Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2023

Data de publicação02 Agosto 2023
ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/7/2023/08/02/p/dre/pt/html
Número da edição149
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 149 2 de agosto de 2023 Pág. 115
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/2023
Sumário: «A ação de indemnização fundada na venda de coisa indeterminada de certo género
defeituosa está submetida ao prazo de caducidade previsto no artigo 917.º do Código
Civil, a tanto não se opondo o disposto no artigo 918.º do mesmo Código».
Processo n.º 3655/06.9TVLSB.L2.S1 -A
Recurso Extraordinário para Uniformização de Jurisprudência
Acordam no Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça:
I — RELATÓRIO
1 — PETRÓLEOS DE PORTUGAL — PETROGAL S. A. demandou oportunamente, perante o
Tribunal Cível da Comarca de Lisboa e em autos de ação declarativa com processo na forma ordi-
nária, VALLOUREC & MANNESMANN TUBES — V&M FRANCE e XL — INSURANCE COMPANY
LIMITED, pretendendo: (i) a condenação da 1.ª Ré no pagamento de € 5.824.787,99, acrescendo
juros de mora à taxa legal desde a citação, ou (ii) a condenação da 2.ª Ré nesses mesmos efeitos,
no caso de existir seguro que cubra a situação danosa que descreve, ou (iii) a condenação da
2.ª Ré no pagamento do montante coberto pelo seguro e a 1.ª Ré no pagamento do remanescente
até à quantia total de € 5.824.787,99 e juros de mora desde a citação.
Alegou para o efeito, em apertada síntese, que:
— Comprou à 1.ª Ré um lote de 429 tubos de aço de distintas características e especificações
((i) aço carbono ASTM A106 Gr B, (ii) aço ligado ASTM A335 P11 (iii) aço ligado ASTM A335P9);
— Os tubos foram adquiridos com vista à substituição dos tubos das câmaras de convecção
dos dois fornos (fornos CC -H1A e CC -H1B) de destilação atmosférica da Unidade de Destilação
Atmosférica da Refinaria de Sines da Autora;
— Instalados que foram os tubos, veio -se mais tarde a verificar a existência de fissuras pas-
santes de grande extensão em tubos de três serpentinas de um dos fornos;
— A fissuração deveu -se ao facto de os tubos, no seu processo de fabrico, levado a cabo pela
1.ª Ré, não haverem sido submetidos a um tratamento térmico de revenido adequado próprios da
especificação ASTM A335 P9;
— A Autora denunciou à 1.ª Ré os defeitos detetados, declarando, desde logo, a sua intenção
de assacar a esta as responsabilidades pelos danos que a situação lhe causou;
— A Autora teve de proceder a trabalhos de reparação dos fornos e à substituição dos tubos
danificados, suportando os inerentes custos;
— A aludida fissuração implicou a paralisação dos fornos, o que levou a que a Autora sofresse
o inerente prejuízo.
2 — Contestaram as Rés, concluindo pela improcedência da ação.
Entre o mais, excecionaram com a caducidade do direito de ação da Autora, nos termos do
art. 917.º do Código Civil (diploma a que pertencerão as normas legais que daqui em diante forem
citadas sem indicação de outra proveniência).
3 — Seguindo a causa seus devidos termos, veio, a final, a ser proferida sentença que, jul-
gando improcedente a exceção da caducidade, condenou a 1.ª Ré a pagar à Autora a quantia de
€ 2.982.143,00, acrescendo juros de mora; a 2.ª Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia a
liquidar em execução de sentença relativa aos trabalhos de reparação e substituição, acrescendo
juros de mora.
4 — Por efeito do parcial provimento da apelação que as Rés interpuseram para a Relação de
Lisboa, foi a sentença alterada parcialmente quanto à 2.ª Ré, ficando esta condenada no pagamento
à Autora da quantia que se liquidasse em execução de sentença relativa aos prejuízos sofridos
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Diário da República, 1.ª série
(acrescendo juros de mora) e da quantia que se liquidasse em execução de sentença relativa aos
trabalhos de reparação (acrescendo juros de mora desde a liquidação). Quanto à exceção da
caducidade, foi esta de igual forma considerada improcedente.
5 — Inconformadas com o assim decidido, recorreram as Rés para o Supremo Tribunal de
Justiça.
Entre outros demais fundamentos do recurso, e que para aqui não importam, pugnaram pela
procedência da exceção da caducidade do direito de ação.
Por acórdão de 1 de julho de 2021 foi decidido conceder a revista, reconhecendo -se a caduci-
dade do direito de ação da Autora, isto pelo facto de o direito ter sido exercido para além do prazo
de seis meses (sobre a denúncia dos defeitos) estabelecido no art. 917.º
6 — Transitado em julgado o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, apresenta -se agora a
Autora a interpor o presente recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência.
Alega para o efeito que o acórdão recorrido está em direta contradição, quanto à questão da
atendibilidade do prazo de caducidade do art. 917.º em sede de venda de coisa defeituosa objeto
de obrigação genérica, com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de maio de 2020(1),
proferido no processo n.º 2142/15.9T8CTB.C1.S2, também transitado em julgado.
7 — São as seguintes as conclusões que a Autora extrai da sua alegação:
A. A Autora interpõe o presente recurso de uniformização de jurisprudência do Acórdão pro-
ferido pelo STJ, que julgou o recurso de revista procedente, “atenta a procedência da invocada
caducidade do direito de acção”, absolvendo assim os Réus dos pedidos;
B. A Autora entende que se verifica uma contradição com jurisprudência anterior deste Alto
Tribunal, que apreciou a mesma questão fundamental de direito, pelo que se encontram reunidos
os requisitos de admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência, previstos na norma
do artigo 688.º do CPC;
C. Com efeito, o presente recurso, interposto de acórdão já transitado em julgado proferido
pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ), tem como fundamento a contradição de julgados entre
aquele acórdão — Acórdão Recorrido, e um outro acórdão do STJ sobre a mesma questão fun-
damental de direito no domínio da mesma legislação — Acórdão Fundamento: o recente acórdão
do STJ, datado de 5 de maio de 2020, proferido no processo n.º 2142/15.9T8CTB, transitado em
julgado em 13/07/2020;
D. São requisitos de admissibilidade do recurso de uniformização de jurisprudência: i) contra-
dição entre o acórdão recorrido e outro anteriormente proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça
relativamente à mesma questão fundamental de direito; ii) decisões proferidas no domínio da
mesma legislação; iii) qualquer dos acórdãos deve ter transitado em julgado, presumindo -se este
relativamente ao Acórdão -fundamento;
E. A questão fundamental de direito apreciada pelo STJ em ambos os Acórdãos supra iden-
tificados consiste na questão de saber se, em virtude do disposto no artigo 918.º do CC, será de
excluir do âmbito de aplicação do artigo 917.º do CC a compra e venda de coisas genéricas (cor-
respondente ao tipo de compra e venda assumidamente em causa nos dois arestos), aplicando -lhe,
consequentemente, a regra geral do artigo 309.º do CC, que estabelece o prazo de vinte anos para
a prescrição do direito;
F. Quer no Acórdão Fundamento, quer no Acórdão Recorrido, está em causa um pedido de
indemnização com fundamento na compra e venda de coisas genéricas defeituosas, tendo já
decorrido mais de seis meses desde a denúncia do defeito da coisa;
G. Sucede que, no Acórdão Fundamento, entendeu o STJ que o prazo de caducidade previsto
no artigo 917.º do CC não é aplicável aos casos de compra e venda de coisas genéricas, em vir-
tude de o artigo 918.º do CC remeter para as regras relativas ao não cumprimento das obrigações.
Ao caso deve aplicar -se, pois, o prazo geral da prescrição do direito previsto no art. 309.º do CC;
H. Diversamente, no Acórdão Recorrido, entendeu o STJ que o prazo de caducidade previsto
no artigo 917.º do CC é aplicável seja a obrigação específica ou genérica. Que no caso concreto,
ainda que esteja em causa a venda de coisa genérica, se aplica o curto prazo de caducidade pre-
visto no artigo 917.º do CC;

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