Acórdão nº 0562/18.6BECBR-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão0562/18.6BECBR-A
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (1 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I - RELATÓRIO

1 - AA propôs no TAF de Coimbra a presente acção administrativa especial, contra a FORÇA AÉREA PORTUGUESA, pedindo que seja “ a) anulado o ato do Senhor Chefe de Estado Maior de 14.09.2018 que decidiu que o A. não poderia ser mandado apresentar-se no Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária;” e “ b) condenado o R. a emitir guia de marcha para que o A. possa, em comissão de serviço, apresentar-se no Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária”.

2 - Em 06/10/2020 foi proferida sentença que anulou “o ato do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea de 14/09/2018, que decidiu que o A. não poderia ser mandado apresentar no Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária” e condenou “a R. à prática dos atos necessários, incluindo a emitir guia de marcha, para que o A. possa, em comissão de serviço, apresentar-se no aludido Curso de Formação de Inspetores Estagiários da Polícia Judiciária, tudo com as legais consequências.”

3 - Interposto recurso da sentença pela requerida Força Aérea Portuguesa, o Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento ao mesmo, por acórdão proferido em 30/09/2022.

4 – Deste acórdão do TCAN interpõe a requerida a presente revista, apresentando alegações com as seguintes conclusões:

« A) O presente recurso excecional de revista vem interposto do Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 30.10.2022, que manteve a Sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, de 06.10.2020, e tem por objeto a delimitação da concreta relação existente entre o artigo 146.º, n.º 1, do EMFAR, que faz depender a frequência do curso de formação de inspetor estagiário da Polícia Judiciária por um militar dos QP de decisão do Ministro da Defesa Nacional, e o artigo 126.º, n.º 2, da LOPJ, interpretado à luz do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98, no sentido de a nomeação em comissão de serviço para a frequência do mesmo curso não depender de qualquer decisão do Ministro da Defesa Nacional.
B) Na verdade, o que está em causa no presente recurso de revista é a relação que pode ser estabelecida entre dois regimes jurídico-funcionais especiais e o fundamento para a aplicação prevalente de um deles sobre o outro, tendo presente a interpretação constitucionalmente sufragada de acordo com a qual o quadro normativo dos militares é tendencialmente estanque e ajustado à especificidade da condição militar.
C) Os militares das Forças Armadas, bem como a Polícia Judiciária regem-se por estatutos próprios, que constituem regimes especiais que se aplicam aos respetivos universos, isto é, consagram uma disciplina nova ou diferente para círculos restritos de pessoas.
D) O n.º 2 do artigo 126.º do Decreto-Lei n.º 275-A/2000 (aplicável à data) estabelece a modalidade de provimento no curso de ingresso na carreira do pessoal da Polícia Judiciária, mas não tem – nem pode ter – a virtualidade de definir a situação estatutária do Recorrido na Força Aérea, enquanto militar dos Quadros Permanentes, no ativo!
E) No ramo das Forças Armadas a que pertence, o militar no ativo apenas pode estar numa das situações previstas nos artigos 144.º, 145.º, 146.º ou 147.º do EMFAR, sendo que, no caso concreto, a situação jurídico-funcional do Recorrido na Força Aérea, para efeitos da subsequente frequência do curso de formação na Polícia Judiciária, está subordinada à aplicação do artigo 146.º do EMFAR.
F) O cerne da controvérsia radica, pois, em saber se, atenta a sua condição de militar, um militar dos QP pode, sem necessidade de prévia decisão do Ministro da Defesa Nacional, frequentar, em regime de comissão de serviço, o curso de formação para ingresso na carreira de inspetor estagiário da Polícia Judiciária.
G) Em face do que, é manifesta a relevância jurídica e social da questão em apreciação, que potencialmente afeta não só os militares dos Quadros Permanentes dos 3 ramos das Forças Armadas, como a própria gestão de recursos humanos dos 3 ramos das Forças Armadas e, ainda, setores relevantes da Administração Pública, como a Justiça.
H) Por outro lado, trata-se de uma questão de manifesta relevância e complexidade jurídicas, quer pela importância da matéria que constitui o seu objeto, como pelos distintos regimes jurídicos que são convocados pela questão de direito substantivo e pela imprescindibilidade de articulação de princípios e normas de Direito Público.
I) Razões pelas quais se entende que estão reunidos os pressupostos para admissão do presente recurso de revista, nos termos e ao abrigo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 150.º do CPTA.
J) Decorre expressamente do disposto no n.º 2 do artigo 2.º da LTFP que o regime jurídico-funcional dos militares das Forças Armadas consta de lei especial e não lhes são aplicáveis, para o que aqui interessa, o artigo 9.º (Comissão de serviço), os artigos 92.º a 100.º (Mobilidade) e os artigos 241.º a 244.º (Cedência de interesse público), todos da mesma LTFP.
K) O estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas é definido pela Constituição da República Portuguesa, pela Lei da Defesa Nacional, pela Lei do Serviço Militar, pelas Bases Gerais do Estatuto da Condição Militar, pela Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, pelo Estatuto dos Militares das Forças Armadas e pelo Regulamento da Disciplina Militar.
L) Da mesma forma e também por efeito do expressamente disposto no mesmo n.º 2 do artigo 2.º da LTFP, o regime jurídico-funcional da Polícia Judiciária consta de lei especial, que, à data dos factos, eram a Lei n.º 37/2008 e o Decreto-Lei n.º 275-A/2000 (LOPJ), com as alterações subsequentes.
M) Do que se trata, pois, é da aplicação de dois estatutos jurídicos especiais, que abrangem diferentes categorias de pessoas, são de diferente natureza, cujo regime é determinado em conformidade com as finalidades institucionais respetivas – no concreto caso em apreço são, por um lado, a defesa nacional e, por outro, a prevenção da criminalidade, da investigação criminal e da coadjuvação das autoridades judiciárias – e apenas valem na medida do que seja necessário para assegurar a realização de tais finalidades.
N) Tendo presente o estatuto jurídico especial dos militares das Forças Armadas, tem sido entendimento reiterado do Tribunal Constitucional que, sem embargo de a Administração Pública abranger a administração militar e de o pessoal militar que nesta se integra não deixar de pertencer à Administração Pública, o legislador moldou para os militares um quadro normativo de algum modo fechado, ajustado à especificidade da condição militar, porque a instituição militar é uma «instituição onde a hierarquia e a disciplina assumem, em nome do superior interesse da eficácia e da eficiência da defesa nacional e das Forças Armadas, uma importância sem paralelo na generalidade dos domínios da Administração Pública» (vejam-se, exemplificativamente, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 555/99, 662/99, 229/2012 e 404/2012).
O) O n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR – «os pedidos de militares para desempenho de cargos e exercício de funções fora da estrutura orgânica das Forças Armadas são decididos pelo membro do Governo responsável pela área da defesa nacional, sob proposta do CEM do respetivo ramo» - é, inequivocamente, uma norma especial, própria dos militares das Forças Armadas que visa dar «primazia ao desempenho de cargos e exercício de funções na estrutura das Forças Armadas, incluindo restrições nas situações em que a colocação do militar noutro organismo causa perturbação na gestão das carreiras» (antepenúltimo parágrafo do preâmbulo Decreto-Lei n.º 90/2015, que aprovou o EMFAR).
P) O disposto no n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR é um corolário do estatuto especial dos militares das Forças Armadas que encontra o seu fundamento no princípio da unidade das Forças Armadas refletido no n.º 2 do artigo 275.º da CRP, nas vertentes da coesão, eficácia e disciplina, que se declinam no complexo de normas que são apenas aplicáveis aos militares das Forças Armadas, sendo apenas estas as normas que determinam e conformam o respetivo regime jurídico-funcional (vejam-se os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 229/2012 e 404/2012).
Q) O n.º 2 do artigo 126.º da LOPJ – «Os candidatos que sejam funcionários ou agentes da administração central, regional e local frequentam o curso de formação para ingresso na carreira e o estágio em regime de comissão de serviço extraordinária» - operou a reprodução da regra geral do n.º 1 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98.
R) O n.º 2 do artigo 126.º da LOPJ é uma norma geral e não é a sua reprodução num diploma específico – LOPJ – que faz dela uma norma materialmente especial.
S) E tanto que o n.º 2 do artigo 126.º é uma norma geral, que a Unidade de Recursos Humanos e Relações Públicas da Polícia Judiciária convocou, complementarmente, a aplicação do n.º 4 do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 427/89, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 218/98 – norma, aliás, já revogada à data, como bem refere a Sentença de 06.10.2019, convocada pelo Acórdão em crise –, que estatuía que a comissão de serviço extraordinária para a realização do estágio não carecia de autorização do serviço de origem do nomeado!
T) A aplicação dos princípios de interpretação e da relação entre normas gerais e especiais conduz a que, inequivocamente, a especialidade do n.º 1 do artigo 146.º do EMFAR se sobreponha à regra geral reproduzida no n.º 2 do artigo 126.º da LOPJ.
U) Acresce que, no âmbito da Administração Pública, o recrutamento militar para os QP é um recrutamento especial – artigo 131.º do EMFAR –, que tem por critério as necessidades estruturais e organizacionais de...

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