Acórdão nº 03370/19.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 14-10-2022

Data de Julgamento14 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão03370/19.3BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Aveiro)
Acordam, em conferência, no Tribunal Central Administrativo Norte – Secção do Contencioso Administrativo:

I. RELATÓRIO
1. AA, residente na Rua ..., inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da sentença do TAF de Aveiro, datada de 30 de Junho de 2021, que julgou parcialmente procedente a Acção Administrativa que havia instaurado contra o FUNDO DE GARANTIA SALARIAL --- na qual pedia a anulação do acto administrativo que indeferiu o requerimento do Recorrente para pagamento de créditos emergentes de contrato de trabalho e ainda a extinção, por prescrição, do direito do Recorrido à restituição ou reposição da quantia de € 8 050,90 --, decidiu, por um lado, anular o acto praticado pelo R./Recorrido no segmento em que anula o acto de deferimento praticado pelo Réu em 11/7/2014 e, por outro, manter o acto impugnado na ordem jurídica, na parte em que determina a reposição do montante de €8 050,90, pago pelo Réu ao Autor, em 11/7/2014.
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2. Nas suas Alegações, o Recorrente formulou as seguintes conclusões:
"A) O prazo prescricional de 5 anos previsto no artº 40º nº1 do DL nº 155/92, de 28.07, que constitui norma especial e derroga a norma geral do artº 309º do Código Civil e é aplicável à reposição em questão nos autos, ou seja, de dinheiros públicos que devam reentrar nos cofres do Estado;
B) Esta disposição normativa constitui uma lei “interpretativa”, e como tal deve integrar-se na lei interpretada, nos termos do art.º 13.º n.º 1 do Cód. Civil, retroagindo por isso os seus efeitos à data da entrada em vigor da lei interpretada, ou seja, à data da entrada em vigor do Dec. Lei n.º 155/92;
C) Existe jurisprudência uniforme no sentido de que «o despacho que ordena a reposição nos cofres do Estado de quantias indevidamente recebidas, dentro dos cinco anos posteriores ao seu recebimento, ao abrigo do artigo 40.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, não viola o artigo 141.º do Código do Procedimento Administrativo, atento o disposto no n.º 3 do artigo 40.º do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de julho, preceito de natureza interpretativa introduzido pelo artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de dezembro”;
D) Em face do que resulta dos autos e das normas legais aplicáveis, é forçoso concluir que se mostra prescrita a quantia exigida pelo Réu, por, à data em que notifica(6) – 13-9-2019 - o Autor para proceder à restituição do montante em causa, haverem decorrido o prazo de cinco anos, sem a produção de qualquer que determinasse a interrupção ou suspensão do prazo de prescrição;
6 Cf. alínea L), da matéria de facto considerada provada.
E) A decisão recorrida incorreu na violação das supra referidas normas legais;
Sem prescindir,
F) Apreciando o probatório coligido e analisado o conteúdo do ato administrativo impugnado, resulta evidente que não consta do mesmo a descrição do porquê, em sede de facto e de direito, da sua prática, não tendo o Réu procedido à indicação das normas legais nas quais se sustentou para considerar que naquele momento havia de indeferir a pretensão do Autor que, afinal, já havia sido deferida em 2014.
G) De resto, não se vislumbra a razão pela qual o Réu proferiu decisão de indeferimento, mantendo um deferimento inicial que levou ao pagamento da quantia que agora pretende ver restituída, sem expor as razões pelas quais não deu lugar à prevalência do seu direito de sub-rogação junto da insolvência.
H) Esse ato administrativo está ferido de invalidade, padecendo do vício de falta de fundamentação, com todas as consequências legais inerentes;
I) E esta ambivalência, vício e profunda contradição jurídico-administrativa é mantida e reforçada pela decisão recorrida, a partir do momento em que mantém na ordem jurídica a referida ordem de reposição da quantia de € 8.050,90, que está subjacente a esse AA;
J) Contradição essa que sai reforçada a partir do momento em que o tribunal a quo mantém – intocado – na ordem jurídica, o ato administrativo do próprio Réu que DEFERIU o pagamento ao Autor da referida quantia de € 8.050,90, mencionado no ponto C), da matéria de facto considerada provada!
K) Da decisão recorrida resulta uma espécie de “autorização ilegal” para a existência na ordem jurídica de dois atos administrativos do Réu de sentido absolutamente contraditório, envolvendo o Autor e a mesma questão controvertida, a saber: um AA que deferiu o pagamento da referida quantia de € 8.050,90 e um AA que ordenou a reposição dessa mesma quantia;
Por último,
L) Nos presentes autos mostra-se violado, ainda que de uma forma implícita, o regime da anulação administrativa, prevista, designadamente, no artigo 165.º, nº 2, do Código de Procedimento Administrativo;
M) Tendo em conta que nos presentes autos estamos perante um AA constitutivo de direitos relativamente ao Autor, ou seja, o ato a que alude a alínea C) da matéria de facto provada, mostra-se também violado o disposto no artigo 168.º, do Código de Procedimento Administrativo".
E termina:
" ... deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e por via disso deve ser revogada a decisão recorrida, declarando-se e reconhecendo-se não só a extinção, por efeito da prescrição, do crédito descritos nos autos, como também a anulação total do AA impugnado, com todos os efeitos legais decorrentes, ou seja, a anulação do ato que o Réu dirigiu ao Autor no sentido de este proceder à devolução da referida quantia de € 8.050,90".
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3. O Recorrido, FUNDO DE GARANTIA SALARIAL, apresentou Contra-alegações, concluindo do seguinte modo:
"A. A dívida exigida pelo Réu ao autor não se encontrava prescrita, como bem decidiu a sentença proferida pelo TAF de Aveiro.
B. Sendo que este prazo tem inicio, necessariamente, no momento em que o Autor recebeu no processo de insolvência o valor que lhe tinha sido já pago pelo Réu, uma vez que só nesse momento é que se verificou o recebimento desse valor em duplicado, só assim se passando a tratar de um recebimento indevido de dinheiro público, pois
C. Só a partir deste momento passou o réu a poder exercer o direito à reposição daquelas verbas.
D. A invalidade em causa, tal como decidiu o TAF de Aveiro, afeta apenas o ato impugnado na parte em que este se reconduz à anulação do anterior ato de deferimento, já não assim ocorrendo na parte em que se conclui pela existência do recebimento por parte do autor de valores duplicados (em consequência do pagamento em sede de processo de insolvência daqueles créditos laborais) e, assim no sentido da elaboração de nota de reposição.
Termos em que, deverá o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, uma vez que o ato praticado pela Exma. Senhora Presidente do Conselho de Gestão do Fundo de Garantia Salarial não padece de qualquer vício que o inquine com anulabilidade ou nulidade".
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4. O Digno Magistrado do M.º P.º neste TCA, notificado nos termos do art.º 146.º n.º 1 do CPTA, não se pronunciou.
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5. Sem vistos, mas com envio prévio do projecto aos Ex.mos Srs. Juízes Desembargadores Adjuntos, foram os autos remetidos à Conferência para julgamento.
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6. Efectivando a delimitação do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo certo que o objecto do recurso se acha delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, acima elencadas, nos termos dos arts. 660.º, n.º 2, 664.º, 684.º, ns. 3 e 4 e 685.º A, todos do Código de Processo Civil, “ex vi” dos arts. 1.º e 140.º, ambos do CPTA.
II FUNDAMENTAÇÃO
1. MATÉRIA de FACTO
São os seguintes os factos fixados na sentença recorrida, cuja fidelidade e completude não se mostram questionadas em sede recursiva:
"A) Por sentença do Tribunal do Comércio de Vila Nova de Gaia – ... Juízo, proferida no âmbito do processo n.º 24/12...., de 11.01.2012, que transitou em julgado em 04.01.2013 -, foi declarada a insolvência da sociedade R..., L.da (cfr. processo administrativo);
B) Em 23.04.2013, o Autor apresentou nos serviços do Réu um “Requerimento – Pagamento de créditos emergentes do contrato de trabalho”, através do qual solicitou o pagamento da quantia total de €20 401,83 (cfr. processo administrativo);
C) Em 11.07.2014, em consequência do deferimento do requerimento a que se reporta a alínea que antecede, o Réu pagou ao Autor a quantia de €1 105,14 relativa a remunerações referentes ao período de 31.12.2012, a quantia de €6 945,76 relativa a subsídios de férias e...

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