Acórdão nº 1004/22.8T9AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-11-09

Ano2022
Número Acordão1004/22.8T9AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 1004/22.8T9AVR.P1
1ª secção

Acordam, em conferência, na 1ª secção do Tribunal da Relação do Porto

I - RELATÓRIO
Nos autos de recurso de contraordenação que correm termos no Juízo de Competência Genérica de Vagos, Comarca de Aveiro, com o nº 1004/22.8T9AVR, foi proferida decisão em 30.05.2022 que julgou:
- improcedentes as invocadas nulidades por violação do direito de audição e de defesa e por falta de fundamentação da decisão recorrida;
- declarou a nulidade da decisão administrativa recorrida por falta de descrição dos factos subjetivos da infração e determinou o arquivamento dos autos.
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para este Tribunal da Relação do Porto extraindo das respetivas motivações as seguintes conclusões:
1. Por decisão administrativa proferida a 26/01/2022 pela Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (doravante, C.C.D.R.C.), a sociedade arguida “B... Lda.” foi condenada numa coima de 24.000,00€, pela prática, a título negligente, da contraordenação prevista no artigo 20.º, n.º 1, al. d), do DL 166/2008, de 22.08, consubstanciada na realização de escavações em área incluída na “REN”.
2. Impugnada aquela decisão pela sociedade arguida, o Tribunal a quo proferiu a 30/05/2022 sentença onde, além do mais, declarou a nulidade da decisão administrativa recorrida, por falta de descrição dos concretos factos subjetivos da infração imputada à arguida “B... Lda.” e, consequentemente, determinou o oportuno arquivamento dos autos.
3. É desta decisão que versa o presente recurso, não se concordando com a declaração de nulidade, bem como entendendo-se que, mesmo que assim fosse considerado, a consequência não poderia ser o arquivamento do processo, mas sim o reenvio à autoridade administrativa.
4. Sobre o elemento subjetivo do tipo de contraordenação praticado pela sociedade arguida, na decisão administrativa deu-se como provado o ponto 4, fazendo-se constar “A arguida agiu com negligência, pois, sendo proprietária do terreno em causa, é-lhe exigível que tenha perfeito conhecimento das condicionantes de ordem legal que a oneram”.
5. É pacífico em sede jurisprudencial que, embora devendo respeitar os requisitos previstos no artigo 58º do RGCO, a decisão proferida pela autoridade administrativa não é uma sentença formulada em processo penal.
6. Entendemos que a sentença judicial recorrida foi demasiado exigente no que concerne à formulação dos factos que consubstanciam o elemento subjetivo.
7. Não é exigível qualquer descrição factual pormenorizada, extensa ou demasiado, mas apenas uma fundamentação que contenha as razões, de facto e de direito, que levaram à condenação, de forma a permitir ao arguido um juízo de oportunidade ou conveniência quanto à impugnação judicial da decisão condenatória e, posteriormente, caso haja essa impugnação, possibilitar ao tribunal que a vai apreciar conhecer o iter lógico e racional de formação da decisão administrativa.
8. Mesmo que se considerasse existir a nulidade declarada pelo Tribunal a quo, entendemos que a consequência não seria o arquivamento dos autos.
9. Seguindo o regime contraordenacional a tramitação do processo penal não se alcança qual o motivo para que, verificada uma nulidade por ausência de requisitos previstos no artigo 58º do R.G.C.O., a consequência não seja a aplicação das regras semelhantes à nulidade de sentença no processo penal, tal como previstas nos artigos 379º, n.º 2 e 414º, n.º 4 do Código de Processo Penal.
10. Em consequência, ao declarar a nulidade da decisão administrativa, o tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 32.º, 41.º, n.º 1 e 58.º do R.G.C.O. e ainda o disposto nos artigos 374.º, n.º 2 e 3 e 379.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 15.º do Código Penal.
11. Acresce que ao determinar o arquivamento dos autos, a sentença a quo violou o disposto no artigo 64.º, n.º 3, do RGCO e, ainda, o disposto nos artigos 379.º, n.º 1, al. a), n.º 2 e 414.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, aplicáveis por força do artigo 41.º, n.º 1, do RGCO.»
*
Na 1ª instância a arguida B... Lda. respondeu às motivações de recurso, concluindo que lhe deve ser negado provimento.
*
Neste Tribunal da Relação do Porto, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
*
Cumprido o disposto no artº 417º nº 2 do C.P.Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
*
Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
*
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
A decisão sob recurso é do seguinte teor: [transcrição]
«I – RELATÓRIO
A “Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro” (doravante “CCDRC”) aplicou à arguida “B... Lda.”, com sede na Rua ..., ..., ... ..., a coima de 24.000 € (vinte e quatro mil euros), pela prática da contra-ordenação prevista no artigo 20.º, n.º 1, al. d), do DL 166/2008, de 22.08, traduzida na realização de escavações em área incluída na “REN”, a título negligente.
Não se conformando com a decisão condenatória proferida, a arguida interpôs recurso da mesma, invocando, além do mais, que a decisão recorrida é nula, porquanto:
- foi baseada no teor da informação n.º ..., da Divisão Sub-Regional de Aveiro da CCDRC, da qual não lhe foi dado conhecimento prévio, constando da mesma factos sobre os quais não teve oportunidade de se pronunciar, em violação do seu direito de audição e de defesa, previsto no artigo 50.º do RGCOC;
- é omissa quanto aos elementos que preenchem o tipo objectivo da infracção, não contendo quaisquer factos que permitam concluir que se encontrava a realizar escavações e aterros.
*
Quando da apresentação dos autos a juízo, o Ministério Público declarou não se opor a que fosse proferida decisão por simples despacho.
Recebido o recurso, por se considerar que os autos já reuniam todos os elementos necessários à decisão a proferir, foi determinada a notificação da arguida para, querendo, se opor a que se decidisse nesses termos.
Tendo a arguida declarado expressamente não se opor à prolação de decisão por escrito, passamos a proferi-la.
***
II – SANEAMENTO
O Tribunal é competente.
O Ministério Público possui legitimidade para o procedimento contra-ordenacional.
*
- Da violação do direito de defesa da arguida
(…)
Ante o exposto, impõe-se julgar improcedente a invocada nulidade do procedimento contra-ordenacional por violação do direito de audição e de defesa da arguida.
*
- Da nulidade da decisão administrativa
A arguida sustenta, ainda, que a decisão administrativa é nula por omitir os elementos que preenchem o tipo objectivo da infracção, não contendo quaisquer factos que permitam concluir que se encontrava a realizar escavações e aterros.
Cumpre decidir.
Nos termos do disposto no artigo 58.º, n.º 1, do RGCOC:
«1 - A decisão que aplica a coima ou as sanções acessórias deve conter:
a) A identificação dos arguidos;
b) A descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas;
c) A indicação das normas segundo as quais se pune e a fundamentação da decisão;
d) A coima e as sanções acessórias.»
A inobservância de tais requisitos, maxime, da fundamentação da decisão, acarreta a respectiva nulidade.
No entanto, há que ter presente que o dever de fundamentação da decisão condenatória em processo contraordenacional, proferida pela autoridade administrativa, não assume a exigência expressamente prevista no Código de Processo Penal, para a sentença penal, o que se compreende, dada a natureza menos grave das infracções em causa e das correspondentes sanções. Trata-se, pois, de um dever menos intenso, que se basta com a indicação sumária dos factos cometidos, das provas que os sustentam e dos elementos que foram considerados na decisão proferida, acrescida da mera indicação das normas violadas e das sanções aplicadas.
Com efeito, tal como se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 02.03.2016[1] que acompanhamos:
«Não definindo a lei o âmbito do dever de fundamentação, tendo em conta a natureza do direito contraordenacional, por contraposição ao direito criminal, afastada está desde logo exigência de uma fundamentação com o rigor e exigência que se impõem no art.º 374 n.º 2 do CPP.
Note-se que a decisão administrativa, quando impugnada, converte-se em acusação, passando o processo a assumir uma natureza judicial (art.º 62 n.º 1 do DL 433/82, de 27.10).
Entendemos assim, que basta a justificação das razões pelas quais – atentos os factos descritos, as provas obtidas e as normas violadas (art.º 58 n.º 1 al.ª s b) e c)) – é aplicada determinada sanção ao arguido, em termos tais que a simples leitura da decisão permita que o arguido se aperceba do que lhe é imputado e possa, com base nessa percepção, defender-se em termos adequados - cfr. arestos citados in AcRel de Coimbra, de 6-02-2013, relator Des Jorge Dias.»
No mesmo sentido, lê-se no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 16.02.2016[2] que:
«iii. No âmbito do processo contra-ordenacional, caracterizado por tramitação processual específica, célere e acessível, o dever de fundamentar deve ser proporcional a tais características;
iv. Assim, o determinante é o entendimento e a apreensão pelos destinatários, nomeadamente o arguido, dos motivos ou razões de facto e de direito da decisão;».
In casu, é imputada à arguida a violação do disposto no artigo 20º nº 1 al. d) do DL 166/2008, de 22-08, que dispõe:
«1 - Nas áreas incluídas na REN são interditos os usos e as ações de iniciativa pública ou privada que se traduzam em:
...
d) Escavações e aterros;»
O preenchimento do tipo objetivo do tipo contra-ordenacional em análise exige, assim, que o agente se encontra a praticar actos que consubstanciem uma atividade de escavação ou aterro.
De acordo com o dicionário da língua portuguesa:
. escavar significa: Formar cavidade em; Cavar em roda; Tirar a terra de; Cavar superficialmente; Tornar côncavo ou oco;
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT