Acórdão nº 1028/23.8Y2MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-02-2024

Data de Julgamento21 Fevereiro 2024
Número Acordão1028/23.8Y2MTS.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 1028/23.8Y2MTS.P1

Relator:
João Pedro Pereira Cardoso
Adjuntos:
1º - Elsa Paixão
2º - William Themudo Gilman


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Acordam, em conferência, na Segunda Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:


1. RELATÓRIO

No Processo (contraordenação) nº 1028/23.8Y2MTS do Juízo Local Criminal de Matosinhos - Juiz 3, foi em 01/11/2023 proferida sentença, na qual – ao que aqui interessa - se decidiu julgar totalmente improcedente o recurso de impugnação judicial interposto pelos arguidos e, em conformidade, manter a decisão administrativa que condenou:

- AA, numa coima única no valor de 1.200€ (mil e duzentos euros); e

- A... Ld.ª, numa coima única no valor de 1.200€ (mil e duzentos euros) e na sanção acessória de devolução do produto resultante da venda do pescado ilicitamente capturado, no valor 2.764,50€ (dois mil, setecentos e sessenta e quatro euros e cinquenta cêntimos), revertendo este perdido a favor do Estado.


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Inconformados com esta decisão, dela interpuseram recurso os arguidos, para este Tribunal da Relação do Porto, com os fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem:

CONCLUSÕES

I. Como decorre do artigo 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido a possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre, devendo esta possibilidade revestir a, “(…) forma de notificação, como decorre das disposições conjugadas dos artigos 41.º, n.º 1, 46.º, n.º 2, e 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, e do artigo 112.º, n.º 3, alínea a), do Código de Processo Penal” a qual “(…) terá de ser feita, em alternativa, por contacto pessoal com o notificando e no lugar em que este for encontrado, ou por via postal registada – artigo 113.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal”, sendo que a, “(…) notificação por contacto pessoal com o notificando a lei não admite que a mesma seja feita em pessoa diversa daquele (artigo 113.º, n.º 1, alínea a), do CPP)”;

II. Tendo a Autoridade Administrativa optado por proceder à notificação dos arguidos na modalidade de carta registada com aviso de receção, procedimento ao qual – como é comumente conhecido – está associado um formalismo específico, concretamente à necessidade de identificação da pessoa que recebeu a carta ou aviso e a verificação da capacidade dessa pessoa para transmitir ou comunicar ao arguido o conteúdo da notificação que recebeu ou a capacidade de obrigar a sociedade (circunstância que a Autoridade Administrativa tinha condições de apurar), verificando que dos avisos de receção não resulta a cabal identificação de quem os recebeu, tinha a obrigação de regularizar tal situação.

III. Não o tendo feito, dúvida não há de que os arguidos não foram regularmente notificados para os efeitos previstos no artigo 50.º do RGCO, o que resulta numa nulidade insanável.

IV. O facto das notificações em causa terem sido remetidas num momento em que todo o país (e o mundo) se encontrava assolado com uma pandemia global epidemiológica provocada pela doença Covid -19, não justifica o incumprimento dos mínimos exigíveis, em concreto a apostura do nome completo das pessoas que receberam as respetivas notificações, bem como a sua identificação (número de cartão de cidadão ou outro documento oficial como um passaporte, por exemplo), como sucedeu nos presentes autos.


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V. Entre o dia 10 de Abril de 2020 (data da suposta receção da notificação para apresentação de defesa) e o dia 06 de julho de 2023 (data da notificação da decisão administrativa) decorreram mais de três anos, não se tendo verificado quaisquer causas de interrupção durante esse período, uma vez que não foram levadas a cabo pela autoridade administrativa quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou pedido de auxílio às autoridades policiais.

VI. A suspensão dos prazos prescricionais relativos aos processos penais e contraordenacionais que tenham por referência factos praticados em data anterior à vigência da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e da Lei n.º 4-B/2021, de 1 de fevereiro é violadora do princípio da não aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional e, como tal, inadmissível do ponto de vista constitucional.

VII. Não se verificando qualquer causa de suspensão ou de interrupção, verifica-se sim a prescrição do procedimento contraordenacional, pelo menos quanto ao arguido, uma vez que entre ambas as notificações (da notificação para apresentação de defesa e da notificação da decisão administrativa) decorrem mais de três anos.

VIII. No caso, como o dos autos, cujos factos se reportam ao período de 22 de agosto e 29 de agosto de 2019, em que o agente praticou factos puníveis antes do início do regime especial da suspensão da prescrição pela COVID-19, a suspensão da prescrição não pode ser justificada por maiores ou menores dificuldades de investigação ou realização de atos processuais, já que a proibição da aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional existe e está justificada - única e exclusivamente - pela proteção do agente, em particular, pelo direito do arguido à segurança jurídica.

IX. Desta forma, a proibição da aplicação retroativa da lei penal e contraordenacional não está associada a razões ou problemas de saúde pública ou dificuldades de investigação e, por isto mesmo, estas razões não podem ser usadas para afastar a proibição de aplicação retroativa da lei substantiva em matéria penal e contraordenacional.

X. Acresce que o fundamento da prescrição, é ser o “castigo” demasiado longe do delito ou da condenação uma inutilidade. E é uma inutilidade porque a intervenção do direito penal ou contraordenacional, com todas as suas armas, a partir de determinada altura, não é capaz de cumprir nenhuma das suas funções ou finalidades.

XI. A necessidade da sanção dilui-se gradualmente com o decurso progressivo do tempo, por um lado, porque se reconhece a desnecessidade de aplicação das sanções e, por outro lado, porque aumentam as dificuldades probatórias, potenciando a probabilidade de decisões erradas.

XII. Ao decidir como decidiu, a sentença aqui em crise violou os artigos 5º, 27º, 28º e 41º nº 1 do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro, o artigo 113º nº 16 do Cod. Proc. Penal e os artigos 19º nº 6 e 32º da Constituição da Républica Portuguesa.

TERMOS EM QUE, revogando-se a sentença proferida, declarando-se a nulidade das notificações para o exercício do direito de defesa com todas as consequências legais e a prescrição do procedimento contraordenacional relativamente ao arguido, se fará a - tão habitual neste Superior Tribunal – JUSTIÇA!”


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O recurso foi regularmente admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com o legal efeito.

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Respondeu o Ministério Público junto do tribunal a quo às motivações de recurso vindas de aludir, entendendo que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, mantendo-se integralmente a decisão recorrida.

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Neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Na sequência da notificação a que se refere o art.417º, nº 2, do Código de Processo Penal, foi efetuado exame preliminar e, uma vez colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

Atentando nas conclusões apresentadas na motivação do recurso que, conforme jurisprudência constante e assente, delimitam o seu objeto (cfr. art. 412º, nº 1, do Código de Processo Penal):
as questões submetidas ao conhecimento deste tribunal são:
a) Da suspensão da prescrição do processo contraordenacional
b) Nulidade das notificações para o exercício do direito de defesa


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Da suspensão da prescrição do processo contraordenacional

Sem questionarem os demais pressupostos em que se baseou a decisão recorrida sobre a questão da prescrição do procedimento criminal, os arguidos impugnam aquela exclusivamente em relação à (não) suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional pela COVID-19.

A este propósito ponderou-se na decisão recorrida que:

- os factos descritos no auto de notícia ocorreram no dia 29/08/2019;

- os arguidos foram notificados para exercer defesa no dia 10/04/2020;

- em 16/06/2023 foi proferida a decisão administrativa condenatória;

- em 26/05/2023 foi o arguido notificado da decisão administrativa condenatória;

- os arguidos interpuseram recurso da decisão em crise em 25/07/2023;

- os arguidos foram notificados do exame preliminar do recurso da decisãoadministrativa em 12/09/2023.

Considerou-se ainda na sentença, circunstância que não vem impugnada, que: “Atento o limite máximo das molduras abstratas aplicáveis às infrações imputadas ao arguido AA, o prazo de prescrição é de 3 (três) anos, conforme o artigo 27.º, n.º 1, alínea b), do Regime Geral das Contraordenações. Já quanto à sociedade arguida A..., Ld.ª, o prazo de prescrição é de 5 (cinco) anos, conforme o artigo 27.º, n.º 1, al. a), do mesmo diploma.

A contagem do prazo de prescrição, quer da pessoa coletiva quer da pessoa singular, iniciou em 29/08/2019.

É, por isso, manifesto que o prazo de prescrição da pessoa coletiva não se mostra prescrito”.

Nada disto vem impugnado pelos recorrentes.

Os arguidos insurgem-se, isso sim, quanto à suspensão do prazo de prescrição reconhecido na sentença:

- nos termos dos n.ºs 3 e 4 do artigo 7.º, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/03, vigorando entre o dia 9/03/2020 e o dia 2/06/2020, num total de 86 dias (cf. art.º 5.º da Lei n.º 4-A/2020, de 6/04, e art.ºs 8.º e 10.º da Lei n.º 16/2000 de 29/05; e

- nos termos do n.º 3 do artigo 6.º-B da Lei n.º 4-B/2021, de 01/02, vigorando entre 22/01/2021 e 5/04/2021, num total de 74 dias (cf. art.º 4.º da Lei n.º 4-B/2021, de...

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