Acórdão nº 07P3315 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-10-2007
Data de Julgamento | 10 Outubro 2007 |
Case Outcome | REJEITADO O RECURSO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 07P3315 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :
Em P.º comum com intervenção do tribunal colectivo , sob o n.º 1750 /05 .0GBBCL , do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Barcelos, foi submetido a julgamento AA, devidamente identificado nos autos , vindo , a final , a ser condenado na pena de 2 (dois) anos de prisão pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. nos art.ºs. 131º, 132º nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, perpetrado na pessoa do ofendido BB;
- Na pena de 3 (três) anos de prisão pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. nos arts. 131º, 132 nº 1, 22º e 23º, todos do Código Penal, perpetrado na pessoa da ofendida EE.
- Na pena de 4 (quatro) meses de prisão pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previstos e puníveis pelo art. 6º, nº 1 da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, com a alteração introduzida pelo art. 2º, da Lei nº 98/2001, de 25 de Agosto.
- Em cúmulo jurídico de penas, foi-lhe aplicada a pena única de 4 (quatro) anos de prisão.
Mais foi condenado ao pagamento aos Hospitais de S. João e de Santa Maria Maior da soma de 1.932 € e 956, 53 €, respectivamente , acrescendo juros de mora à taxa de 4% , vencidos e vincendos até integral reembolso .
I . O Tribunal da Relação de Guimarães , onde os autos subiram em recurso , agora pela 2.ª vez , mercê de anterior reenvio decretado , confirmou a decisão recorrida , negando provimento aos recursos interpostos pelo M.º P.º e arguido , recorrendo este , desta feita , para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões :
Existe contradição insanável na fundamentação e erro notório na apreciação da prova , devendo o reenvio do processo para novo julgamento.
As penas aplicadas são manifestamente excessivas .
O Colectivo não fundamenta como formou a convicção acerca do motivo e da intenção do arguido ao realizar o aludido disparo .
Além da ausência de fundamentação existe um erro notório na apreciação da prova.
Perante os factos provados em audiência de discussão e julgamento é impossível formar a convicção que é dada como provada no acórdão de que o arguido teve intenção de matar ou representou como possível tal consequência .
O tribunal não respeitou o princípio “ in dubio pro reo “ decidindo na dúvida contra o arguido , violação que deve ser tratada como erro notório na apreciação da prova , quando se extrai do texto da decisão recorrida , impondo-se o reenvio do processo para novo julgamento .
O crime de detenção ilegal de arma é punido com prisão até 2 anos ou 240 dias .
O arguido não é reincidente , devendo o tribunal aplicar uma pena não privativa de liberdade , de multa até 200 dias , à taxa de 5 €, porque as lesões corporais não foram intencionalmente provocadas. .
Não praticou o crime de homicídio na forma tentada .
Uma vez que estamos perante uma tentativa , é de reputar como ajustada uma pena de prisão de “ 1 ano de 8 meses de prisão “ , quanto ao crime praticado na pessoa do ofendido BB e a de 2 anos de prisão quanto ao crime de homicídio simples .
A pena deve fixar-se próximo dos mínimos legais já que :
O arguido não tem antecedentes criminais quanto aos crimes por que vem acusado , revela bom comportamento , é bom pai de família , vive em união de facto com ML , está integrado na sociedade , sendo visto como homem trabalhador , bom amigo , pacífico e pessoa sociável , é voluntário nos Bombeiros Voluntários de Barcelos , os factos foram um incidente na sua pessoa .
Pretende retomar a sua vida , de modo a conseguir pagar as indemnizações aos ofendidos como acordado .
Confessou os factos , mostrou-se arrependido e aceitou reparar os ofendidos .
Os meses de detenção foram censura bastante para salvaguardar os interesses de prevenção geral e especial .
Aconselhado está o aprofundamento das virtualidades do cúmulo jurídico , atenta a personalidade do arguido , pelo que , em cúmulo , se deve aplicar ma pena de prisão não excedente a 3 anos , suspensa n a sua execução , nos termos do art.º 50.º , do CP , devendo a mesma ser subordinada ao pagamento aos ofendidos das indemnizações .
Não se justifica pena de prisão considerando que um dos fins das penas é a ressocialização do agente do crime , sendo a prisão prejudicial a ela.
Foram violados os art.ºs 22.º , 23.º , 50.º , 73.º , 77.º , 131.º e 212.º , do CP ,410.º, 426 e 434.º , do CPP .
II . Os Exm.ºs Procuradores Gerais –Adjuntos na Relação e neste STJ emitiram parecer no sentido da rejeição do recurso seja por ausência de motivação , por virtude de o arguido se limitar nas conclusões a repetir “ ipsis verbis “ a argumentação antes endereçada à Relação , além de que , também , não merece provimento , sendo de julgar manifestamente improcedente .
III . Da matéria de facto provada pelo colectiva resulta o seguinte acervo factual :
1. Na noite de 17 de Novembro de 2005, cerca das 01.30 horas, o arguido AA conhecido por “Merendas”, juntamente com CC, após terem consumido, cada um deles, cinco ou seis cervejas, dirigiram-se ao estabelecimento de alterne conhecido por “...”, sito no lugar do Queimado, freguesia de Vila Frescaínha, Barcelos;
2. O referido estabelecimento situa-se no interior de uma propriedade, a qual é vedada por todos os lados com um muro de altura que varia entre 2,50m e 3m, construído em blocos de cimento e é servido, pela parte da frente, por um portão de correr, eléctrico, com mais de 2,50 metros de altura e iluminado na parte exterior por um projector;
3. Frente ao estabelecimento, após a transposição do referido portão, existe um parque de estacionamento, em terra batida, local onde os clientes estacionam os respectivos veículos;
4. Nesse local, o acesso ao estabelecimento é feito através de um átrio exterior que desemboca num portão em ferro revestido de chapas metálicas, o qual por sua vez dá acesso a um “hall” interior e faz ligação, por intermédio de uma porta, a um salão que serve de bar, com mesas e sofás;
5. Nas circunstâncias de tempo e lugar descritas em 1. o arguido e o CC deslocaram-se num veículo automóvel ligeiro de passageiros, de marca e modelo “Seat–Ibiza”, de matrícula nº 00-00-HB, propriedade do arguido e por ele conduzido, o qual estacionou no local referido em 3.;
6. No porta bagagens do referido veículo o arguido transportava uma arma caçadeira, semi-automática, de cinco tiros, com um cano calibre 12, com os dizeres “Benelli Armi – Urbino”, “Made in Italy” e “Super 90”, com o número de série M000000 e um número não concretamente apurado de cartuchos do mesmo calibre;
7. Para além da arma referida em 6., o arguido detinha na sua posse, num dos bolsos das suas calças, uma arma de características não apuradas de calibre 6,35 mm;
8. Logo que chegaram ao referido estabelecimento pediram, cada um deles, uma cerveja preta a DD, proprietária do estabelecimento e que se encontrava ao balcão;
9. Após terem ingerido as referidas cervejas o arguido e o CC dirigiram-se ao balcão e solicitaram à DD que lhes servisse mais duas cervejas pretas, tendo esta lhes respondido que não tinha mais cervejas pretas, servindo-lhes duas cervejas brancas;
10. O arguido arremessou a sua cerveja para o interior do balcão fazendo com que a garrafa se partisse;
11. Nesse instante, a DD disse: “Já vais começar a brigar”.
12. Acto contínuo, o arguido retirou do bolso a arma referida em 7. e exibiu a mesma à DD, ao mesmo tempo que proferia a seguinte expressão: “Para ti está aqui”, tendo pousado a mesma em cima do balcão;
13. De imediato, sem que nada o fizesse prever, o arguido pegou de novo na arma, efectuando dois disparos, direccionando um para o lado direito e outro para o lado esquerdo do local onde se situava DD atingindo a parede por detrás desta;
14. Em seguida o arguido abriu a porta do estabelecimento e saiu para o exterior;
15. O CC permaneceu no interior do referido estabelecimento tendo-se envolvido em confrontos físicos com BB;
16. Após a referida confrontação física, o CC saiu para o exterior do estabelecimento e gritou para o arguido: “Dá-lhe agora, arrebenta com tudo”;
17. O arguido, que entretanto fora buscar ao seu veículo automóvel a arma caçadeira referida em 6., efectuou cinco disparos com aquela arma e, em seguida, dois disparos com a arma referida em 7., em direcção ao portão de acesso ao estabelecimento, encontrando-se a cerca de um metro de distância deste;
18. Apesar de ouvir gritos no interior do estabelecimento, e de saber que no hall de entrada e por detrás do respectivo portão de acesso se encontravam outras pessoas, designadamente, a assistente EE e o ofendido BB, por os ter avistado aquando da saída do CC, o arguido carregou de novo a caçadeira, por mais duas vezes, com igual número de cartuchos e disparou na mesma direcção e à distância referida em 17., à altura da fechadura do portão, a qual se situa a cerca de um metro do solo e, portanto, em local susceptível de coincidir com zonas vitais do corpo humano;
19. Na sequência dos disparos o arguido atingiu BB no braço esquerdo e zona da cintura do mesmo lado e EE em diferentes partes do corpo, sobretudo na zona abdominal;
20. BB e EE foram transportados aos serviços de urgência do Hospital de Santa Maria Maior, em Barcelos, onde foram atendidos, respectivamente, pelas 3h e 46 m e 3h e 53m;
21. BB apresentava lesões perfurantes do membro superior esquerdo;
22. Keli da Silva apresentava traumatismo na região lombar e abdómen, múltiplas lesões compatíveis com orifícios de entrada de projéctil de arma de fogo a nível do quadrante inferior direito, região inguinal direita e lesões escoriativas superficiais toraco-lombares, tendo sido transferida para os serviços de urgência do hospital de S. João, no Porto, por apresentar perigo de vida;
23. Nessa unidade hospitalar foi submetida a intervenção cirúrgica e aí permaneceu internada até ao dia 21.11.05;
24. Como...
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