Acórdão nº 1033/16.0BEALM de Tribunal Central Administrativo Sul, 29-11-2022

Data de Julgamento29 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão1033/16.0BEALM
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul
I. RELATÓRIO
B…, S.P.A., intentou a presente ação administrativa contra Centro Hospitalar de Setúbal, E.P.E., alegando incumprimento contratual e pedindo a condenação do réu no pagamento da quantia de €541.126,76, sendo €476.289,99 referente a capital, acrescido de juros de mora calculados às sucessivas taxas de juros legais comerciais em vigor no valor de €63.963,77, ainda €720,00 por cada fatura vencida e não liquidada e €153,00 referente à taxa de justiça, acrescida de juros vincendos, à taxa legal dos juros comerciais, até efetivo e integral pagamento.
Por sentença de 27/09/2018, o TAF de Almada declarou a inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de pagamento da quantia de €476.289,99 referente a capital, condenou o réu a pagar à autora a quantia de €72.576,05 a título de juros de mora vencidos à taxa legal dos juros comerciais, e absolveu o réu do pagamento à autora da quantia de €720,00 por cada fatura vencida e não liquidada.
Inconformado, o réu interpôs recurso desta decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem:
“A).- O Centro Hospitalar demandado é um Centro Hospitalar público, integrado no Serviço Nacional de Saúde nos termos do nº 2 do artº 7º do Dec.-Lei 124/2011 de 29 de Dezembro;
B).- A sentença, sob recurso, condena o réu ora recorrente a pagar à autora juros de mora à taxa comercial no valor de € 72.576,05 pelo pagamento para além da data do vencimento dos valores em capital referidos na acção .
C).- O sentido de tal decisão tem como fundamento de direito, a inaplicabilidade à entidade demandada e ora recorrente, da norma transitória contida no artº 12º do Dec.-Lei 62/2013 de 10 de Maio
D).- Para assim decidir a sentença recorrida entende que “ até 31/12/2015 o legislador ter ressalvado a aplicação do Dec-Lei 62/2013 às entidades publicas que façam parte do Serviço Nacional de Saúde como é o caso da entidade demandada, garantindo, no entanto, que se manterá em vigor o artº 6º do Dec.-Lei 32/2002 sendo portanto aplicável a esta mesma entidade e nessa medida, também o disposto no § 3º do artº 102º do Código Comercial, onde se prevê a aplicação da taxa de juro constante da portaria conjunta dos ministérios das Finanças e da Justiça”.
E).- Pelo que, na tese da sentença recorrida, a norma transitória do artº 12º Dec.-Lei 62/2013 nenhuma influencia teria quanto a juros moratórios, sendo sempre aplicáveis os juros computados à taxa comercial previstos no Código Comercial.
F).- Porém, o artº 12º do citado decreto lei, não pode deixar de ser entendido como norma excecional, emitida em benefício das entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, pretendendo o legislador transitória e excecionalmente não aplicar o Decreto-Lei 62/2013 ás entidades do SNS.
G).- Não aplicação que tem reflexo em matéria de juros, porquanto a Lei 3/2010 de 27 de Abril no seu artº 1º estatui a obrigatoriedade de pagamento de juros pelo Estado e entidades publicas à taxa do artº 806º nº 2 do Código Civil e o artigo 5º do Decreto-Lei 62/2013 vem estatuir que “Os juros de mora legais aplicáveis aos atrasos de pagamentos das transações comerciais entre empresas e entidades públicas são os estabelecidos no Código Comercial”.
H).- Esta norma só pode ser interpretada no sentido de que o legislador no Decreto-Lei 32/2003 de 17 de Fevereiro, não revogou o regime da Lei 3/2010 relativamente aos juros a cargo do Estado que só com o Decreto-Lei 62/2013 foi expressamente derrogada a Lei 3/2010 pelo nº 5 do artº 5º daquele diploma.
I).- Consequentemente apenas após a entrada em vigor do Decreto-Lei 62/2013 os juros aplicáveis às entidades publicas são computados às taxas comerciais.
J).- Mas por força da noma transitória do artº 12 daquele decreto-lei, transitória e excecionalmente, ele não é aplicável até 31/12/2015 às entidades integradas no SNS, mantendo-se em vigor em matéria de juros moratórios para o Estado e entidades publicas o regime da Lei 3/2010 que prevê a taxa comum civil de 4%, contrariamente ao decidido pela sentença recorrida..
L).- Ao decidir como decidiu, violou a sentença sob impugnação, por errada interpretação, o artº 12º do Decreto-Lei 62/2013, devendo consequentemente ser revogado o seu segmento decisório relativo à condenação em juros e ser substituído pela condenação em juros à taxa de 4% que se cifram em € 36 620,40.”
Não foram apresentadas contra-alegações.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso, por entender que o artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 62/2013 é norma excecional, emitida em benefício das entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde, certamente devido à sua debilidade financeira, sendo que da conjugação daquele normativo com a Lei n.º 3/2010 resulta ser de aplicar a taxa de juros prevista no artigo 806.º, n.º 2, do Código Civil.

Perante as conclusões das alegações do recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento quanto à taxa legal aplicável aos juros de mora.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. FUNDAMENTOS
II.1 DECISÃO DE FACTO
Nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC, ex vi artigos 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA, por não ter sido impugnada, remete-se a matéria de facto para os termos em que foi decidida pela 1.ª instância.
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II.2 APRECIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

Conforme supra enunciado, a questão a decidir cinge-se a saber se ocorre erro de julgamento quanto à taxa legal aplicável aos juros de mora.
A este propósito, consta da decisão recorrida a seguinte fundamentação:
[A] Lei n.º 3/2010, de 27 de abril, que estabelece a obrigatoriedade de pagamento de juros de mora pelo Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária independentemente da sua fonte, prevê no seu artigo 1.º que se aplica a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil...

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