Acórdão nº 0770/12.3BESNT-S1 de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2022-09-21

Ano2022
Número Acordão0770/12.3BESNT-S1
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Processo n.º 770/12.3BESNT-S1 (Recurso Jurisdicional - Reclamação para a Conferência)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

“A…………, S.A.”, devidamente identificada nos autos, notificada da Decisão Sumária de 13-06-2022, que negou provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo o despacho judicial recorrido, veio apresentar Reclamação para a Conferência nos termos dos artigos 615º, 652º, nº 3 e 666º nº 1, todos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 2º alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), tal como consta de fls. 114-123, concluindo no sentido da presente reclamação ser julgada procedente e, em consequência, ser declarada nula a Decisão Sumária agora proferida e ser proferida uma outra decisão que julgue procedente o recurso apresentado pela ora Recorrente, tudo com as demais consequências legais.

Nesta medida, cumpre analisar a presente reclamação para a conferência, ao abrigo do art. 652º nº 3 do C. Proc. Civil “ex vi” art. 2º, al. e), do CPPT, considerando que a Reclamante alude aos seguintes elementos:

- O entendimento plasmado na Decisão Sumária agora proferida encerra uma contradição entre os seus fundamentos e a decisão final ou, no mínimo, uma ambiguidade, pois que parece-nos que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator compreendeu a intenção do legislador, ao estabelecer o regime normativo do artigo 183.º-A do CPPT, embora não concorde com a mesma e considere até que é susceptível de gerar injustiças e desigualdades, ou seja, o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator esclareceu qual seria, no seu entendimento, vontade do legislador, no momento em que este consagrou a possibilidade de caducidade de garantias pelo decurso do prazo de 4 anos, sem que seja obtida uma decisão judicial, mas, com todo o respeito, não exerceu qualquer juízo crítico quanto à mesma, nomeadamente, quanto ao facto de, aparentemente, o legislador ter querido restringir esta possibilidade, para não lhe chamar já de benefício, aos processos iniciados apenas após 27/02/2021.

- Mas, mais importante ainda, apesar de deixar transparecer que esta alteração de paradigma acaba por frustrar as expectativas, pelo menos a partir do momento em que o artigo 183.º-A do CPPT viu a luz do dia, dos contribuintes/sujeitos passivos que tenham processos pendentes de decisão há vários anos (mais de 4), e que é revelador de injustiças, só mitigadas através do mecanismo vertido no artigo 53.º da LGT ou no artigo 171.º do CPPT, acaba por decidir “em favor” dessa vontade do legislador, aceitando tacitamente que se trata, na verdade, de uma situação manifestamente injusta e penalizadora de alguns contribuintes/sujeitos passivos e que, para além do mais, nem sequer resolve o problema das pendências judiciais, o que implica que a conclusão do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator é essa: a de que, apesar dessa possível injustiça, o prazo de caducidade de 4 anos previsto no artigo 183.º-A do CPPT aplica-se a todos os processos (pendentes de decisão ou não), mas apenas se poderá computar a partir da data de entrada em vigor da Lei que aditou essa norma - 27/02/2021 e no entendimento da Recorrente, para além da interpretação das normas à luz do seu elemento teleológico - que não se coloca em causa que seja essencial -, é também fundamental aferir se a aplicação dessas mesmas normas, no caso concreto ou em abstracto, poderá ou não colidir com alguma outra norma ou princípio legal, nomeadamente, de natureza constitucional.

- O Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator considera que o legislador entende que os contribuintes/sujeitos passivos com processos pendentes há mais de 4 anos não teriam uma legítima expectativa, em ver as suas garantias caducadas ao fim de 4, 5, 10 ou 15 anos, e que por isso apenas previu a contagem do prazo para o futuro e, de qualquer das formas, a reparação de eventuais injustiças far-se-á através do mecanismo previsto no artigo 53.º da LGT, podendo estes últimos requerer o pagamento de uma indemnização, isto é, admite a injustiça da situação e a sua potencial capacidade de gerar desigualdades entre contribuintes, mas decide em favor da aplicação, injusta e desigual, da norma prevista no artigo 183.º-A do CPPT, apenas a partir de 27/02/2021.

- A Recorrente considera que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, por força das regras que regem o exercício da função jurisdicional e o poder de administrar a justiça, tal como prevê o artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), mas também dos seus inerentes poderes de cognição, tal como vertido no n.º 3 do artigo 5.º do CPPT, tinha a obrigação de decidir segundo o princípio da legalidade, em primeiro lugar, tal como é imposto pelo artigo 3.º da CRP e, para além disso, analisar a aplicação do artigo 183.º-A do CPPT à luz do princípio da justiça e do princípio da igualdade, corolários do Estado de Direito e que vinculam todos os órgãos públicos, como resulta dos artigos 2.º e 266.º, n.º 2, da CRP.

- Em primeiro lugar, não foi fixada qualquer regra especial de aplicação da lei no tempo pela Lei n.º 7/2021 de 26/02/2021, contrariamente ao que sucedeu aquando da entrada em vigor deste regime pela primeira vez no CPPT, em 05/06/2001 (cfr. artigo 11.º da Lei 15/2001), no qual foi estabelecido o seguinte sob a epígrafe “Regime de transição”: “Relativamente a processos pendentes, os prazos definidos no artigo 183.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário e no n.º 5 do artigo 45.º da lei geral tributária são contados a partir da entrada em vigor da presente lei” e se o legislador actual (da n.º Lei 7/2021), na reintrodução do regime da caducidade das garantias em casos de impugnação judicial, quisesse que os efeitos fossem aqueles que quis o legislador da Lei n.º 15/2001, teria introduzido idêntica norma de direito transitório. Não o tendo feito, pois de acordo com a ratio da norma a intenção não era de fazer os contribuintes esperarem mais quatro anos para levantarem as garantias há muito prestadas, conformou-se com a aplicação das normas sobre aplicação no tempo previstas no artigo 12.º da LGT.

- E não se pode também concordar com o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator, quando sugere que o contribuinte é ressarcido de todos esses danos, em caso de vencimento da ação de impugnação, através do pagamento da indemnização dos encargos com a garantia bancária, pois, mesmo em caso de deferimento da impugnação judicial e de pagamento dos encargos suportados com a garantia, durante o período em que a garantia bancária é mantida, o contribuinte vê reduzida, pelo menos no exato montante da garantia, a sua capacidade de endividamento/financiamento junto das instituições financeiras, o que deve ser considerado como um dano adicional causado pelo atraso no levantamento da garantia, até porque, quando esse ressarcimento acontecer, poderão ser incertas ou desconhecidos os danos já causados pela manutenção de uma garantia durante tantos anos.

- Quanto à violação do princípio da igualdade, que esta decisão sumária também encerra, diremos que a verdade é que a Recorrente também se encontra numa posição desprivilegiada, de assunção de encargos suportados com vista à manutenção da garantia prestada, ao longo de quase uma década, pois, como se viu, prestou garantia no processo ainda no ano de 2012, sem que até aos dias de hoje, tenha obtido qualquer decisão relativa ao processo em que prestou a dita garantia - circunstância que, sim, configura uma desigualdade profunda entre as partes objecto do litígio, pois a Autoridade Tributária tem há largos anos, ao seu dispor e a coberto do seu poder de autoridade, uma garantia que lhe permite cobrar coercivamente a dívida, sendo que a tal componente garantística a que se refere o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator faz sentido, sim, mas na perspetiva de que esta norma visa, ou deveria visar, combater as assimetrias das partes em litígio, esbatendo dessa forma os ónus a que se veem sujeitos os contribuintes, bem como, e acima de qualquer outro argumento que se possa elencar, uma razão de ser com uma génese sancionatória fruto da morosidade dos Tribunais e, em consequência, garantística na ótica dos contribuintes.

- Assim e em suma, considera a Recorrente que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator proferiu uma Decisão Sumária que encerra uma manifesta contradição entre os seus fundamentos (isto é, os motivos que o Tribunal encontrou para justificar a aplicação da norma vertida no artigo 183.º-A do CPPT) e a decisão propriamente dita, pois parece admitir a violação dos princípios da justiça e da igualdade - que efetivamente se verifica caso a interpretação perpetrada pela AT vingue -, mas não conclui pelo desrespeito desses princípios e, no limite, essa decisão é incongruente, na medida em que o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Relator decide em contradição com a sua própria aparente convicção e com a interpretação que faz das consequências concretas da interpretação da AT (que originam resultados injustos e desiguais), sancionando um entendimento que é, material e substancialmente, inconstitucional, motivos para que a mesma seja declara nula, nos termos conjugados dos artigos 615.º, 652.º, n.º 3 e 666.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, razão pela qual deve a presente Reclamação ser atendida, julgada procedente e, em consequência, ser declarada nula a Decisão Sumária agora proferida e, em sua substituição, ser proferida uma decisão que julgue procedente o recurso apresentado pela ora Recorrente.

Não houve resposta.

Cumpre decidir.


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Como é sabido, o instituto da reclamação para a conferência, previsto no art. 652º nº 3 do C. Proc. Civil (aplicável ao processo judicial tributário “ex vi” do artº.2, al.e), do C.P.P.T.), fundamenta a sua existência no carácter de Tribunal colectivo que...

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