seu despedimento não foi precedido de procedimento disciplinar, nem lhe foi remetida qualquer nota de culpa, razão pela qual o despedimento é ilícito
Alegou também que assinou com a Ré contratos sucessivos por períodos de 1 e 3 meses, concretamente, assinou oito contratos, pelo que, nos termos do art. 2.º, n.º 3, da Portaria n.º 82-C/2020, de 31-03, a partir de 09-08-2020, os contratos celebrados entre a Autora e a Ré já não o eram ao abrigo da referida Portaria, tendo, a partir dessa altura, a Autora se tornado trabalhadora da Ré a termo certo, pelo que, tendo sido ilicitamente despedida, tem direito a uma indemnização em montante correspondente a 45 dias por cada ano de antiguidade ou fração, não inferior a três meses de retribuição, montante esse a que atribui o valor de €3.159,45, sendo-lhe ainda devidas as férias que não gozou no montante de €760,61, o subsídio de férias e os proporcionais de férias no montante de €760,61, o subsídio de natal e respetivos proporcionais no montante de €760,60, bem como a que lhe sejam pagas as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado no montante que se fixa até à interposição da ação em €8.425,20 e ainda a quantia de €5.000,00 a título de danos não patrimoniais.
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver o litígio por acordo.
A Ré “Centro Social Interparoquial de Abrantes” apresentou contestação e pedido reconvencional, requerendo, a final, que a ação seja julgada improcedente por não provada, sendo a Ré absolvida do pedido, devendo o pedido reconvencional ser julgado procedente e, em consequência, ser a Autora condenada a restituir à Ré a quantia de €140,42, acrescida de juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alegou, em súmula, que a Autora não foi contratada pela Ré ao abrigo de um contrato de trabalho, mas sim ao abrigo de um contrato de atividade social ou de saúde, tendo, por isso, a Autora se obrigado a executar uma atividade socialmente útil, na área de cuidados pessoais, a exercer na sede da Ré, recebendo, em contrapartida, uma bolsa mensal no valor de €658,22, alimentação referente a cada dia de atividade, transporte ou subsídio de transporte até €43,88, seguro de acidentes e equipamento de proteção individual.
Mais alegou que o contrato celebrado não titula uma relação laboral e de prestação de trabalho, razão pela qual inexiste remuneração, subsídios, contribuições à segurança social, período experimental ou subordinação jurídica, sendo sim um contrato de prestação de uma atividade socialmente útil, ao abrigo de um projeto temporário e excecional.
Alegou também que a cessação do contrato celebrado entre as partes deveu-se ao mero decurso do prazo, tendo-se extinguido por caducidade.
Alegou igualmente, quanto à indemnização por danos morais, que inexistem os pressupostos de que depende a atribuição de tal indemnização, desde logo, a total inexistência de uma relação de trabalho.
Por fim, a título reconvencional, alegou a Ré que pagou à Autora, por lapso, durante o período de baixa, parte da bolsa, no valor de €140,42, sendo que, durante o período de baixa, tal bolsa não era devida, pelo que a devolução de tal valor foi solicitada à Autora, que, porém, nunca o devolveu, devendo, por isso, ser a Autora condenada na devolução desse valor à Ré.
Por despacho proferido em 11-01-2023 foi julgado inadmissível o pedido reconvencional formulado pela Ré.
Foi proferido, na mesma data, saneador-sentença, onde foi fixado o valor da ação em €18.758,47, sendo a decisão do seguinte teor:
4.1. Pelo exposto, decido julgar a presente acção totalmente improcedente e absolver o réu Centro Social Interparoquial de Abrantes de todos os pedidos formulados pela autora AA.
4.2. Condeno a A. a pagar as custas da acção, em vista do seu decaimento e sem prejuízo do benefício de apoio judiciário.
4.3. Notifique.
Não se conformando com a sentença, veio a Autora AA interpor recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
1) Após a realização da audiência de partes, entendeu o Tribunal que seria de agendar a realização de audiência de julgamento, vindo a proferir a douta sentença sem que se tenha realizado audiência de discussão de julgamento.
2) A decisão constante da douta sentença recorrida não foi, por outro lado, antecedida da audiência das partes., o que consubstancia a prática de uma “decisão surpresa”, proferida com violação do Princípio do Contraditório, o que implica uma nulidade, a prevista no artigo 195.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPT.
3) A douta decisão constante da douta sentença ora recorrida é nula, por preterição do princípio do contraditório (artigo 3.º do CPC), violando os Princípios constitucionais vertidos nos artigos 2.º, 20.º, 32.º, n.º 2, 202.º e 205.º da CRP;
4) Por força do artigo 3.º do CPC e sob pena de inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da CRP, o Mmo. Juiz a quo entendendo, oficiosamente, que haveria de decidir em determinado sentido e dispensando a realização da audiência, deveria determinar a audição prévia das partes, evitando a tomada de decisões surpresa feridas de nulidade.
5) A douta sentença ora recorrida é nula, cfr. artigo 195.º do CPC, por violação do disposto nos artigos 3.º e 417.º do Código de Processo Civil e artigos 2.º, 20.º, 32.º, n.º 2, 202.º e 205.º da Constituição da República Portuguesa, devendo, ipso facto, ser revogada
6) Entre A. e R., foram sendo assinados contratos sucessivos por períodos de 1 e 3 meses. Dispõe o n.º 3 do art. 2.º da Portaria n.º 82-C/2020, de 31 de Março: «Os projetos referidos no número anterior desenvolvem-se no âmbito definido no n.º1, enquadram-se no conceito de trabalho socialmente útil e têm uma duração de um mês, prorrogável mensalmente até um máximo de três meses (…)».Logo, o contrato celebrado entre A. e R. vigorou no âmbito da vigência da referida Portaria e subsumível à mesma, até 09/08/2020.
7) A partir dessa data, a Recorrente continuando a prestar trabalho à Recorrida tornou-se sua trabalhadora, sem termo – arts. 141.º do C.T. Produzindo os contratos subsequentes a essa data os efeitos referidos nos arts. 141.º e 146.º do C.T..
8) Pelo que, a Recorrente passou a ser trabalhadora efectiva da Recorrida em 09/01/2021, após 3 meses de renovação do contrato celebrado após os 3 meses previstos na aludida Portaria. Aplicando-se à relação laboral daí em diante o Código do Trabalho e as Pelo que, à A., deverão as normas legais relativas a um trabalhador com vínculo laboral efectivo.
9) É competente para dirimir o litígio o Tribunal do Trabalho e não o Tribunal Administrativo e Fiscal, pois que este seria o competente até 09/08/2020, de tal data em diante a prestação de trabalho por parte da Recorrente não se enquadrava no regime especial aludido na douta sentença, mas sim no regime geral de contrato de trabalho, revisto no Código de Trabalho, artigo 126.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário.
10) Pelo que, deverá a douta sentença ora recorrida ser considerada nula e revogada, sendo substituída por outra que julgue o Tribunal competente e ordene a realização da audiência de julgamento, seguindo-se os ulteriores termos do processo até final, ou caso assim não se entenda que julgue o Juízo de Trabalho como competente e decida quanto à matéria em causa nos autos, com respeito pelo contraditório, vindo a final a condenar-se a Recorrida no pedido, com o que se alcançará a desejada JUSTIÇA!
NESTES TERMOS,
Deve o presente ser recebido e com o sempre mui douto suprimento de V.Exas., acolhidas que sejam as razões expostas, porque legais e justas, deverá a douta sentença ora recorrida ser declarada nula, revogando-se a douta decisão com todos os efeitos legais, com o que se fará a desejada JUSTIÇA!
A Ré “Centro Social Interparoquial de Abrantes” apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida, terminando com as seguintes conclusões:
A. Conforme resulta dos factos provados, em 10/05/2020, a AUTORA/APELANTE e a RÉ/APELADA celebraram entre si, um “Contrato de Actividade Social ou de Saúde” ao
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