Acórdão nº 00442/21.8BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 2022-09-16

Data de Julgamento16 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão00442/21.8BEPRT
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Norte - (TAF do Porto)
EM NOME DO POVO

Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:

A Z..., L.da veio recorrer do despacho de 23.05.2022, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, pelo qual foi decidido não conhecer da reclamação apresentada pela ora Recorrente contra as notas discriminativas e justificativas de custas de parte apresentadas nos presentes autos de contencioso pré-contratual pela Entidade Demandada, o Município de ... e a Contra-Interessada F... L.da.

Invocou para tanto em síntese que: a imposição do depósito do valor total da nota discriminativa de custas de parte (a acrescer à exigência do pagamento da taxa devida pelo incidente e efectivamente paga pelo reclamante), constitui uma restrição desproporcional do direito e, nessa medida, uma violação do princípio da tutela jurisdicional efectiva prevista no art.º 20.º, n.º 1 e 5 da CRP; impunha-se a reforma oficiosa da nota discriminativa de custas de parte, por aplicação das disposições combinadas do nº 4 do artigo 26º-A, e artigo 31º, ambos do Regulamento das Custas Processuais; há ofensa do caso julgado; verificou-se a omissão da notificação para pagamento do depósito.

Em 14.06.2021, depois de interposto o recurso, o Município demandado veio declarar que aceitava receber apenas a parte não reclamada da sua nota justificativa de custas de parte e a Autora, por requerimento de 23.06.2022, aceitou pagar essa parte pedindo o prosseguimento do recurso apenas na parte relativa à Contra-Interessada.

Por despacho de 01.08.2022 do Tribunal recorrido, foi o recurso circunscrito à parte respeitante à Contra-Interessada e assim admitido.

Não foram apresentadas contra-alegações.

O Ministério Púbico neste Tribunal não emitiu parecer.
*
Cumpre decidir já que nada a tal obsta.
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I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional:

A) A Ré Entidade Demandada apresentou nota discriminativa e justificativa de custas de parte em 14-03-2022 no valor global de 2601,00€ e a Contra-interessada apresentou nota discriminativa e justificativa de custas de parte em 11-03-2022 no valor global de 1938,00€

B) A Autora apresentou requerimento em 15-03-2022 no qual, sucintamente, requereu ao Tribunal que as notas discriminativas e justificativas de custas de parte fossem rectificadas em ordem a estar em conformidade com o regime legal aplicável.

C) Estão em causa os art.ºs 25.º e 26.º do RCP, tendo cada uma desrespeitado o limite previsto nos termos do art.º 26.º, n.º 3, al. a) e c), do RCP:

1)Quanto à inclusão de valores por si pagos para efeitos de reembolso das taxas de justiça efectivamente pagas (art.º 26.º, n.º 3, al. a), do RCP),
2)E quanto à inclusão de valores entre a Autora e cada uma para efeitos de compensação de honorários de mandatário (art.º 26.º, n.º 3, al. c), do RCP).

D) Por um lado, apenas o Réu, única parte interveniente em sede de recurso além da Autora, é que poderia pedir custas de parte à Autora, ou seja, a Contrainteressada apenas tem o direito de pedir a taxa de justiça de 204,00€ e o reembolso de 102,00€ por compensação de honorários de mandatário (604,00€ / 3 – 50%), perfazendo apenas o valor global de 306,00€, não tendo o direito ao valor reclamado de 1.938,00€.

E) Por outro lado, a Ré Entidade Demandada, no valor global de 2601,00€, tais quantias fez incluir um cálculo errado das suas custas de parte re incluídas e calculadas, pois a Autora pagou ao longo dos autos as taxas num total de 1632,00€ e a Ré pagou as taxas num total de 1122,00€.

F) Portanto, para efeitos de nota de custas de parte da Ré Entidade Demandada nos termos do art.º 26.º, n.º 3, al. a) e c), do RCP apenas tem o direito:

1)Reembolso de taxas de justiça no valor de 1.122,00€;
2)Compensação de honorários de mandatário em 1ª instância de 102,00€ (612,00€ / 3 - 50%);
3)Compensação de honorários de mandatário em 2ª e 3ª instância no valor de 1.173,00€ (2.346,00€ / 2 – 50%);
4)Total de 2.397,00€ (1.122,00€+102,00€+1.173,00€)

G) Assim, a Ré entidade demandada não tem o direito ao valor de 2601,00€ mas sim ao valor de 2.397,00€.

H) Tendo sido suscitada pela Autora a violação do regime legal estabelecido nas normas de acordo com a condenação em custas pelo Tribunal (cfr. art.ºs 527.º, nºs 1 e 2, 529.º, nºs 1 e 4, 533.º nºs 1 a 3, 620.º e 628.º do CPC e art.º 26.º, n.º 3, al. a) e c), do Regulamento das Custas Processuais).

I) Do Despacho que antecede resulta a decisão de não admissão do incidente de reclamação das notas discriminativas e justificativas de custas de parte, por falta de depósito da totalidade do valor das notas no valor de 4.539,00€ (quatro mil e quinhentos e trinta e nove euros), ao abrigo do disposto no art.º 26.º-A, n.º 2, do
Regulamento das Custas Processuais (RCP) apresentado pela Autora no dia 1503-2022, sendo objecto deste recurso.

ADMISSÃO DA RECLAMAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE:

POR UM LADO,

J) Segundo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa ali referido, que se encontra disponível para consulta em

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/7f457004ca8f19 15802585ea0048cbd2?OpenDocument é que na parte final é decidido que: O que é determinante é saber se, em concreto, o montante que o reclamante tinha que depositar, a título de custas de parte, se pode considerar excessivamente oneroso, ou arbitrário e absolutamente injustificado, por forma a que se possa concluir que nesses termos haveria uma denegação do acesso à justiça, nomeadamente por insuficiência de meios económicos.”.

K) O Acórdão do Tribunal da mesma Relação disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/db0e4cbd4792 bdd8802586690030e445?OpenDocument, concretamente: A margem de liberdade do legislador ordinário para restringir/limitar direitos, liberdades e garantias encontra-se condicionada, desde logo, pelo princípio da proporcionalidade, como resulta do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República.

L) O art.º 26-A, n.º 4 do RCP foi introduzido pela Lei n.º 27/2019, de 28-03, após a declaração de inconstitucionalidade do n.º 2 do art.º 33.º da Portaria n.º 419A/2009 quer na redação que lhe foi dada pela Portaria n.º 82/2012, de 29-03 quer na sua versão originária, por violação de reserva de competência legislativa da Assembleia da República, constante do art.º 165.º, n.º 1, al. b) em conjugação com o n.º 1 do art.º 20.º, ambos da Constituição da República Portuguesa.

M) O art.º 33.º, n.º 2 da Portaria n.º 419-A/2009, de 17.04, na sua versão originária, previa que a reclamação da nota justificativa e discriminativa de custas de parte estava sujeita ao depósito de 50% do valor da nota e por via da alteração na redação daquele normativo operada pela Portaria n.º 82/2012, de 29-03, a reclamação em causa passou a estar sujeita ao depósito da totalidade do valor da nota.

N) A questão da constitucionalidade material da norma do art.º 33.º, n.º 2, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17.04 – cuja redação é idêntica à do art.º 26º-A, n.º 4, do RCP – foi objeto de apreciação pelo Tribunal Constitucional, designadamente, nos acórdãos n.ºs 347/2009 e 678/2014.

O) O acórdão do Tribunal Constitucional n.º 347/2009 assinala que a ratio da norma que faz depender a admissibilidade da reclamação e o recurso da nota discriminativa e justificativa de custas de parte do depósito prévio do montante nela fixado consiste não só em garantir o pagamento das custas mas ainda que a partir dele se fará o juízo de proporcionalidade que a convocação, para o caso, do prescrito pelo artigo 20.º da Constituição inevitavelmente impõe».

P) Como já se disse - e como sempre o tem reafirmado o Tribunal - um regime de custas que, pela sua dimensão, se mostre de tal ordem excessivo ou oneroso que acabe por inibir o acesso que o cidadão comum deve ter ao juiz e à proteção jurídica, é um regime contrário ao "equilíbrio interno ao sistema" que o disposto no n.º 1 do artigo 20.º indiscutivelmente reclama (negritos nossos).

Q) Ou seja, a norma em causa prossegue um fim legítimo, mas para se avaliar a sua adequação àquele fim, em cada caso concreto, tem de passar...

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