Acórdão nº 101/22.4T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 21-06-2022

Data de Julgamento21 Junho 2022
Ano2022
Número Acordão101/22.4T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as juízas da 1ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa,

I – RELATÓRIO
1. T… instaurou providência cautelar contra A…, Ldª pedindo a suspensão da deliberação social tomada em Assembleia Geral de sócios de 22.12.2021, de eliminação do nº 2 do artigo 5º do Contrato de Sociedade, que prevê que “Poderão ser exigidas apenas ao sócio AM… prestações suplementares de capital, até ao montante de € 10.000.000,00 (dez milhões de Euros), sendo este sócio responsável pela totalidade das prestações suplementares exigidas, nos termos e condições que forem aprovados pela assembleia geral.
Alega em fundamento, em síntese, que a deliberação é inválida nos termos do art. 58º, nº 1, al. a) do CSC porque foi tomada: i) com o voto único do sócio AM…, detentor de 78% do capital social, em violação do seu impedimento de voto por, nos termos do art. 251º, nº 3 do CSC, encontrar-se em situação de conflito de interesses com a sociedade, o que desde logo fundamenta a imediata suspensão da deliberação; ii) em violação das finalidades societárias em prol dos interesses pessoais daquele sócio, porque as prestações suplementares representam um reforço do capital próprio da requerida que foi assumido pelo sócio AM… e a eliminação da cláusula que prevê a obrigação a cargo deste sócio equivaleria a uma exoneração unilateral dessa obrigação e a uma redução injustificada de capital próprio da requerida num valor de até €10M, que alega consubstanciar abuso de direito do porque tomada com a consciência de que bastaria o seu voto para a aprovar, e com violação do direito dos restantes sócios que vêm defraudadas as legítimas expectativas relativamente ao pacto social que contrataram nos termos acordados, sendo por isso anulável também nos termos do art. 58º, nº 1, al. b) do Código das Sociedades Comerciais (CSC), o que por si só justifica a imediata suspensão da deliberação. Mais alega que as prestações suplementares são essenciais para a sobrevivência da requerida porque encontra-se encerrada, sem receitas e sem perspetiva de as gerar, e tem um encargo mensal de € 48.000,00 referente a financiamento de € 7M, pelo que existe o risco iminente e sério de a requerida incumprir as suas obrigações que, no limite, poderá conduzir à sua insolvência técnica e à perda do seu único ativo (o hotel …).
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
2. Ordenada e cumprida a citação, a requerida deduziu oposição requerendo a) a declaração da inutilidade superveniente da lide pugnando pelo indeferimento da providência ou, assim não se entendendo, a improcedência da providência cautelar. Em síntese, invocou: a) a inutilidade superveniente da lide com fundamento legal no art. 59º, nº 2 do CSC e na caducidade do direito de ação de anulação da deliberação de 22.12.2021, que até 21.02.2022 não foi instaurada; b) ausência de ilegalidade da deliberação por i) não se verificar impedimento de voto do sócio maioritário porque, da mera previsão das prestações suplementares nos Estatutos, não resulta qualquer expectativa frustrada dos interesses da requerida ou do requerente na medida em que a aprovação dessa chamada de capital continua dependente da vontade da assembleia geral, na qual o sócio AM... é maioritário, sócio que sempre se mostrou diligente perante a requerida e os seus fins conforme o demonstram os suprimentos que nos últimos 5 anos prestou à requerida no montante total de € 3.096.900,00, e a prestação suplementar no valor de € 6.590.000,00 que a seu cargo aprovou em assembleia geral de 02.06.2016, do que decorre o seu racional interesse que a requerida prossiga a sua atividade para gerar meios necessários ao reembolso dos empréstimos feitos; e ii) porque a deliberação foi tomada com a maioria legalmente exigível, de 2/3 dos votos correspondentes ao capital social, e não é abusiva só pelo facto de ter sido votada pelo sócio maioritário, e da deliberação não decorre a perda do direito da sociedade às prestações suplementares na medida em que se o sócio maioritário não as quiser prestar poderia sempre votar desfavoravelmente nas assembleias em que aquelas fossem a deliberação pelo que, ainda que a cláusula objeto da deliberada eliminação se mantivesse nos estatutos, tanto não garantiria financiamento correspondente porque este dependeria da deliberação maioritária que o aprovasse, deliberação que não existe nem existirá sem o acordo do acionista maioritário, não demonstrando o requerente como ultrapassaria a votação maioritária da assembleia geral necessária à operacionalização da exigibilidade das prestações ao sócio que detém a maioria de 2/3 do capital social e que não quer estar vinculado às mesmas; c) e a ausência de dano apreciável iminente, quer porque a requerida não tem quaisquer incumprimentos perante os seus credores e tem um crédito de € 5M sobre sociedade administrada pelo requerente, quer porque o requerente não apresenta argumentos que sustentem o perigo sério e real de possível incumprimento da prestação mensal de € 48.000,00, nem o nexo de causalidade entre este e a deliberada alteração aos estatutos, questão que co-envolve matéria de facto e matéria de direito, sendo que o requerente não concretizou os supostos danos.
Arrolou testemunhas e juntou documentos.
3. O requerente invocou o art. 3º, nº 3 do Código de Processo Civil (CPC) e respondeu ao pedido de declaração da inutilidade superveniente da lide alegando que a deliberação objeto da providência requerida também é nula nos termos do art. 56º, nº 1, al. d) do CSC por violar norma imperativa estabelecida pelo art. 212º, nº 3 do CSC, sendo que a nulidade é de conhecimento oficioso e invocável a qualquer momento, e não apenas no prazo de 30 dias.
4. Sobre o pedido cautelar recaiu a seguinte decisão:
“Pelo exposto, indefiro liminarmente o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberação social porquanto não se encontram, e independentemente da prova que pudesse vir a ser produzida nos autos, reunidos os requisitos para a sua admissibilidade, nomeadamente, o dano apreciável.”
5. Inconformado o requerente interpôs o presente recurso. Requereu a revogação do despacho recorrido e a sua substituição por acórdão que julgue a providência procedente e determine a suspensão da deliberação social ou, subsidiariamente, que determine a baixa dos autos para prosseguimento normal do procedimento cautelar. Formulou as seguintes conclusões:
i. Do erro da decisão do Tribunal a quo, ao considerar “não estar preenchido o requisito do dano apreciável”.
A. No dia 3 de janeiro de 2021, o Recorrente instaurou o presente procedimento cautelar, alegando, resumidamente, que a deliberação social adotada pela Recorrida no dia 22 de dezembro de 2021, e que aprovou a eliminação do n.º 2 do artigo 5.º do Contrato de Sociedade, constitui uma deliberação contrária à lei, e suscetível de causar dano apreciável à sociedade, nos termos do artigo 380.º do CPC. Por esse motivo, o ora Recorrente peticionou a suspensão da execução dessa deliberação social.
B. O n.º 2 do artigo 5.º do Contrato de Sociedade da Recorrida dispõe o seguinte: “Poderão ser exigidas apenas ao sócio AM… prestações suplementares de capital, até ao montante de € 10.000.000,00 (dez milhões de Euros), sendo este sócio responsável pela totalidade das prestações suplementares exigidas, nos termos e condições que forem aprovados pela assembleia geral”.
C. No dia 15 de março de 2022, o Tribunal a quo proferiu despacho através do qual indeferiu liminarmente a providência cautelar requerida, considerando “não estar preenchido o requisito do dano apreciável decorrente da execução das deliberações”. O Recorrente discorda desta decisão, bem como da fundamentação que lhe serve de respaldo, e por isso apresenta o presente recurso.
D. Conforme dispõe o n.º 1 do artigo 380.º do CPC, “Se alguma associação ou sociedade, seja qual for a sua espécie, tomar deliberações contrárias à lei, aos estatutos ou ao contrato, qualquer sócio pode requerer, no prazo de 10 dias, que a execução dessas deliberações seja suspensa, justificando a qualidade de sócio e mostrando que essa execução pode causar dano apreciável.”
E. A deliberação cuja execução se requereu fosse suspensa consubstanciou uma desobrigação do sócio AM..., ao qual a sociedade deixou de poder exigir a realização de prestações suplementares.
F. Aquando da celebração do Contrato de Sociedade da Recorrida, o sócio AM... vinculou-se, nos termos do artigo 210.º do Código das Sociedades Comerciais, à realização de prestações suplementares, se e quando estas fossem exigidas pela sociedade Recorrida.
G. Até ao dia 22 de dezembro de 2021, a Recorrida era titular de um direito potestativo que lhe permitia, mediante uma simples deliberação, obter financiamento até um valor limite de dez milhões de euros – montante esse que constituiria capital vinculado e responsável pelas dívidas sociais (n.º 3 do artigo 213.º do CSC), e que não venceria juros (n.º 5 do artigo 210.º do CSC).
H. Através da deliberação de 22 de dezembro de 2021, que é nula, nos termos conjugados do n.º 3 do artigo 212.º e do n.º 1 do artigo 56.º do CSC, a Recorrida viu ser-lhe retirado esse direito potestativo, que lhe dava acesso a dez milhões de euros em capital social.
I. A perda deste direito potestativo, que é, por si só, um inegável dano patrimonial para a Recorrida, constituindo um dano especialmente gravoso dada a sua precária situação financeira, que já foi descrita – e que não poderá deixar de ser considerado um dano apreciável, nos termos e para os efeitos do artigo 380.º do CPC.
J. Até ao dia 22 de dezembro de 2021, e apesar, por um lado, da sua absoluta falta de receitas, e, por outro, do montante avultado das suas dívidas, a sociedade Recorrida dispunha de um meio simples de financiamento, que se encontrava previsto no seu Pacto Social. Mas a partir desse dia, a sociedade Recorrida vê-se financeiramente a descoberto,
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