Acórdão nº 0290/21.5BEFUN-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 2023-01-19

Data de Julgamento19 Janeiro 2023
Ano2023
Número Acordão0290/21.5BEFUN-A
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (PLENO DA SECÇÃO DO CA)
ACORDAM NO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:

1.O MUNICÍPIO DE SANTA CRUZ interpôs recurso para uniformização de jurisprudência do acórdão do TCA-Sul, de 23/06/2022, que, concedendo provimento ao recurso que AA interpusera da sentença do TAF do Funchal, anulou o despacho do Presidente da Câmara Municipal de Santa Cruz n.º 33/21, de 17/6, e determinou que se pagasse àquele a remuneração devida no período em que ele estivera ausente do serviço em consequência de um acidente de serviço que sofrera.

Na sua alegação, o recorrente formulou as seguintes conclusões:

A. O Acórdão Recorrido decidiu revogar a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na sequência de Recurso apresentado pelo Autor, “anulando-se o ato impugnado e condenando-se a ré a reconstituir a situação de facto que existiria se o ato não tivesse sido praticado, devendo pagar ao autor a remuneração devida nos períodos de ausência ao trabalho por força do acidente em serviço, nos termos supra explanados”.

B. Segundo o entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul, as horas extraordinárias do trabalho prestado, pelo trabalhador/Autor nos autos, Bombeiro Sapador de Santa Cruz, enquadram-se como suplemento de carácter permanente, que tem de ser considerado no período de falta ao serviço resultante de incapacidade temporária absoluta motivada por acidente.

C. Este Tribunal, fundamentou a sua decisão com base em pressupostos que entram em clara contradição com o disposto no Acórdão-Fundamento.

D. Ora, sem grandes fundamentações, limitou-se a considerar que o trabalho realizado pelo trabalhador, supra descrito, sendo por turnos que ultrapassam as 35 horas semanais, quer se designem como tal, como trabalho suplementar, ou como horas extraordinárias, devem enquadrar-se como suplemento de carácter permanente.

E. Pois bem, é precisamente este o problema que gera o conflito entre este Acórdão e o Acórdão-Fundamento, cuja decisão vai de encontro à decisão do Tribunal de 1.ª instância,

F. Com efeito, o Tribunal de 1.ª instância decidiu absolver o Réu, por entender que “não se considera que o suplemento remuneratório resultante do exercício de trabalho suplementar se inclua nos suplementos de carácter permanente sobre os quais incidam descontos para o respetivo regime de segurança social”, previstos no artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de novembro, e, ainda, entendeu que “mesmo que o pagamento deste tipo de trabalho (suplementar) seja contínuo e regular, tal não justifica que se transforme num suplemento de carácter permanente, visto que o mesmo resultará do juízo comparativo entre realidades diversas, uma delas colocada num patamar comum ou de mero padrão - o período normal de trabalho - que será confrontado com outras e a diferença entre elas é que será qualificada de extraordinária, motivo pelo qual se conclui que o ato impugnado não padece do vício que lhe foi assacado”.

G. Ora, como já referimos, a decisão do Acórdão-Fundamento está em linha com esta decisão da 1.ª instância e, portanto, em clara oposição com o Acórdão Recorrido.

H. Como mencionado em alegações, o Acórdão-Fundamento entende que o pagamento de horas extraordinárias não representa retribuição de carácter permanente, nem se pode considerar uma “remuneração efectivamente auferida” já que não reveste, pela sua natureza, carácter de regularidade.

I. Além do mais, entende, também, que o trabalho extraordinário é pago como forma de compensar o trabalhador pela penosidade daquele trabalho, pelo prolongamento do seu horário de trabalho, psíquica e fisicamente desgastante para o trabalhador, bem como pela indisponibilidade para estar com a sua família e amigos - tal não ocorre quando o trabalhador está ausente por força de acidente de trabalho.

J. Fica, assim, patente que a solução consignada no Acórdão Recorrido, relativamente ao direito à remuneração das horas extraordinárias dos trabalhadores em caso de ausência, por acidente de trabalho, encontra-se em manifesta e flagrante contradição com o Acórdão-Fundamento.

K. Por tudo o exposto, daqui resulta que, contrariamente ao defendido no Acórdão Recorrido, e conforme entendimento do Acórdão-Fundamento, deve considerar-se não ser exigível o pagamento, pelas horas extraordinárias, a um trabalhador que não se encontre em exercício de funções e, pelo contrário, em casa - a repousar -, porquanto estas horas extraordinárias não são, para todos os efeitos, suplementos de carácter permanente e, por isso, não previstas no art. 15.º do Decreto-Lei n.º 503/99, de 20 de Novembro.

L. Verifica-se, igualmente, que é mais do que evidente que, quanto às duas questões fundamentais de Direito em causa, encontram-se preenchidos os pressupostos de admissão do Recurso para Uniformização de Jurisprudência, consagrado no CPTA, estando o Acórdão em crise em contradição expressa, direta e flagrante com o Acórdão-Fundamento, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de Direito.

M. Termos em que se impõe uniformizar a jurisprudência quanto à questão fundamental de Direito acima indicada, levando à concretização da questão a solucionar.”

O Recorrido, na sua contra-alegação, concluiu pela rejeição do recurso, com o fundamento que, à data da sua interposição, o acórdão recorrido ainda não havia transitado em julgado.

A Exm.ª Magistrada do Ministério Público junto deste STA emitiu parecer, onde se pronunciou pela improcedência da suscitada questão prévia da rejeição do recurso e concluiu que, verificando-se a alegada oposição de julgados, se deveria uniformizar a jurisprudência no sentido da decisão do acórdão recorrido.

2.1. O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:

“1) No dia 15 de setembro de 2020, o Técnico ou Funcionário da Entidade Demandada dirigiu uma “comunicação interna” à Dra. BB com o seguinte conteúdo: “(…) [venho] informá-la e solicitar esclarecimentos relativamente ao seguinte assunto:

No dia 7/9/2020 deu entrada nesta secção a folha de trabalho extraordinário dos funcionários AA e CC, trabalhadores afetos a Unidade Orgânica – Bombeiros Sapadores. No entanto, ambos os trabalhadores encontram-se com incapacidade temporária para trabalho, pelo motivo de acidente de trabalho.

Mais informamos que o acidente de trabalho do funcionário CC ocorreu no dia ocorreu no dia 06/02/2020 e o acidente de trabalho do funcionário AA ocorreu no dia 14/10/2019, desde os respetivos acidentes tem sido processada horas de trabalho extraordinário.

Questionei a Secção de Recursos Humanos e informaram-me que sempre foram processadas horas destas situações, pois respeitam a "horas do turno" que ultrapassam as 35 horas semanais.

Na sequência deste assunto solicitamos parecer/aprovação para processamento das referidas horas extraordinárias, tendo por base que as mesmas se encontram assinadas pelo Senhor Comandante e pelo senhor Presidente (…)” (cfr. fls. 1 do processo administrativo, doravante p. a., cujo teor se considera integralmente reproduzido).

2) Na sequência do mencionado em 1), na mesma data, a referida Técnica ou Funcionária da Entidade Demandada elaborou o seguinte “parecer interno”: “(…) DD, No seguimento da informação anexa, solicito que clarifique a efetiva prestação deste trabalho extraordinário e em que moldes o mesmo se realizou.

Aos RH,

Até informação contrária ou superior estes pagamentos ficam suspensos (…)” (cfr. fls. 9 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).

3) Em resposta ao mencionado em 2), em 17 de setembro de 2020, a Técnica ou Funcionária da Entidade Demandada elaborou um “parecer interno” com o seguinte teor: “(…) [em] relação a este assunto, convém esclarecer desde já que a classificação utilizada pela chefe de divisão “processamento de horas extraordinárias‟ está incorreta.

A utilização das folhas cujo título tem a designação de (relação de horas de trabalho extraordinário em dias de descanso e feriados) é a única folha existente, internamente para o corpo de bombeiros processar a sua informação, o que desde logo deve ter induzido em erro o raciocínio e classificado as horas em horas extraordinárias.

A informação em causa reporta-se a trabalho realizado em horas de turno quando ultrapassa as 35 horas semanais de trabalho efetivo.

As horas de turno são cobertas no âmbito dos acidentes de trabalho dos bombeiros da mesma forma que o seu vencimento.

Esta situação, referente a horas de turno, é do conhecimento do senhor presidente da câmara municipal que sempre autorizou o processamento nestes termos, desde o início do seu mandato, até à presente data.

Esta situação tem sido sempre enquadrada nos termos processados. Alerta-se que a designação da folha interna, no seu cabeçalho não é a mais correta para a presente situação, mas é a única que existe no serviço (…)” (cfr. fls. 10 do p. a. cujo teor se considera integralmente reproduzido).

4) Na sequência do aludido em 3), na mesma data, a Técnica ou Funcionária da Entidade Demandada elaborou o “parecer interno”, constante a fls. 11 do p. a., no qual se consigna, entre o mais, o seguinte: “(…)

1. A ‘classificação’ por mim utilizada não está incorreta, nem se prende pela ausência de “minuta‟ para este fim específico, na medida em que não existe no Código do Trabalho outra modalidade/denominação para esta justificação que não a de “trabalho suplementar‟ – art.º 226.º e seguintes.

2. Se os bombeiros desempenham funções para além do horário que lhes foi fixado, nomeadamente por despacho do Ex.mo Sr. Presidente da Câmara, cujo horário está fixado nas doze horas de trabalho contínuas, só após estas horas e em eventuais períodos de descanso é que os mesmos podem ter direito ao recebimento de horas extraordinárias (considerando desta forma que ultrapassam os limites estabelecidos no horário fixado) – matéria já exposta na informação interna n.º...

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