Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2023

Data de publicação11 Dezembro 2023
ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/14/2023/12/11/p/dre/pt/html
Gazette Issue237
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 237 11 de dezembro de 2023 Pág. 69
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 14/2023
Sumário: O crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa coletiva, previsto e punível pelo
artigo 187.º do Código Penal, pode ser cometido através de escrito.
Processo com o NUIPC 5259/19.7T9CBR.C1 -A.S1
Acórdão de fixação de jurisprudência
Acordam, em conferência, no Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
I — Relatório
1 — AA, arguido nestes autos com n.º 5259/19.7T9CBR.C1 -A.S1, veio, em 28.10.2022, inter-
por recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão do Tribunal da Relação de
Coimbra, de 28.09.2022, proferido em recurso neste mesmo processo e transitado em julgado em
13.10.2022, invocando oposição entre aquele e o acórdão de 20.02.2019, proferido pelo Tribunal
da Relação de Coimbra, no âmbito do processo n.º 316/17.7T9SEI.C1, transitado em julgado em
27.03.2019
2 — Recebido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça, a 5.ª secção, em conferência, julgou
verificada a oposição de julgados por acórdão de 11 -05 -2023 e decidiu pelo prosseguimento do
recurso.
3 — Cumprido o disposto no artigo 442.º, n.º 1, do CPP (doravante CPP), o arguido recorrente
extrai das suas alegações as seguintes conclusões que se transcrevem ipsis verbis:
«Conclusões:
1 — A questão jurídica que o recorrente pretende ver esclarecida por meio de Acórdão de
Uniformização de Jurisprudência é a de saber se o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa
colectiva, p. e p. pelos artigos 187.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea a) e b) do Código Penal, pode ou
não ser cometido por escrito, gesto, imagem ou qualquer outro meio de expressão não verbal.
2 — À luz da lei penal portuguesa e da própria Constituição, entende o recorrente, na senda
do acórdão fundamento, que tal resposta terá de ser forçosamente negativa, considerando -se não
penalmente protegida a ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva cometida por escrito,
gesto ou imagem.
3 — Na medida em que este entendimento é o único que assegura o integral cumprimento do
princípio basilar da legalidade, princípio este que constitui um dos baluartes das garantias consti-
tucionais dos cidadãos e sobre o qual assenta todo o nosso ordenamento jurídico -penal.
4 — Com efeito, o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previsto no
artigo 187.º do Código Penal, encontra -se inserido, tal como os crimes de difamação e injúria, pre-
vistos nos artigos 180.º e 181.º do mesmo diploma, no Capítulo VI — Dos Crimes Contra a Honra.
5 — Todavia, ao contrário do que sucede com estes dois últimos crimes, em que o legislador
expressamente consagrou a equiparação à difamação e injúrias verbais as feitas por escrito, gesto,
imagens ou qualquer outro meio de expressão (veja -se o disposto no artigo 182.º do C.P.), inexiste
relativamente ao crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva uma qualquer norma
que alargue as margens da punibilidade do tipo aos tais comportamentos escritos, gestuais, por
imagem, ou outro tipo de expressão distinta da verbal.
6 — Sendo que a norma remissiva do artigo 187.º, n.º 2, do Código Penal não inclui o men-
cionado artigo 182.º
7 — Partindo do pressuposto de que o legislador se exprime com clareza e com rigor na defi-
nição de cada tipo legal de crime, esta ausência de remissão expressa do artigo 187.º, n.º 2, para
o artigo 182.º não pode deixar de ser encarada como uma opção político -criminal do legislador.
N.º 237 11 de dezembro de 2023 Pág. 70
Diário da República, 1.ª série
8 — E, como tal, levará a que não se possa considerar penalmente protegida a ofensa a orga-
nismo, serviço ou pessoa colectiva cometida por escrito, gesto ou imagem, sob pena de violação
do princípio da legalidade.
9 — Termos em que, salvo o devido respeito por melhor opinião, deve ser fixada jurisprudência
no sentido de que o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelos arti-
gos 187.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea a) e b) do Código Penal, não pode ser cometido por escrito,
gesto, imagem ou qualquer outro meio de expressão não verbal.»
4 — O senhor Procurador -Geral Adjunto neste STJ, apresentou alegações, pronunciando -se:
4.1 — Pela não verificação dos requisitos substanciais previstos no artigo 437.º do CPP — opo-
sição de julgados relativamente à mesma questão de direito —, motivo pelo qual o recurso extra-
ordinário interposto deve, em conferência, ser rejeitado [artigos 440.º, n.os 3 e 4 e 441.º, n.º 1, do
C.P.P]», o que faz assentar, em síntese, nas seguintes razões:
— Em ambos os acórdãos, em cada caso concreto, são diferentes as situações de facto, como
diferentes são as normas jurídicas interpretadas e aplicadas.
Efectivamente, no caso do acórdão recorrido, estamos perante um caso em que, perante os
factos dados como provados na sentença, se entendeu estarem preenchidos os elementos objec-
tivos e subjectivos do tipo legal previstos nos artigos 187.º n.º 1 do CP e 183.º n.º 1 alíneas a) e b)
do CP. Considerou -se, ainda, que o crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva,
não obstante o artigo 187.º do CP ao não remeter para o artigo 182.º, pode ser praticado por meio
escrito.
Por sua vez, o acórdão fundamento entendeu que a acusação particular não descrevia “factos
que constituem os elementos objectivos do tipo legal de crime em apreço.” E, considerando ser
este um motivo de rejeição da acusação, nos termos do n.º 3 do artigo 311.º do CPP; manteve a
decisão da 1.ª instância.
No acórdão recorrido, o preceito cuja interpretação está em causa é o artigo 187.º n.º 3 do CP;
no acórdão fundamento, o preceito cuja interpretação está em causa é o artigo 311.º do CPP.
É verdade que o acórdão fundamento — embora essa questão não fosse objecto do recurso —,
na sua fundamentação, afirmou que «aliás, mesmo que existissem factos necessários ao preen-
chimento do tipo legal de crime previsto no artigo 187.º, n.º 1 do Código Penal, sempre poderemos
dizer que, esses factos não preencheriam também os elementos objectivos do crime porquanto
o arguido fê -lo através da de uma carta, ou seja por escrito e o artigo 187.º do Código Penal não
remete expressamente para a equiparação prevista no artigo 182.º do Código Penal».
Contudo, é sabido que a jurisprudência do STJ considera que a oposição de julgados, para
efeitos de recurso de fixação de jurisprudência, deve respeitar à decisão e não aos seus funda-
mentos (Vide acórdão do STJ, de 17.06.2010, processo n.º 1/08.0 FAVRS.E1 -A.S1; acórdão do
STJ, de 27.06.2019, Processo n.º 1958/15.0T9BRG.G1 -A.S1).
O mesmo será dizer que, no acórdão fundamento, não se decidiu se o crime de ofensa a
organismo, serviço ou pessoa colectiva, p. e p. pelo artigo 187.º, n.º 1, e 183.º, n.º 1, alínea a) e b)
do Código Penal, pode ou não ser cometido por escrito, gesto, imagem ou qualquer outro meio de
expressão não verbal, embora em sede de fundamentação tal questão tivesse sido aventada.
4.2 — Quanto ao mérito da questão suscitada, resumimos do seguinte modo a sua posição:
— A letra da lei constitui um ponto de partida para descobrir o pensamento nela contido, pois
é através das “palavras na sua recíproca ligação e segundo as regras gramaticais aplicáveis” que
se procura surpreender um significado (interpretação literal);
— Contudo, há ainda que atender à interpretação lógica ou racional, não se podendo perder
de vista que o legislador exerce a sua atividade com uma determinada finalidade e que a lei deve
ser compreendida de maneira a melhor corresponder à consecução do resultado que o legislador
quis acolher;
— Em sede de Direito Penal há que ter especiais cuidados no que concerne à interpretação
da lei por força do princípio da legalidade;

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT