Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2023

Data de publicação09 Junho 2023
ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/5/2023/06/09/p/dre/pt/html
Número da edição111
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 111 9 de junho de 2023 Pág. 11
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2023
Sumário: As declarações feitas pelo arguido no processo perante autoridade judiciária com res-
peito pelo disposto nos artigos 141.º, n.º 4, al. b), e 357.º, n.º 1, al. b), do Código de
Processo Penal, podem ser valoradas como prova desde que reproduzidas ou lidas em
audiência de julgamento.
Processo n.º 660/19.9PBOER.L1 -A.S1
(Recurso extraordinário para fixação de jurisprudência)
Acordam no Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça:
I.
1 — O arguido AA interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência do acórdão
do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 03.11.2020, por se encontrar em oposição com
acórdão do mesmo tribunal proferido em 20.03.2018.
Por acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2021, foi julgada verificada a oposição
de julgados determinando -se o respetivo prosseguimento (art. 441.º/1, in fine, Código de Processo
Penal, diploma a que pertencem as normas citadas sem outra menção).
Notificados os sujeitos processuais interessados, apresentaram alegações o arguido e o
Ministério Público (art. 442.º/1), cujas conclusões se transcrevem:
Arguido AA:
«1 — Os autos de declaração só poderão ser valorados quando lidos ou reproduzidos em
sede de audiência e nos termos dos artigos 356.º e 357.º do CPP.
2 — E, como declara Santos Cabral, juiz -conselheiro, com a leitura e reprodução em audiência de
julgamento das declarações prestadas pelo arguido na fase de inquérito ou instrução, encontramo-
-nos perante “uma declaração que é uma opção de vontade do arguido efetuada com todas as
garantias processuais”
3 — Desta forma, as declarações do arguido serão perspetivadas num ponto de vista global,
considerando -se que, ao serem valoradas na sua totalidade, será reconhecida uma maior dignidade
do arguido enquanto sujeito processual.
4 — Face ao exposto, a declaração realizada pelo arguido, no decurso do processo, só pode
ser valorada e ponderada pelo juiz, independentemente da fase em que esta foi proferida desde
que lidas ou reproduzidas em julgamento.
5 — O legislador optou por não criar um entrave ao princípio da investigação, mas para isso
só permitiu a sua valoração, em sede de julgamento, se reproduzidas ou lidas as declarações
anteriores do arguido.
6 — A garantia do direito de defesa do arguido no exercício do princípio do contraditório ape-
nas poderá ser plenamente exercido mediante a leitura ou audição em audiência das declarações
prestadas pelo arguido, pois desse modo é dado conhecimento aos sujeitos processuais dos meios
de prova elegíveis para a formação da convicção do tribunal, possibilitando o debate e confronto
indispensável à boa decisão e à decisão justa.
7 — Dai já ter sido declarada inconstitucional por violação do artigo 32.º, n.os 1 e 5, conjugado
com o artigo 18.º, n.º 2, ambos da Constituição, a norma extraída dos artigos 355.º, n.
os
1 e 2,
e 356.º, n.º 9, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 357.º, todos do Código de Processo
Penal, na interpretação segundo a qual podem valer em julgamento as declarações do arguido a
que se refere o artigo357.º, n.º 1, alínea b), do referido Código, sem que tenha havido lugar à sua
reprodução ou leitura em audiência, por decisão documentada em ata. (cf. Ac. n.º 770/2020 da
3.ª secção de 21.12.2020).
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Diário da República, 1.ª série
Termos em que somos do entendimento que deve ser fixada jurisprudência no sentido
seguinte:
Não constando dos autos que o tribunal tenha procedido à leitura ou reprodução em audiên-
cia das declarações do arguido prestadas perante autoridade judiciária, existe valoração de prova
que não foi produzida ou examinada na audiência, incorrendo violação do disposto no artigo 355.º,
n.º 1, do CPP, integrando as mesmas prova proibida, sendo a consequência processual inerente
a da exclusão dessa prova do conjunto das que foram valoradas na fundamentação da matéria de
facto levada a cabo na decisão recorrida».
Ministério Público:
«1) A regra prevista no n.º 1 do art. 355.º é a da observância, em julgamento, da imediação e
do contraditório, princípios com assento constitucional.
2) A tais princípios subjaz o reconhecimento de que o contacto directo com os intervenien-
tes processuais, enquanto declarantes ou depoentes, permite ao tribunal, de forma privilegiada,
apreender as suas emoções, dúvidas, hesitações e certezas.
3) O n.º 2 do art. 355.º contém uma excepção àquela regra e permite a valoração da prova prévia
ao julgamento, concretamente, de provas contidas em actos processuais cuja leitura, visualização
ou audição sejam permitidas nos termos dos artigos 356.º e 357.º
4) O art. 357.º n.º 1 do CPP foi profundamente alterado pela Lei n.º 20/2013, de 21/02, ao
permitir, sem qualquer limitação, na al. b), a reprodução e leitura das declarações do arguido
prestadas perante autoridade judiciária, com assistência por defensor e desde que aquele tenha
sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º, do
mesmo código.
5) A Proposta de Lei n.º 77/XII alicerça a alteração daquela norma — al. b) do n.º 1, do
art. 357.º — no facto de a quase total indisponibilidade de utilização superveniente das declara-
ções prestadas pelo arguido nas fases anteriores ao julgamento, decorrente da redacção da norma
vigente, conduzir, em muitos casos, a situações de indignação e incompreensão dos cidadãos
quanto ao sistema de justiça.
6) O auto de declarações do arguido perante autoridade judiciária, desde que assistido por
defensor e informado nos termos e para os efeitos do artigo 141.º n.º 4 alínea b) do CPP, é um dos
autos cuja leitura é permitida.
7) Uma vez que a leitura das aludidas declarações do arguido se integra na ressalva do n.º 2
do art. 355.º, há que concluir que se está perante uma excepção à regra de que só valem em julga-
mento, para o efeito de formação da convicção do tribunal, as provas que tiverem sido produzidas
ou examinadas em audiência.
8) O entendimento de que, mesmo não tendo sido produzidas ou examinadas em audiência,
tais declarações valem para o efeito de formação da convicção do tribunal, infere -se ainda do n.º 1
do art. 357.º, quando estabelece que a reprodução ou leitura de declarações anteriormente feitas
pelo arguido “só é permitida”.
9) A “permissão” de se proceder à leitura dos autos ali mencionados traduz -se numa faculdade
e não numa obrigação, se assim fosse o legislador tê -lo -ia dito expressamente.
10) Sendo uma mera faculdade, a ausência de leitura dessas declarações não pode ter como
consequência que essa prova não possa valer em julgamento.
11) Não decorrendo, implícita ou expressamente da lei, a obrigatoriedade da leitura de tais
declarações, outra solução levaria a uma contradição manifesta com o art. 355.º n.º 2, do CPP,
donde decorre que as provas contidas em atos processuais cuja leitura, visualização ou audição
em audiência sejam permitidas, valem em julgamento ainda que não tenham sido produzidas ou
examinadas em audiência.
12) A solução adoptada pelo Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 770/2020, de 21/12, a
pretexto do respeito pleno pelo arguido e da sua vontade, acarreta uma total e inadmissível des-
responsabilização processual do arguido.
13) Nada impede que o próprio arguido requeira ao tribunal que proceda à leitura das suas
declarações no julgamento e, portanto, no exercício do seu direito de audiência, é -lhe sempre

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