Acórdão nº 1015/20.8PBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-02-22

Ano2023
Número Acordão1015/20.8PBGMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I - RELATÓRIO

1- No processo supra identificado foi proferido, em sede de debate instrutório, o seguinte despacho:
Em causa nos presentes autos está a prática, para além do mais, pelo arguido AA de:
- Três crimes de ameaça agravada, previstos e punidos pelos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1, alíneas a) e c), do Código Penal ex vi alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal; e,
- Dois crimes de injúria agravada, previstos e punidos pelos artigos 181.º, n.º 1 e 184.º do Código Penal ex vi alínea l), do n.º 2, do artigo 132.º do Código Penal
Atento o disposto nos artigos 153.º, 181.º e 188.º, do Código Penal, tais crimes assumem natureza semipública.1 ( Em relação à natureza semipública do crime de ameaça agravado acompanhamos de perto os argumentos exarados no Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto no processo n.º 1301/19.0PBAVR.P1, relatado em 06/04/2022 pelo Exmo. Senhor Desembargador José Piedade e consultável em www.dgsi.pt.)
A assistente BB e os ofendidos CC e DD declaram pretender desistir da respetiva queixa apresentada nestes autos contra o arguido AA, e este manifestou a sua não oposição à desistência das referidas queixas.
O Ministério Público manifestou a sua não oposição e pronunciou-se no sentido do arquivamento dos autos, quanto ao crime de injúria agravada e opôs-se à desistência de queixa no que concerne ao crime de ameaça agravada.
Assim, atento o disposto nos artigos 51.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, e 116.º, n.º 2, do Código Penal, dada a concordância do arguido, a desistência das queixas apresentadas são juridicamente válidas, pelo que as homologo.
Em consequência, e atento o disposto nos artigos 153.º, n.º 2, 181.º, 184.º, 188.º, 113.º, n.º 1 e 116.º, n.º 2, todos do Código Penal, declaro extinto nesta parte o presente procedimento criminal.
(…)»

Inconformado, o MP recorre, extraindo da respetiva motivação as seguintes
CONCLUSÕES:

1. O M. Público deduziu acusação contra o arguido pela prática, entre outros, de três crimes de ameaça agravada, p. e p. pelo art. 153.º, nº1 e 155.º, n.º 1, als. a) e c), ambos do C. Penal, ex vi do disposto na al. l) do nº2 do art. 132º do mesmo diploma legal.
2. Em fase de instrução, os denunciantes declararam, nesta parte, desistir das queixas e o arguido disse aceitar essas desistências.
3. O tribunal, depois de considerar que o crime triplamente imputado ao arguido revestia natureza semi-pública, homologou as desistências de queixa e declarou, nessa parte, extinto o procedimento criminal.
4. A qualificação jurídica dos factos nunca foi colocada em causa pelo tribunal nem por nenhum dos intervenientes processuais.
5. O art. 155.º do C. Penal não contém qualquer referência à natureza do crime.
6. O silêncio da lei aponta no sentido de que o crime de ameaça na forma agravada tem natureza pública.
7. O legislador penal diz expressamente quando pretende que o procedimento criminal quanto a determinados tipos de crime se inicie com a manifestação de vontade do titular do interesse protegido.
8. A natureza semi-pública dos crimes não se presume, devendo constar clara e expressamente da lei.
9. Nos crimes de natureza procedimental pública, quer a queixa quer a sua posterior e eventual desistência, não produzem, nos termos dos artigos 48.º a 52.º do C. P. Penal, qualquer impacto no iter processual e procedimental.
10. A desistência da queixa apresentada pelos denunciantes, estando, como está, em causa a prática dos crimes de ameaça agravada é, no caso dos autos, totalmente ineficaz.
11. Sustentar-se que essa desistência é juridicamente válida, traduz-se num manifesto erro de valoração dos princípios fundamentais de direito processual penal, que não encontra qualquer sustentação no texto da lei.
12. Decidindo como decidiu, violou o tribunal as normas constantes dos arts. 116º, 153º, 155º, nº1, al. a) do C. Penal e 48º, 49º e 51º do C. P. Penal.

NESTES TERMOS,
e nos demais de direito aplicável, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente e, por conseguinte, revogar-se a decisão recorrida, que deverá ser substituída por outra que considere ineficaz a...

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