Acórdão nº 08/21.2BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-06-29

Ano2022
Número Acordão08/21.2BALSB
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CT)
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
I. Z….., inconformada com a decisão arbitral proferida no processo nº 744/2019-T do CAAD, datada de 9 de dezembro de 2020 que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), julgou parcialmente procedente o pedido de pronuncia arbitral quanto à anulação dos actos tributários de retenção na fonte indevida de IRC, que foram efectuados a título definitivo, sobre juros auferidos de fonte portuguesa no exercício de 2018, no valor global de € 1.555.310,41, vem dela apresentar Recurso para Uniformização de Jurisprudência, para o Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária – RJAT, doravante), na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, por considerar que a referida decisão arbitral recorrida colide com a decisão arbitral proferida no processo nº 535/2019-T do CAAD, – datada de 16 de abril de 2020, a qual transitou em julgado.

II. Por despacho a fls. 796 do SITAF, o Ex.º Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso e ordenou a notificação da recorrida para contra alegar e do Ministério Público para emissão de Parecer.

III. A recorrente, veio apresentar alegações de recurso a fls. 6 a 34 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
A) A decisão arbitral recorrida (Processo 744/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o tribunal arbitral: “a) julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral formulado pela Requerente e, em consequência, anular parcialmente os actos tributários impugnados nos autos na parte em que sujeitaram a tributação o rendimento bruto obtido pelo Requerente em território nacional, e não o seu rendimento líquido, ou seja, deduzido das despesas directamente relacionadas com a sua actividade neste país e
b) condenou a Autoridade Tributária na devolução do imposto indevidamente pago por força dos actos parcialmente anulados, acrescido de juros indemnizatórios nos termos acima determinados”;
B) Nos termos da referida decisão, o Tribunal entendeu que deveria anular parcialmente os atos tributários, na medida em que dos mesmos resulta a tributação do rendimento bruto obtido pela Requerente, em território nacional, e não o seu rendimento líquido, ou seja, deduzido das despesas diretamente relacionadas com a sua atividade neste país;
C) Ao contrário do que decidiu a decisão Arbitral fundamento (Processo n.º 535/2019) na qual o Tribunal Arbitral julgou: “procedente o pedido arbitral e anular os actos tributários de retenção na fonte impugnados, bem como a decisão de indeferimento tácito da reclamação graciosa contra ele deduzida; Condenar a Autoridade Tributaria no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até a data do processamento da respectiva nota de crédito”;
D) Nos termos desta decisão e conforme resulta do Acórdão do TJUE, no âmbito do Processo n.º C-18/15, pode ser exigido ao contribuinte não residente a prova das despesas relacionadas com os rendimentos obtidos no território português, no pressuposto de que essas despesas são dedutíveis em igualdade de circunstâncias com o regime aplicável aos residentes.
E) No entanto, como se reconhece na jurisprudência do STA (de 8 e 22 de março de 2017), esse é um mecanismo que teria de ser criado por via legislativa, de forma a ser acionado perante a administração tributária em termos de permitir a dedução das despesas a posteriori e era ainda inexistente à data dos factos, não competindo aos tribunais a indagação oficiosa, no âmbito do processo jurisdicional, das despesas passíveis de dedução para efeito do apuramento do imposto devido, visto que essa é uma atividade que incumbe primariamente à Administração no exercício da sua função administrativa;
F) Verifica-se uma evidente contradição quanto à mesma questão fundamental de Direito;
G) Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário que:
- As situações de facto sejam substancialmente idênticas;
- Haja identidade na questão fundamental de Direito;
- Se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
- A oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas (cfr., entre outros, o Acórdão do STA, de 3 de junho de 2015, processo 0793/14);
H) As presentes alegações demonstram que, no caso em apreço, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos;
I) Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do STA que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou manifestamente;
J) Entre a Decisão arbitral recorrida e a Decisão Arbitral fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada é a seguinte:
- A parte envolvida é a mesma: a Recorrente;
- No decurso da sua atividade, e em sede do processo de reestruturação do Grupo Z….., a Recorrente adquiriu, no dia 13 de maio de 2016, um portefólio de créditos ao Y….. AG;
- Neste âmbito, a Recorrente passou a auferir juros de fonte portuguesa subjacentes a esse portefólio;
- Sobre os referidos juros, a Recorrente sofreu retenção na fonte, a título definitivo, ao abrigo do regime legal da substituição tributária; - A única diferença dizia respeito aos anos fiscais envolvidos (exercícios de 2016 e 2017 na Decisão Arbitral Fundamento e 2018 na Decisão Arbitral recorrida);
K) No que diz respeito à questão fundamental de Direito, estava em causa em ambos os processos, a decisão sobre se os atos de retenção na fonte se deveriam reputar de ilegais, pela sua desconformidade com o Direito da União Europeia. Em análise pelo Tribunal estava, designadamente, o tratamento diferente dado pelo IRC relativamente aos juros auferidos por entidades residentes ou por entidades não residentes impondo uma carga fiscal mais elevada para as instituições financeiras não residentes;
L) Entende a Recorrente que na senda do que resulta do Acórdão do STA acima mencionado: “encontra-se decisivamente inquinada a quantificação da matéria tributável que suporta os actos de retenção de imposto na fonte. Quantificação que exige a prática de novo acto tributário, sendo impraticável a reforma dos actos impugnados porque o tribunal não pode substituir-se à administração na fixação de outra matéria tributável, sob pena de estar a invadir o núcleo essencial da função administrativa-tributária, substituindo-se à administração na tarefa de determinar e fixar as despesas que as entidades financeiras não-residentes podem deduzir aos rendimentos auferidos em Portugal por forma a tornar a retenção na fonte compatível com o artigo 49º do TCE”;
M) A tributação das entidades residentes sobre os juros líquidos e das entidades não residentes sobre os juros ilíquidos importa um tratamento discriminatório, vedado pelas liberdades de prestação de serviços e de circulação de capitais, previstas nos artigos 56.º e 63.º do TFUE, o qual resulta num vício de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 8.º da CRP;
N) Nos termos de jurisprudência sobre um caso análogo ao da Recorrente, o STA e o TJUE, no âmbito do processo n.º 0298/13 e do processo C-18/15, já se pronunciaram sobre esta temática;
O) O TJUE, no referido processo C-18/15, pronunciou-se no sentido de que a liberdade de prestação de serviços se opõe a uma legislação nacional como a portuguesa, que tributa as instituições financeiras não residentes pelos rendimentos obtidos em Portugal, sem lhes dar a possibilidade de deduzir as despesas profissionais diretamente relacionadas com a atividade em questão, ao passo que essa possibilidade é reconhecida às instituições financeiras residentes;
P) Conforme resulta do Acórdão do STA supramencionado: “a sanção do primado do Direito Comunitário é a inaplicabilidade da norma estadual em questão, pois «todo o juiz nacional, demandado no quadro da sua competência, tem a obrigação de aplicar integralmente o Direito Comunitário e de proteger os direitos que este confere aos particulares, deixando inaplicável toda a disposição eventualmente contrária da lei nacional, seja anterior ou posterior à regra comunitária. (...) e impedir a formação válida de novos atos legislativos nacionais na medida da sua incompatibilidade com o direito comunitário”;
Q) No âmbito deste processo, o STA veio determinar: “ (i) a anulação dos atos de retenção na fonte sofridos pela instituição financeira não residente ao abrigo das disposições do Código do IRC; (ii) a reconstituição da situação jurídica que existiria no caso de não terem sido praticados esses atos, ou seja, a restituição das quantias indevidamente retidas à referida instituição financeira não residente e o correspondente pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 100.º e 43.º da LGT, respetivamente”;
R) Conforme depois é clarificado pelo Acórdão do STA de 22 de março de 2017 (Processo n.º 0165/13): “Não constituindo os tribunais órgãos com competência para a tributação, não podem eles assumir a função de mecanismo ou aparelho primário de indagação oficiosa de eventuais despesas dedutíveis ou a função de recepção e selecção das despesas que as entidades não-residentes queiram apresentar e deduzir de forma a serem tributadas pelo rendimento líquido, sob pena de afronta do núcleo essencial da função administrativa-tributária”;
S) Este Acórdão, salientando a decisão no âmbito do Processo...

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