Acórdão nº 101/17.6SULSB.L1-3 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-05-18

Ano2022
Número Acordão101/17.6SULSB.L1-3
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam em conferência, os Juízes que integram a 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
Por sentença proferida em 14 de Dezembro de 2021, no processo comum singular nº 101/17.6SULSB, foi decidido:
A) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art. 347° n°1 e 2 do Código Penal (NUIPC101/17.6SULSB) na pena de 2 (dois) anos de prisão.
B) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção p. e p. pelo art.347° n°2 do Código Penal (NUIPC36/19.8SULSB) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
C) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido EV_______ na pena única de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão.
O arguido interpôs recurso da sentença, tendo para o efeito, formulado as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto da douta sentença ora recorrida, por via do qual o tri6unal decidiu pela condenação do ora recorrente, EV_______ Vaz, nas seguintes penas:
A) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção sobre funcionário p. e p. pelo art.3 47° n°1 e 2 do Código Penal (NUIPC101/17.6SULSB) na pena de 2 (dois) anos de prisão.
B) Condenar o arguido EV_______ pela prática de um crime de resistência e coacção p. e p. pelo art. 347° n° 2 do Código Penal (NUIPC36/19.8SULSB) na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
C) Em cúmulo jurídico, condenar o arguido EV_______ na pena única de 3 (três) anos e 1 (um) mês de prisão.
2. Entendemos que resulta claro do texto da decisão recorrida, sem sequer ser necessário o recurso a qualquer elemento externo à mesma, que os factos apurados são insuficientes para se decidir pelo preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime pelo qual o recorrente foi condenado.
3. Temos por verificado que de leitura atenta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, resulta objectivamente que os factos dados por provados, são insuficientes para condenar o arguido.
4. E que, por conseguinte, se tem por verificado no acórdão recorrido o vício constante do artigo 410° n°2 alínea a) do Código de Processo Penal, o que vem a defesa prontamente invocar para os devidos e legais efeitos.
5. No que tange a prova produzida e essencial para a formação da convicção do tribunal, a defesa entende que se verificam pontos concretos da matéria de facto foram incorrectamente julgados e que tais provas impõem decisão diversa da decisão recorrida.
6. Ao Arguido não lhe foi dada oportunidade para prestar declarações. Acrescenta-se a este propósito que o tribunal estriba a sua condenação porque “O arguido não confessou os factos em causa nos autos, não demostrando assim censura pelo comportamento praticado.”
7. E por força desta conclusão, o tribunal afirma “Não se afigura, assim, possível fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, pelo que não se suspende a pena de prisão em que o arguido é condenado”.
8. O Arguido ora recorrente, não falou porque não lhe foi permitido. De facto,
9. No inicio do julgamento, o Arguido remeteu-se ao silêncio afirmando que ” por ora, não iria prestar declarações”. Por referência ao registo da gravação do depoimento efectuado pela Ofendida, o qual foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso naquele Tribunal, consignando-se que o seu início ocorreu pelas 15 horas, 16 minutos e 43 segundos e o seu termo pelas 15 horas, 57 minutos e 31 segundos, conforme acta de dia 05.05.2021).
10. Na segunda sessão de julgamento, o Arguido encontrava-se no hospital prisão de Caxias, internado com Covid-19.
11. Apesar da sua ausência, o tribunal entendeu prosseguir com a diligência, por a sua presença não se afigurar necessária.
12. Terminada a inquirição das testemunhas e confrontado com a pergunta da Defesa no sentido de se marcar mais uma sessão para ouvir o Arguido, o tribunal recusou tal pretensão.
13. Entendeu olvidar o estatuído no art. 361° n° 1 do CPP, porque, pasme-se, o Arguido não havia prestado declarações até então
14. Ora, tal, viola os mais elementares princípios do contraditório a que este e qualquer arguido tem direito, violando desse modo de forma grosseira, os artigos 61º n° 1, alíneas a) e 6), 343º n° 1 e 361º n° 1, todos do CPP e art. 32°, n° 5 da CRP.
15. Além do já exposto, decorre da sentença recorrida que o Tribunal a quo, na apreciação da prova que lhe foi submetida julgar, lançou mão do Principio da Livre Apreciação da Prova plasmado no Artigo 127.° do Código de Processo Penal. Contudo, é inconstitucional a norma do Artigo 127.° do Código de Processo Penal, na dimensão normativa com que foi aplicada na motivação do Sentença Recorrida, segundo a qual a livre convicção do julgador é suficiente para, sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência em concreto, adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, violando, consequentemente, o Tribunal a quo, com a Decisão que proferiu o Princípio da Normalidade na utilização da prova indirecta.
16. A Sentença Recorrida afirmando fixados, por presunção natural, factos que nem estão indiciados por quaisquer factos base, nem decorrem, por raciocínio Código, da aplicação aos factos base de quaisquer regras de experiência, importa uma dimensão materialmente inconstitucional do Artigo 127.° do Código de Processo Penal, sobretudo, como nestes Autos, quando interpretado no sentido de que a Livre Convicção do Julgador é suficiente para - sem prova directa, sem indicação de factos base e sem indicação de regras de experiência ou de ciência - adquirir por dedução, ou presunção natural a prova de factos em julgamento, sem fazer apelo ao peso específico das presunções, que devem ser «graves, precisas e concordantes ”.
17. Por conseguinte, é inconstitucional a norma inserta no Artigo 127.° do Código de Processo Penal na dimensão normativa com que foi aplicada no acórdão recorrido pelo Tribunal a quo por afronta directa ao que se encontra constitucionalmente consagrado no texto e princípios da Constituição da República Portuguesa.
Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Venerandos Desembargadores da Relação de Lis6oa, deve o presente recurso do Recorrente EV_______ e em consequência, serem declaradas as nulidades da sentença recorrida que e suscitam e remetido o Processo para Novo Julgamento.
Admitido o recurso, o Mº. Pº. apresentou resposta, na qual concluiu:
1a O presente recurso vem interposto da douta sentença proferida e depositada a 14/12/21, que condenou o arguido pela prática de dois crimes de resistência e coação sobre funcionário p. e p. pelos artigos 347° n°1 e 2 na pena única de três anos e um mês de prisão.
2a Tendo em conta o âmbito do recurso fixado pelas conclusões apresentadas, pretende o recorrente que a douta sentença padece de insuficiência da matéria de facto provada e de erro de julgamento por violação de critérios de razoabilidade e senso comum, afirmando-se a nulidade da sentença.
3a Relativamente à alegada insuficiência da matéria de facto provada, não se verifica qualquer lacuna, deficiência ou omissão na investigação por parte da Mma. Juiz a quo da matéria de facto sujeita à sua apreciação, uma vez que a mesma, em cumprimento do disposto no artigo 374.° n.° 2 do CPP, se pronunciou sobre a totalidade do objeto dos presentes autos, delimitado pela acusação, contestação e pelos factos resultantes da prova produzida em audiência, conforme resulta do disposto no artigo 339.° n.° 4 do mesmo Código.
4a No âmbito das conclusões do recurso, o recorrente pretende ter sido violado o disposto no artigo 127° do Cód. de Processo Penal, afirmando-se ainda a inconstitucionalidade daquela norma legal quando interpretada no sentido de que a convicção do julgador é suficiente para, sem prova direta, adquirir por presunção natural a prova de factos em julgamento.
5a Desde logo, nem sequer se compreende a argumentação do recorrente quanto à dimensão normativa que pretende inconstitucional, dado que é exatamente a prova por presunção natural que decorre da consagração legal do princípio da livre apreciação no artigo 127° do Cód. de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.° 1938/12.8PSLSB.L1-9, datado de 14-05-2015 e Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, datado de 03-06-2015, proferido no processo n.° 12/14.7GBSRT.C1, ambos disponíveis em dgsi.pt).
6a Finalmente, cumpre salientar que a livre apreciação da prova não se confunde com apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova. A prova livre tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica.
7a Na verdade, a convicção do tribunal é formada, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, também pela análise conjugada das declarações e depoimentos, em função das razões de ciência, das certezas e ainda das lacunas, contradições, hesitações, inflexões de voz, (im)parcialidade, serenidade, coerência do raciocínio e de atitude, serenidade e sentido de responsabilidade manifestados, coincidências e inverosimilhanças que, porventura, transpareçam em audiência, das mesmas declarações e depoimentos. Trata-se de um acervo de informação não verbal, rica, imprescindível para a valoração da prova produzida e apreciada segundo as regras da experiência comum e lógica do homem médio suposto pela ordem jurídica (neste sentido, Tribunal da Relação de Lisboa, em douto Acórdão datado de 20/02/2019, no processo n.° 147/17.4ZFLSB.L1-).
8a Nesta perspetiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT