Acórdão nº 00942/22.2BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2024-01-26

Data de Julgamento26 Janeiro 2024
Ano2024
Número Acordão00942/22.2BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
I - RELATÓRIO



ENTIDADE NACIONAL PARA O SECTOR ENERGÉTICO, EPE (ENSE) [devidamente identificada nos autos] Ré na acção administrativa que contra si foi intentada por [SCom01...], Ld.ª [também devidamente identificada nos autos], na qual formulou pedido no sentido de ser anulada a decisão proferida no âmbito do processo 02/DB/2022 e nos termos do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 117/2010, de 25 de outubro, pela qual foi determinado que pagasse a quantia de €129.384,00, a título de compensação pelo incumprimento das metas de incorporação de biocombustíveis no 3.º trimestre de 2021, inconformada com a Sentença proferida, por via da qual foi julgada procedente a acção e anulado o acto impugnado, veio interpor recurso de Apelação.

*

No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
1.ª De acordo com o disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CPTA, o Tribunal a quo somente se encontrava constituído no poder-dever de identificar a existência de causas de invalidade diversas daquelas que tenham sido alegadas.
1.ª Tratando-se de um vício gerador de nulidade, o Tribunal a quo podia/devia conhecer do mesmo oficiosamente e a todo o tempo, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 262.º do CPA.
2.ª Tratando-se de um vício gerador de mera anulabilidade, o Tribunal a quo somente podia conhecer do mesmo dentro do prazo que o Ministério Público dispõe para promover a ação pública de impugnação, ou seja, no prazo objetivo de um ano desde o momento da prática do ato ou da sua publicação, quando obrigatória.
3.ª Uma interpretação diversa ao disposto no n.º 3 do artigo 95.º do CPTA confere à norma um conteúdo normativo que a torna claramente inconstitucional, por violação do disposto nos artigos 2.º, 20.º, 111.º e 219.º da CRP.
4.ª Assim, uma vez que não foi suscitada pelas partes o vício pelo qual o Tribunal a quo anulou o ato administrativo impugnado e uma vez que o mesmo não é suscetível de conhecimento oficioso, a sentença é nula por excesso de pronúncia, nos termos do artigo 95.º, n.º 1 do CPTA, em conjugação com o artigo 615.º, n.º 1, al. d) do CPC.
5.ª O ato administrativo impugnado não é ilegal, porquanto foi praticado ao abrigo de um diploma legal que à data se encontrava em vigor e que, atualmente, só não se mantém porquanto foi revogado pelo Decreto-Lei n.º 84/2022.
6.ª A Recorrente, sob pena de violação do princípio da legalidade, encontrava-se vinculada a proferir o ato administrativo em apreço.
7.ª Não estamos perante um problema de ilegalidade do ato administrativo, mas antes perante uma (eventual) questão de responsabilidade civil extracontratual do Estado Português por alegados danos decorrentes do exercício da função legislativa.
8.ª Em todo o caso, mesmo que a inoponibilidade do Decreto-Lei n.º 117/2010 aos particulares se traduzisse na ilegalidade do ato administrativo, o vício em apreço seria, tão-só, gerador de mera anulabilidade.
9.ª Quando foi intentada a presente ação, a Recorrida não manifestou a intenção de impugnar o ato com fundamento na inoponibilidade do Decreto-Lei n.º 117/2010, razão pela qual o alegado vício se consolidou no ordenamento jurídico português, tudo sucedendo como se o ato administrativo fosse legal desde o momento em que foi praticado.
10.ª Assim sendo, a sentença ora recorrida padece de um erro de julgamento, porquanto o ato administrativo não padece de um vício gerador de anulabilidade, por violação do Direito da União Europeia.
11.ª Em todo o caso, deve a sentença ora recorrida ser reformada quanto às custas processuais, nos termos dos artigos 616º, n.º 1 e 666.º, n.º 1, ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1º do CPTA.
12.ª A Recorrente e os contrainteressados Fundo Ambiental, Ministério da Economia, Ministério do Ambiente e Transição Energética e Petrogal, S.A. encontram-se numa situação de litisconsórcio necessário passivo.
13.ª Por esse motivo, ao abrigo do disposto no artigo 528.º, n.º 1 do CPC, os contrainteressados que apresentaram contestação, devem responder pelas custas processuais, em partes iguais com a ora Recorrente.

NESTES TERMOS,
E nos demais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência:
a) Ser declarada nula a sentença recorrida, por excesso de pronúncia.
Assim não se entendendo,
b) Ser revogada a sentença que julgou a ação administrativa procedente, com fundamento em erro de julgamento, com as legais consequências.
Só assim se decidindo será
CUMPRIDO O DIREITO E FEITA JUSTIÇA!
[…].”

**

A Recorrida apresentou Contra Alegações, no âmbito das quais elencou a final as conclusões que ora se reproduzem:

“[…]
1- Nos presentes autos não existem contrainteressados, não existe qualquer litisconsórcio necessário passivo, pelo que não existe qualquer fundamento para a pretendida reforma da sentença quanto a custas nos termos pretendidos pelo recorrente.

2- De acordo com a decisão proferida pelo T.J.U.E. em 09.03.2023, as metas de incorporação fixadas no artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10 são inoponíveis aos seus destinatários, desde logo porque não foram cumpridas as obrigações do Estado Português de comunicação prévia desta norma técnica à Comissão Europeia, o que retira a base legal à norma em questão, esvaziando-a do ordenamento jurídico.

3- Nos processos impugnatórios, refere o artigo 95.º n.º 3 do CPTA, que o Tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade invocadas, mas não só, também deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham siso alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares, em obediência ao Princípio do Contraditório, quando exigido.

4- Ou seja, o Tribunal, nos processos impugnatórios, não tem de limitar a sua decisão à pronúncia sobre as causas de invalidade invocadas pelas partes, já que não só pode, como deve, identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas.- Cfr. n.º 3 parte final do artigo 95.º do CPTA.

5- Pelo que, ao pronunciar-se pela invalidade da norma técnica constante do artigo 11.º da Lei 2010/17 de 25-10, decorrente da violação do artigo 8.º n.º 1 da Diretiva 98/34 da U.E. que impunha a sua comunicação prévia à Comissão, antes da sua aprovação e aplicação no Estado membro, neste caso, Portugal, bem andou o Tribunal A Quo, que cumpriu expressamente o que a Lei Processual Administrativa lhe impõe.

6- O ato administrativo impugnado foi praticado ao abrigo de uma norma técnica- artigo 11.º do DL 117/2010 de 25-10- que foi declarada ilegal, de acordo não só com o juízo do TJUE, mas também do Supremo Tribunal Administrativo, como resulta da decisão proferida no processo 02739/17.2BEBRG-A, por Acórdão de 06-07-2023 da 1.ª Secção, processo em que o Recorrente era parte, e cuja decisão não ignora.

7- De acordo com a decisão do TJUE, a ordem de pagamento fundamentada naquela legislação nacional ilegal, aplicada aos destinatários particulares (como o é a aqui Autora- recorrida) torna esse ato inválido e contenciosamente impugnável por violação da lei, por erro nos pressupostos de direito – falta de base legal.

8- Também no âmbito interno ou nacional existe, já, decisão inatacável sobre esta matéria, concretamente o Acórdão do STA acima citado.

9- O Tribunal, nos processos impugnatórios, não está limitado nem no tempo, nem quanto ao conhecimento de qualquer vício gerador de invalidade do ato administrativo impugnado que não tenha sido invocado pelos particulares ou pelo Ministério Publico, sob pena de se esvaziar de sentido o disposto no artigo 95.º n.º 3 do CPTA.

10- Se o julgador se tivesse de limitar ao que a recorrente designada de “vontade manifestada pelas partes aquando da elaboração dos seus articulados” não faria qualquer sentido o conteúdo vertido na segunda parte do número 3 do artigo 95.º do CPTA, que impõe ao julgador o dever de identificar outras causas de invalidade, sem descriminar se de nulidade ou anulabilidade, o que deve obviamente acontecer sempre que a impugnação tenha sido deduzida em tempo pelo Particular ou pelo Ministério Publico.

11- O normativo do artigo 95.º n.º 3 não exclui assim da identificação do Tribunal, a todo o tempo, os vícios geradores de anulabilidade.

12- O Tribunal deve poder conhecer de todos os vícios que estando presentes num determinado ato sejam suscetíveis de atacar a sua validade enquanto ele não se tornar definitivo do ponto de vista da sua imposição ao particular.

13- O facto de, decorridos os prazos p. e p. no artigo 58.º do CPTA estar vedado ao destinatário impugnar o ato ferido de anulabilidade não significa que o juiz não possa conhecer de outras causas de invalidade do ato administrativo, quando confrontado com o processo impugnatório, instaurado atempadamente, pois uma interpretação diversa esvaziaria de sentido o disposto no artigo 95.º n.º 3 segunda parte e nos artigos 161.º e 163.º todos do CPTA.

14- O n.º 6 do artigo 161.º do CPTA refere expressamente que quando na pendência de processo impugnatório, o ato impugnado seja anulado por sentença proferida noutro processo, pode o autor fazer uso do disposto nos n.ºs 3 e 4 do presente artigo para obter a execução da sentença de anulação.

15- Como se refere no Acórdão do STA já citado, o ato em crise é inválido e contenciosamente anulável por vício de violação da lei, por erro nos pressupostos de direito- falta de base legal.

16- Esta decisão superior conclui, no mesmo sentido, que o julgamento do TJUE é plenamente aplicável no caso do presente processo, uma vez que a jurisprudência daquele Tribunal Europeu, quanto à interpretação fixada no direito da EU, designadamente em processo de reenvio prejudicial, torna-se obrigatória quer no âmbito da causa em que o reenvio foi operado, quer em quaisquer outros processos em que seja pertinente a aplicação das mesmas normas interpretadas. ...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT