Acórdão nº 01361/21.3BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 29-01-2024

Data de Julgamento29 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão01361/21.3BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
I - RELATÓRIO


ENTIDADE NACIONAL PARA O SECTOR ENERGÉTICO, EPE (ENSE) [devidamente identificada nos autos] Ré na acção administrativa que contra si foi intentada por [SCom01...], Ld.ª [também devidamente identificada nos autos] na qual formulou pedido no sentido de ser anulada a decisão proferida no âmbito do processo 07/DB/2021 e nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, pela qual foi determinado que pagasse a quantia de € de €91.048,00, a título de compensações do 4.º trimestre de 2020, inconformada com a Sentença proferida, por via da qual foi julgada procedente a acção e anulado o acto impugnado, inconformada, veio interpor recurso de Apelação.
*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
A. O presente Recurso vem interposto da sentença proferida nos autos em referência, que julgou a presente ação procedente e, em consequência, anulou o ato administrativo de pagamento de compensações por incumprimento das obrigações de biocombustíveis previstas no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, referente ao 4.º Trimestre de 2020, impugnado nos presentes.
B. O Tribunal a quo decidiu da invalidade do ato impugnado à luz do direito comunitário, anulando-o nos termos do artigo 163.º, n.º 1 do CPA e considerando como prejudicados os vícios assacados pela ora Recorrida ao ato impugnado.
C. Com efeito, socorrendo-se do acórdão proferido pelo TJUE proferido no processo C-604/2021, na sequência do pedido de reenvio prejudicial no âmbito do processo 860/21.1BEBRG, e dele fazendo uma incorreta interpretação, considerar, que o ato impugnado nos presentes é ilegal por o projeto legislativo referente ao Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, ao fixar, no seu n.º do artigo 11.º, a obrigação de incorporação de determinada percentagem de biocombustíveis e, nessa medida, constituir uma regra técnica, não ter sido objeto de comunicação à Comissão Europeia, sendo inoponível aos particulares e, nessa medida, entendeu que o ato impugnado padece de um vício gerador de anulabilidade, nos termos do de um vício gerador de anulabilidade, nos termos do disposto no artigo 163.º, n.º 1 .º, n.º 1 do CPA.
D. Ora, é aqui que encerra o erro de julgamento perpetrado pelo Tribunal a quo, motivado por uma incorreta interpretação e aplicação do Direito ao caso sub judice.
E. Começa-se por dizer que o Acórdão proferido pelo TJUE – na sequência de um reenvio prejudicial promovido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito de um processo onde foi suscitada a inoponibilidade do Decreto-Lei n.º 117/2010 aos particulares, com fundamento na violação do Direito da União Europeia – não analisou o caso concreto, limitando-se a esclarecer a interpretação que deve ser dada a um conjunto de normas constantes da Diretiva 98/34/CE.
F. Assim, a pronúncia realizada pelo TJUE não aporta um novo fundamento de nulidade ou anulabilidade do ato administrativo em apreço.
G. Como referido, no seguimento de um conjunto de questões prejudiciais formuladas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, no âmbito do processo n.º 860/21.1BEBRG, foi proferido Acórdão pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) no passado dia 09/03/2023.
H. O referido Acórdão do TJUE veio esclarecer a interpretação que deve ser dada a um conjunto de normas consagradas na Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006.
Com efeito, o mesmo declarou que:
“1) O artigo 1.º, ponto 4, da Diretiva 98/34/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de junho de 1998, relativa a um procedimento de informação no domínio das normas e regulamentações técnicas e das regras relativas aos serviços da sociedade da informação, conforme alterada pela Diretiva 2006/96/CE do Conselho, de 20 de novembro de 2006, deve ser interpretado no sentido de que: uma legislação nacional que fixa um objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano é abrangida pelo conceito de «outra exigência» na aceção do artigo 1.º, ponto 4, da Diretiva 98/34, conforme alterada, e constitui assim uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado em conformidade com o artigo 8.º, n.º 1, da Diretiva 98/34, conforme alterada.”
I. Concluindo, nessa medida, que o objetivo relativo à incorporação de 10 % de biocombustíveis nos combustíveis rodoviários introduzidos no consumo por um operador económico relativamente a um determinado ano constituiu uma «regra técnica» na aceção do artigo 1.º, ponto 11, da Diretiva 98/34, conforme alterada, a qual apenas é oponível aos particulares se o seu projeto tiver sido comunicado à Comissão Europeia.
J. Ora, ainda que a ora Ré Recorrente não sufraga o entendimento supra do TJUE, importa que o ato administrativo em crise não é ilegal, conforme considerou o Tribunal a quo, tendo, de resto, a pronúncia do TJUE se limitado à consideração sobre a inoponibilidade aos particulares das normas de direito nacional.
K. Com efeito, o ato administrativo foi praticado ao abrigo do Decreto-Lei n.º 117/2010, o qual à data de se encontrava plenamente em vigor, sendo que atualmente a sua vigência só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022, 9 de dezembro, o qual estabelece metas relativas ao consumo de energia proveniente de fontes renováveis, transpondo parcialmente a Diretiva (UE) 2018/2001. Assim, a ora Ré Recorrente encontrava-se vinculada a proferir o ato administrativo impugnado nos exatos termos em que foi proferido, sob pena de violação do princípio da legalidade.
L. Razão pela qual o ato administrativo em apreço não padece (nem poderia padecer, de resto) de qualquer vício gerador de ilegalidade. Isto porque, independentemente da norma legal ser oponível ou inoponível aos particulares, a mesma era oponível à Administração Pública, i.e., à ora Ré Recorrente.
M. Pelo que, não estamos perante um problema de ilegalidade do ato administrativo em crise, conforme peticionado nos presentes, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função político-legislativa. Nesses termos, entendendo a Autora que a vigência do Decreto-Lei n.º 117/2010 no ordenamento jurídico português afetou a sua esfera jurídica, deve recorrer aos mecanismos processuais adequados para o efeito, o que não passa pela impugnação do ato administrativo praticado pela ora Ré Recorrente com fundamento na inoponibilidade do Decreto-Lei n.º 117/2010.
N. Por outro lado, sempre se diga que, mesmo que se admitisse que a inoponibilidade do ato administrativo impugnado, no momento em que foi praticado, fosse suscetível de gerar a sua anulabilidade, o (alegado) vício deixou de existir em função do lapso temporal no entretanto verificado, consolidando-se o ato no ordenamento jurídico. Veja-se, a propósito, o Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 08/02/2013, no âmbito do processo n.º 00235/11.0BEPNF, nos termos do qual “ocorre caducidade do direito de ação quando o A., perante ilegalidades imputadas ao ato administrativo impugnado que são cominadas apenas com o desvalor da anulabilidade, não observa o prazo que se mostra previsto no art. 58.º, n.º 2 do CPTA”
Pelo que, por força do lapso temporal no entretanto verificado, a eventual invalidade sempre se encontraria sanada.
O. Em face do exposto, a sentença ora recorrida padece de um erro de julgamento, porquanto o ato impugnado não padece de qualquer vício gerador de mera anulabilidade, por violação do disposto na Diretiva n.º 98/34/CE aquando da elaboração e publicação do diploma legal que legitimou a sua prática, o que deve conduzir à anulação da sentença recorrida, o que invoca.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se que ao presente Recurso seja dado provimento, ordenando-se a anulação da sentença recorrida, por estarem verificados os fundamentos de anulação da sentença,
Com o que se fará a esperada Justiça.
[…].”

**

A Recorrida apresentou Contra Alegações, no âmbito das quais elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]

1- De acordo com a decisão proferida pelo T.J.U.E. em 09.03.2023, as metas de incorporação fixadas no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 são inoponíveis aos seus destinatários, desde logo porque não foram cumpridas as obrigações do Estado Português de comunicação prévia desta norma técnica à Comissão Europeia, o que retira a base legal à norma em questão, esvaziando-a do ordenamento jurídico.

2- Nos processos impugnatórios, refere o artigo 95.º n.º 3 do CPTA, que o Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade invocadas, mas não só, também deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares, em obediência ao Princípio do Contraditório, quando exigido.

3- Assim, o Tribunal, nos processos impugnatórios, não tem de limitar a sua decisão à pronúncia sobre as causas de invalidade invocadas pelas partes, já que não só pode, como deve, identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.- Cfr. n.º 3 parte final do artigo 95.º do CPTA.

4- Pelo que, ao pronunciar-se pela invalidade da norma técnica constante do artigo 11.º da Lei 2010/17 de 25-10, decorrente da violação do artigo 8.º n.º 1 da Diretiva 98/34 da U.E. que impunha a sua comunicação prévia à Comissão, antes da sua aprovação e aplicação no Estado membro, neste caso, Portugal, bem andou...

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