Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022

ELIhttps://data.dre.pt/eli/acstj/2/2022/01/26/p/dre/pt/html
Data de publicação26 Janeiro 2022
Número da edição18
SeçãoSerie I
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça
N.º 18 26 de janeiro de 2022 Pág. 20
Diário da República, 1.ª série
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 2/2022
Sumário: O dano da perda de chance processual, fundamento da obrigação de indemnizar, tem
de ser consistente e sério, cabendo ao lesado o ónus da prova de tal consistência e
seriedade.
Proc. n.º 34545/15.3T8LSB.L1.S2 -A
Acordam, em pleno das Secções Cíveis, no Supremo Tribunal de Justiça
I — Relatório
AA instaurou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra BB e
Mapre Seguros Gerais, S. A., pedindo que:
a) Seja o 1.º R. condenado no pagamento ao A. da quantia de € 447.750,00, acrescida de
juros no valor de € 72.315,68, num total de € 520.068,68, acrescida de juros de mora vencidos e
vincendos;
b) Seja a 2.ª R. condenada a pagar a parte do valor da alínea anterior que lhe corresponda
por via do contrato de seguro correspondente à apólice n.º 000, desconhecendo o A. qual o limite
do capital segurado ao 1° R. na medida em que desconhece se os RR. celebraram entre si reforço
de capital.
Alegou, em síntese, que intentou ação contra Águas de S. José, L.
da
, CC e DD, ação que correu
termos no Tribunal Judicial... e em que pedia a condenação dos RR. no pagamento da quantia de
€ 447.750,00 e juros no montante de € 72.315,68; ação em que o tribunal, na sentença proferida
em 1.ª Instância, concluiu que a R. sociedade teria estado obrigada a restituir -lhe a quantia de
€ 125.000,00 acrescida de juros remuneratórios e moratórios, mas em que, considerando que
já havia entregue ao A. a quantia de € 138.997,28, superior à quantia em dívida, julgou extinta a
referida obrigação de restituição e absolveu todos os RR..
Ora, segundo o A., tal sentença da 1.ª Instância incorreu em erro manifesto na análise da
prova, mormente a documental, com consequente erro quanto à matéria de facto que deu como
provada, razão pela qual, inconformado com a mesma, deu instruções expressas ao aqui 1.º R.,
seu advogado, para, em seu nome, interpor recurso, o qual foi apresentado pelo 1.º R. sem conter
alegações, razão pela qual não foi admitido.
Assim, por causa de tal conduta do 1.º R., resultaram para si prejuízos, decorrentes de ter
perdido o direito a ver reapreciado o litígio em sede de recurso e do ganho de causa que tal rea-
preciação lhe traria.
Os RR. contestaram, separadamente.
A R. Mapfre Seguros Gerais, S. A. admitiu a celebração de contrato de seguro com a Ordem
dos Advogados, limitando a sua responsabilidade ao capital seguro, com a dedução da franquia; e
impugnou os factos alegados pelo A., invocando, em síntese, que não existiu atuação ilícita imputável
ao lº R., que a alegada omissão do lº R. não acarretou para o A. quaisquer danos ou prejuízos, que
não existe nexo de causalidade entre a alegada omissão e a improcedência da pretensão do A. no
processo e que, na perda de chance, o que deve ser indemnizado é a ausência da possibilidade
do constituinte ter tido a sua pretensão apreciada pelo tribunal e não o valor que esse processo
lhe poderia eventualmente propiciar.
O 1.º R. invocou que da sua conduta não resultaram danos para o ora A.
Foi realizada a audiência prévia, proferido despacho saneador — que considerou a instância
totalmente regular, estado em que se mantém — e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.
Instruído o processo e realizada a audiência de julgamento, o Exmo. Juiz proferiu sentença,
em que julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo os RR. do pedido.
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Diário da República, 1.ª série
Inconformado, interpôs o A. recurso de apelação para o Tribunal da Relação…, que, por acór-
dão de fls. 1087, julgou o recurso improcedente, confirmando a decisão recorrida.
De novo inconformado, interpôs o A. recurso de revista — que foi admitido excecionalmente
(cf. art. 672.º/3 do CPC) por acórdão de fls. 1192 da Formação — tendo este Supremo Tribunal de
Justiça, por acórdão de 23/04/2020 (fls. 1208 a 1244), negado a revista.
Ainda e mais uma vez inconformado, veio o A. interpor recurso para o Pleno das Secções Cí-
veis do Supremo Tribunal de Justiça, com vista à uniformização de jurisprudência, nos termos dos
artigo 688.º e ss. do CPC, invocando, como fundamento, a contradição entre o Acórdão recorrido
e o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2013, proferido no processo
n.º 488/09.4TBESP.P1.S1, tendo, após aperfeiçoamento, formulado conclusões a identificar como
questão fundamental de direito (decidida de forma contraditória nos acórdãos em confronto) saber
se numa ação de responsabilidade civil por perda de chance processual é suficiente fazer prova
da violação (que se presume culposa) dos deveres contratuais a que o mandatário forense está
adstrito para, “dispensando o labor do julgamento para provar que o dano existiu”, o autor/cliente
ter direito a ser indemnizado pelo dano da perda de chance.
Os Recorridos responderam, em separado, pugnando pela inadmissibilidade do recurso.
O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência foi admitido, liminarmente, por
decisão proferida em 30/11/2020 (constante de fls. 80 a 93), reconhecendo -se que o Acórdão
recorrido e o Acórdão fundamento indicado (do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de
2013, proferido no processo n.º 488/09.4TBESP.P1.S1), foram proferidos no domínio da mesma
legislação e que ocorre, entre ambos, a invocada contradição quanto à mesma questão fundamental
de direito.
Consignou -se a propósito:
“[...]
Ao interpretar a norma do n.º 1 do artigo 688.º do CPC, vem a jurisprudência deste Supremo
Tribunal afirmando que a admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência exige que
se verifique uma contradição entre decisões do Tribunal, desde que ocorram cumulativamente as
seguintes condições: identidade da questão fundamental de direito; identidade do regime normativo
aplicável; essencialidade da divergência para a resolução de cada uma das causas.
[...]
o acórdão recorrido afirmou o seguinte:
«Tendo ficado provado que o 1.º R., na qualidade de mandatário do A., atuou ilicitamente ao
não interpor recurso de apelação da sentença da Vara Mista… (factos provados 20 a 22), não ofe-
rece dúvida, nem os RR. o impugnam, ter aquele violado os deveres a que se encontrava adstrito
pelo contrato de mandato forense celebrado com o A.
Assim sendo, não está em causa o preenchimento do pressuposto da ilicitude, mas antes
dos pressupostos do dano e da causalidade, à luz da denominada doutrina da perda de chance
processual.»
[...]
Concluiu o acórdão -fundamento o seguinte:
«Como assim, a ré violou, ilícita e culposamente, o contrato de mandato forense que celebrou
com o autor, deixando de satisfazer, pontualmente, a obrigação de entrega oportuna do requerimento
probatório a que estava vinculada, o que importa o cumprimento defeituoso da obrigação, e que a
torna responsável pelo prejuízo causado ao credor, nos termos das disposições combinadas dos
artigos 798.º e 799.º, n.º 1, ambos do CC.»
Para o que ora releva, conclui -se que tanto o acórdão recorrido como o acórdão -fundamento
reconheceram existir uma situação de incumprimento (presumidamente culposo) do contrato de
mandato forense, passando a apreciar, à luz da doutrina da perda de chance processual, da veri-
ficação dos pressupostos do dano e do nexo de causalidade adequada entre a conduta ilícita do
devedor mandatário e o dano.

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