Acórdão nº 00645/22.8BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-11-11

Ano2022
Número Acordão00645/22.8BEBRG
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF de Braga)
Acordam em conferência os juízes deste Tribunal Central Administrativo Norte, Secção do Contencioso Administrativo:

A... SA – Sucursal em Portugal (Av.ª ...), interpõe recurso jurisdicional de decisão do TAF de Braga, nos presentes autos que move contra Auto-Estradas... (Av.ª...) e Z... Rua ...), e em que o tribunal “a quo” julgou “procedente a exceção perentória de prescrição do direito da Autora e, em consequência, absolvo os Réus do pedido”.

Conclui:
I- Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou procedente a exceção de prescrição invocada pelas Rés, nas suas doutas contestações.
II- Com o devido respeito, o tribunal a quo não apreciou corretamente as questões objeto de decisão.
III- Primeiro, a douta sentença padece de erro quando dá como provado o ponto 6 do elenco de factos provados: A Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos do veículo referido em 4. no dia 01.11.2018.
IV- Segundo e principalmente, discorda-se da posição do tribunal a quo quanto à não aplicabilidade do prazo prescricional de cinco anos, nos termos do número 3 do artigo 498.º do Código Civil.
V- Por último, a douta decisão incorre em omissão de pronúncia ao nem sequer se pronunciar sobre a suscitada suspensão generalizada dos prazos legais, por força da legislação extraordinária de resposta à pandemia da Covid-19.
VI- Foi incorretamente julgado pelo tribunal a quo o seguinte ponto dos factos provados:
- 6. A Autora procedeu ao pagamento da reparação dos danos do veículo referido em 4. no dia 01.11.2018.
- Facto não controvertido.
VII- O que ocorreu em 01.11.2018, como decorre do documento 18 junto à PI e como se alegou, não foi o pagamento da reparação dos danos do veículo ..., mas sim o ressarcimento de parte dos danos sofridos pelo lesado AA, passageiro do veículo ....
VIII- Tal pagamento foi feito pela Recorrente no âmbito da ação que correu termos no Juízo Local Cível de Viana do Castelo, Juiz ..., sob o n.º de processo 2313/17...., em que o lesado AA pedia a condenação da AIG ao pagamento da quantia de € 25 000,00, para compensação dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos por força do acidente em questão.
IX- Tendo a Recorrente já feito outros pagamentos para compensação do dano corporal, para reembolso de despesas médicas e medicamentosas e de deslocações para os tratamentos e consultas, conforme decorre dos documentos 15 e 16 juntos à PI, o que ocorreu em 01/11/2018 e que seria digno de nota e de fixação na matéria de facto provada, é que a Recorrente efetuou o último pagamento no âmbito da regularização do sinistro em questão.
X- Assim, deve o ponto 6 dos factos provados ser alterado para conter o seguinte:
6. No dia 01.11.2018, a Autora procedeu ao último pagamento no âmbito da regularização do sinistro ocorrido no dia 26.08.2015.
XI- Consta dos autos, em concreto do relatório de averiguação junto como Documento 5 e do conjunto de documentos 6 a 9, que o acidente relatado vitimou quatro pessoas, condutores e passageiros dos veículos de matrícula ..-PI-.. e ..-QF-..: BB, AA, CC e DD, todos eles sofrendo danos corporais e todos eles tendo sido assistidos pelos meios de socorro.
XII- O evento e os ferimentos sofridos pelos passageiros e condutores dos veículos decorrem da atuação negligente da Ré AENL e dos seus funcionários, na medida em que, ao permitirem a entrada de três cães na via, não zelaram pela segurança dos utentes e descuraram os seus deveres de vigilância, atuação passível de configurar um crime de ofensa à integridade física por negligência, p. e p. pelo art. 148º, nº 1 do C. Penal, com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.
XIII- Nos termos do disposto no número 3 do artigo 498.º do Código Civil, “se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável”
XIV- É de cinco anos o prazo de prescrição do procedimento criminal para o crime de ofensas à integridade física, conforme a al. c) n.º 1 do artigo 118.º e n.º 1 do 148.º do Código Penal, pel oque ao caso deverá ser aplicado tal prazo de prescrição de cinco anos.
XV- Assim decidiram, entre outros, o Tribunal da Relação de Évora, em acórdão de 03/03/2010, proc. 2119/07.8TBLLE.E1, e o Supremo Tribunal de Justiça, por exemplo no Acórdão de 03/11/2009, Proc. 2665/07.3TBPRD.S1.
XVI- A aqui Recorrente procedeu ao pagamento de parte dos danos ao lesado AA, em concreto efetuando o último pagamento respeitante à regularização do sinistro em questão em 01/11/2018, pelo que, tratando-se de um direito de sub-rogação, deverá entender-se que o momento relevante para efeitos de início da contagem do prazo de prescrição de cinco anos coincide com a data do último pagamento, tal como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão n.º 2/2018, de 7 de dezembro.
XVII- Terminando o prazo apenas em 01/11/2023, o mesmo foi validamente interrompido com a citação das Rés, em 31/03/2022.
XVIII- A douta sentença viola, nesta parte, os números 2 e 3 do artigo 498.º do Código Civil e a alínea c) do número 1 do artigo 118.º do Código Penal, devendo ser alterada por outra que julgue não provada a exceção de prescrição suscitada pelas Rés AENL e Z... e, consequentemente, considere não prescrito o direito da aqui Recorrente.
XIX- Acresce que a douta sentença é nula por omissão de pronúncia, ao não se pronunciar sobre a suscitada aplicabilidade do regime excecional de suspensão dos prazos, previsto na Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril.
XX- Nos termos do artigo 7.º da referida Lei, todos os prazos para a prática de atos processuais e procedimentais que devam ser praticados no âmbito dos processos e procedimentos que corram termos nos tribunais judiciais, tribunais administrativos e fiscais, Tribunal Constitucional, Tribunal de Contas e demais órgãos jurisdicionais, tribunais arbitrais, Ministério Público, julgados de paz, entidades de resolução alternativa de litígios e órgãos de execução fiscal ficam suspensos até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológicasendo que tal situação excecional constitui igualmente causa de suspensão dos prazos de prescrição e de caducidade relativos a todos os tipos de processos e procedimentos.
XXI- Acresce, o número 4 do artigo não deixava dúvidas quanto à imperatividade do regime: o disposto no número anterior prevalece sobre quaisquer regimes que estabeleçam prazos máximos imperativos de prescrição ou caducidade, sendo os mesmos alargados pelo período de tempo em que vigorar a situação excecional”, pelo que a Autora beneficiava de 158 dias adicionais para o exercício dos seus direitos, tempo que durou a suspensão generalizada dos prazos.
XXII- Tendo sido as Rés citadas no dia 31 de março, mesmo não se aplicando o prazo de cinco anos, nem assim o direito da Recorrente estava esgotado, o que apenas aconteceria 08 de abril de 2022.
XXIII- Nos termos do disposto no número 2 do artigo 608.º do Código de Processo Civil, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, prevendo o artigo 615.º do Código de Processo Civil que será nula a sentença quando (…) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
XXIV- Ao não se pronunciar sobre a aplicabilidade do regime excecional da Lei n.º 1-A/2020, a decisão está ferida de nulidade, violando nesta parte o disposto no número 2 do artigo 608.º e na alínea d) do número 1 do artigo 615.º, ambos do Código de Processo Civil, e ainda o disposto nos números 1, 3 e 4 do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de Abril, devendo sentença ser revogada e substituída por outra que julgue aplicável o regime excecional, considere não provada a exceção de prescrição suscitada pelas Rés AENL e Z... e, consequentemente, considere não prescrito o direito da aqui Recorrente.
Com contra-alegações da ré AENL, em que conclui:
1. A pretensão da Recorrente não tem fundamento.
2. Ao contrário do alegado, andou bem o Tribunal “a quo” quando julgou verificada a excepção da prescrição do direito reclamado pela Recorrente e absolveu a Recorrida do pedido.
3. Dispõe o artigo 498º n.º 1 e 3 do Código Civil que o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, salvo se o facto ilícito constituir crime para o qual o a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, pois que então é este último o aplicável.
4. O prazo de prescrição quinquenal é aplicável quando, constituindo o facto ilícito danoso um crime, o respectivo prazo de prescrição do procedimento criminal seja também de 5 anos.
5. Nos presentes autos, porém, estamos perante a invocação de um direito sub-rogado na Autora.
6. Neste caso, e dado que a obrigação já foi cumprida no confronto do lesado, não vale nem pode valer o argumento de que desde que o facto ilícito pode ser discutido em sede penal deve também poder ser apreciado no âmbito da actuação da respectiva responsabilidade civil.
7. Nenhuma razão existe, pois, para se lhe aplicar um alargamento do prazo que pressupõe justamente que a medida dessa responsabilidade possa ser ainda discutida em sede penal por mais tempo, como vem sendo pacificamente decidido pela jurisprudência.
8. Em suma, temos de concluir que o prazo de prescrição aplicável in casu é de três anos.
9. Resulta, assim, claro que o recurso da Autora, no que respeita ao prazo de prescrição aplicável de 5 anos, terá de forçosamente improceder.
10. Não pode colher igualmente a alegada tempestividade da ação, quer porque o objeto do presente processo não se identifica com nenhum dos referidos nas várias alíneas do art.º 6.º-A, n.º 6,...

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