Acórdão nº 0233/19.6BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06-03-2024

Data de Julgamento06 Março 2024
Ano2024
Número Acordão0233/19.6BEFUN
ÓrgãoSupremo Tribunal Administrativo - (2 SECÇÃO)
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A..., S.A., sociedade comercial anónima com o número único de pessoa coletiva e de matrícula ...28, com sede no ..., ... ..., interpôs recurso jurisdicional da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, na parte em que julgou improcedente a impugnação judicial da liquidação de taxas de publicidade relativas ao ano de 2019, no montante de € 10.673,73.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões (que renumeramos):

«(…)

1.ª Ao julgar suficientemente fundamentado o ato de liquidação impugnado, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento e viola por errada interpretação e aplicação os artigos 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 77.º da LGT e 13.º do RGTLF, sendo certo que ato de liquidação impugnado, liquidado num alegado processo de ocupação de via pública («Processo n.º: ...63 do Tipo: OCUPAÇÃO DA VIA PÚBLICA»), não permite a um destinatário médio apreender com objetividade, sem equívocos e riscos interpretativos extraordinários, a razão de ser do ato de liquidação impugnado.

2.ª O Tribunal a quo baseou erradamente o seu juízo sobre a suficiência da fundamentação do ato de liquidação impugnado, estribando-se na consideração de fundamentos exteriores e posteriores a tal ato (quer os que despontaram da instrução do processo judicial, quer os avançados na contestação, quer os que figuram no ofício de notificação do ato), o que não supre as exigências da fundamentação de atos de liquidação (artigos 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, 77.º da LGT e 13.º do próprio Regulamento Municipal [RGTLF]).

3.ª A situação concreta patenteada nos autos afasta-se das retratadas pelo STA nos recentes acórdãos tirados a propósito do sector da revenda de combustíveis - cfr. Acs. do STA de 13 de janeiro de 2021 e de 3 de fevereiro de 2021, respetivamente, nos Procs. n.ºs 0238/16.9BEFUN e 034/16.3BEFUN, in www.dgsi.pt -, pois nos presentes autos não estamos perante qualquer atividade especial que se afaste das atividades de comércio geral e/ou de restauração que estão relacionadas nos normativos que especificamente vigoram na Região Autónoma da Madeira, maxime pela Portaria da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura n.º 449/2016, de 20 de outubro.

4.ª A sentença recorrida enferma de erro de julgamento, dado que, ao contrário do entendimento expresso pelo Tribunal a quo, a atividade desenvolvida pela recorrente no estabelecimento comercial em causa nos autos (um centro comercial) está identificada no complexo normativo regional que adapta à Região Autónoma da Madeira o Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, designadamente no anexo à Portaria da Secretaria Regional da Economia, Turismo e Cultura n.º 449/2016, de 20 de outubro, que identifica dezanove atividades comerciais, de entre as quais, estabelecimentos de comércio a retalho e estabelecimentos de restauração e bebidas ainda que inseridas em conjuntos comerciais.

5.ª Ao contrário do entendimento expresso na sentença sub judice, o ato de liquidação impugnado viola por errada interpretação e aplicação o disposto no artigo 1.º, n.º 3, al. b) da Lei n.º 97/88, de 17 de agosto, na sua redação atual, e os artigos 38.º e 42.º do Decreto-Lei n.º 48/2011, de 1 de abril, normativos que se mostram igualmente violados pelo Tribunal a quo na sentença recorrida.

6.ª O entendimento expresso na douta sentença recorrida ao afastar a atividade desenvolvida pela recorrente – o qual manifestamente se identifica com as atividades expressamente elencadas na Portaria 449/2016, de 20 de outubro –, viola claramente tal Portaria e os princípios da igualdade de tratamento e da sã concorrência, tutelados pela Constituição da República Portuguesa, artigos 13.º e 81.º, e pelo ordenamento jurídico europeu em que nos inserimos.

7.ª (“6.ª” conclusão no original) São ilegais as normas ínsitas no artigo 35.º do Regulamento Geral das Taxas, Outras Receitas e Licenças do Município do Funchal e na respetiva tabela de taxas (art.º 31.º) que preveem a cobrança de taxas por afixação de publicidade “sempre que os anúncios estejam colocados ou sejam visíveis da via pública municipal”, dispondo contra a lei habilitante que expressamente isenta tais mensagens publicitárias de todo e qualquer ato permissivo, seja licença, autorização, comunicação ou sequer algum registo (v. artigo 1.º, n.º 3, al. b) e n.º 4 da Lei 97/88, na redação que lhes foi conferida pelo artigo 31.º do Decreto-Lei n.º 48/2011).

8.ª (“7.ª” conclusão no original) Estando em causa um ato de liquidação que aplica norma regulamentar que é ilegal, por dispor contra legem, deveria o Tribunal a quo ter recusado a sua aplicação no caso concreto com fundamento na sua ilegalidade declarando a ilegalidade do ato.

9.ª (“8.ª” conclusão no original) Ao contrário do entendimento expresso na decisão recorrida, o RGTLF e respetivos anexos não contempla qualquer disposição regulamentar que permita ao município do Funchal tributar qualquer benefício que o particular possa retirar da suposta utilização extraordinária do espaço público decorrente da afixação de mensagens publicitárias de natureza comercial em propriedade privada visíveis do espaço público, sendo por isso nulo, por violação do artigo 8.º da LGT, qualquer ato de liquidação que tenha por fundamentação este critério.».

Pediu fosse o presente recurso julgado procedente, com as legais consequências.

A Recorrida não apresentou contra-alegações.

Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foram os mesmos com vista o M.º P.º.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir.


***

2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância.

***

3. Das conclusões do recurso extraem-se as seguintes questões a decidir:

a) A de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao julgar suficientemente fundamentado o ato de liquidação impugnado [“1.ª” e “2.ª” conclusões];

b) A de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que a atividade da ali Impugnante não integrava os setores de atividade abrangidos pela isenção da licença e de acordo com o regime que considerou aplicável [“3.ª” e “4.ª” conclusões];

c) A de saber se se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao concluir que o ato de liquidação impugnado não viola a lei que regula a afixação e inscrição de mensagens de publicidade e o respetivo regime de licenciamento [“5.ª” conclusão];

d) A de saber se o entendimento expresso na sentença recorrida, ao afastar a atividade desenvolvida pela Recorrente dos setores de atividade que beneficiam da isenção, atenta contra os princípios constitucionais da igualdade de tratamento e da sã concorrência [“6.ª” conclusão];

e) A de saber se se as normas regulamentares aplicadas atentam contra a lei habilitante e se, por conseguinte, o Tribunal a quo deveria ter recusado a sua aplicação [“7.ª” e “8.ª” conclusões (“6.ª” repetida e “7.ª”, no original)];

f) A de saber se é errado o entendimento expresso na sentença recorrida, ao considerar que o regulamento e a lei permitem ao Município tributar benefícios retirados da utilização extraordinária do espaço público que se traduza na afixação de mensagens publicitárias dele visíveis [“9.ª” conclusão (“8.ª”, no original)].

No entanto, se analisarmos a sentença recorrida, verificamos que nela só foram apreciadas três questões: [1)] a de saber se o ato impugnado padece de falta de fundamentação; [2)] a de saber se o setor de atividade da impugnante está abrangido pela isenção de licença para afixação de publicidade na RAM; e [3)] a de saber se o regulamento, na interpretação adotada na sentença, atenta contra a lei habilitante.

O tribunal de primeira instância nunca apreciou, designadamente, a questão de saber se as normas consideradas aplicáveis violam os princípios constitucionais agora identificados ou se a taxa de publicidade pode incluir no seu pressuposto a tal «utilização extraordinária do espaço público», independentemente da existência de um procedimento de licenciamento. Questões que, por isso, pretende agora colocar, ex novo, ao tribunal de recurso.

E como se sabe, os recursos visam o reexame de questões...

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