Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2011, de 09 de Junho de 2011

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2011 Processo n.º 4319/07.1TTLSB.L1.S1 (revista) — 4.ª Secção Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I — 1 — Em 19 de Setembro de 2007, no 4.º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, o SITECSA — Sindicato dos Técnicos de Segurança Aérea veio instaurar a presente acção de interpretação de cláusulas da convenção colectiva de trabalho contra a Navegação Aérea de Portugal — NAV Portugal, E. P. E., o SITAVA — Sindicato dos Trabalha- dores da Aviação e Aeroportos e o SITNA — Sindicato dos Técnicos de Navegação Aérea, pedindo que o n.º 8 da cláusula 34.ª do acordo de empresa (AE) específico para os técnicos de telecomunicações aeronáuticas, do- ravante TTA, publicado no Boletim do Trabalho e Em- prego (BTE), 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, fosse interpretado «como não contendo a obrigação de con- dução das viaturas de serviço, sendo necessário o acordo ou consentimento dos TTA para o efeito, sem que possam ser penalizados, de qualquer forma, pela recusa de condução». Os restantes outorgantes do AE foram citados para apresentarem as suas alegações e oferecerem prova, nos termos do artigo 184.º do Código de Processo do Traba- lho, mas apenas a Navegação Aérea de Portugal — NAV Portugal, E. P. E., alegou, tendo defendido que do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, conjugado com os n. os 9 e 10 da mesma cláusula, «resulta a obrigação de o TTA assegurar a condução da viatura de serviço para a realização de tarefas de manutenção correctiva ou preventiva em equipamentos ou sistemas de apoio à navegação aérea sempre que tal se mostre necessário, nomeadamente por não existir motorista disponível para assegurar a dita condução e desde que o TTA esteja legalmente habilitado a conduzir a viatura, bem como que o cumprimento de tal obrigação não é exigível aos TTA nas situações previstas nos n. os 9 e 10 da mesma cláusula». O autor apresentou resposta às sobreditas alega- ções, tendo a Navegação Aérea de Portugal — NAV Portugal, E. P. E., respondido àquele articulado, pugnando, para além do mais, no sentido da sua inadmissibilidade, sendo certo que ambos os articulados, porque considerados inadmissíveis, foram dados como não escritos.

Subsequentemente, foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto as- sente e controvertida.

Realizado julgamento, foi produzida sentença que jul- gou a acção procedente e fixou a interpretação do n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, «no sentido de que o mesmo não contém qualquer obrigatoriedade de condução de via- turas de serviço por parte do TTA, sendo antes necessário o seu acordo ou consentimento para o efeito». 2 — Inconformada, a Navegação Aérea de Portu- gal — NAV Portugal, E. P. E., interpôs recurso de apela- ção para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu julgar procedente o recurso interposto, fixando que «o n.º 8 da cláusula 34.ª do AE TTA (publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006) deve ser interpretado no sentido de que aí se estabelece a obrigação de condução de viaturas de serviço pelos TTA sempre que tal tarefa se mostre necessária ao exercício da sua actividade». É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que o autor, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes: «1.ª Com o devido respeito, parece -nos que o douto aresto ora em crise ao revogar a sentença de 1.ª instância nem atendeu à factualidade apurada como provada nem se socorreu correctamente do direito aplicável — assim violando o artigo 9.º e os artigos 236.º a 238.º do Código Civil; as cláusulas 34.ª e 23.ª, n. os 1 e 3, do AE TTA, publicado no BTE, 1.ª série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, e o artigo 13.º da CRP; na verdade 2.ª Os autos contêm elementos probatórios bastan- tes para concluir que a interpretação do n.º 8 da cláu- sula 34.ª do AE TTA em apreço terá de ser fixada no sentido de que não existe obrigatoriedade de condução de viaturas de serviço por parte do TTA, sendo neces- sário o seu acordo expresso para o efeito.

Só assim se respeitará o princípio do tratamento mais favorável, aplicável também na interpretação das leis laborais; 3.ª É certo que, enquanto intérprete, o julgador não se deve confinar ao elemento literal, sendo importante atender ainda aos elementos lógico, sistemático, histó- rico e teleológico, para melhor conseguir determinar o que a lei expressa; Contudo, ‘o enunciado linguístico da norma repre- senta o ponto de partida da actividade interpretativa na medida em que esta deve procurar reconstituir a partir dele, o pensamento das partes outorgantes da convenção’. Por outras palavras, a letra da lei é um elemento ir- removível da interpretação, ou um ‘limite da busca do espírito’, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que im- perfeitamente expresso.

Ou, como nos diz Júlio Gomes, citado no douto acór- dão recorrido: ‘[...] apesar da sua inerente ambiguidade, a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpreta- ção, não se devendo, sobretudo, permitir que as partes obtenham pela interpretação aquilo que em rigor não conseguiriam pela negociação.’ 4.ª Ora, salvo melhor opinião, da conjugação destes elementos interpretativos, e tendo em conta a factuali- dade apurada nos autos, não conseguimos vislumbrar como pode concluir -se que na cláusula em apreço está consignado ‘um poder -dever’ que comporta para o tra- balhador a obrigação de conduzir viaturas de serviço.

A Veneranda Relação ao concluir como concluiu destituiu de qualquer valoração a letra do n.º 8 da cláu- sula 34.ª do AE TTA, modificando o seu sentido, pelo que não se situa já no âmbito do sentido literal possí- vel — permitindo à ré NAV obter por esta via aquilo que em rigor não conseguiu alcançar na negociação do AE; 5.ª Ora, no caso sub judice, na letra do acordo a ex- pressão ‘poderá’ tem de ser interpretada como uma faculdade e não como uma obrigatoriedade; 6.ª Como nos ensina Hespanha, a interpretação: ‘[...] há -de ter um sentido (uma motivação, um con- junto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador.

Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma em vez de interpretar uma norma já existente.’ Efectivamente, ‘Na interpretação do clausulado de uma convenção colectiva, no estrito atendimento do caso concreto, quer no caso das cláusulas normativas ou de conteúdo regulativo quer nas de conteúdo obrigacional, deverá prevalecer o sentido objectivado, com um mínimo de correspondência com o texto legal, afastando -se a pos- sibilidade de uma interpretação segundo a vontade das partes, que não corresponda [à] vontade declarada.’ 7.ª Que a vontade expressa das partes outorgantes do AE TTA era a de configurar a condução de viatu- ras (nas condições ali previstas) como uma faculdade e não um[a] obrigação do TTA prova -o o facto de o mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não exigir carta de condução como condição de acesso ou admissão à categoria de TTA nem aí se prever como função de um TTA a condução de veículos (cláusula 22.ª do mesmo AE). Mas, mais relevante ainda, é que o exercício dessa tarefa se enquadra no âmbito do exercício temporário de outras funções, para o qual o AE TTA impõe, na sua cláusula 23.ª, o acordo expresso do TTA; 8.ª Assim, a prevalecer o entendimento de que esta- mos no âmbito de uma ‘obrigação contratual’, estar -se -á a dar um favorecimento injustificado à entidade empre- gadora, permitindo -se -lhe que lance mão ao exercício, pelo trabalhador, de funções não compreendidas na sua categoria profissional, ao arrepio das normas que regem esta matéria, desfigurando a natureza excepcional que está intrínseca à figura da mobilidade funcional.

E este favorecimento abusivo do empregador cons- tituirá um abuso de direito, nos termos do artigo 334.º do CC; 9.ª Por outro lado, sendo obrigatória a condução de viaturas pelos TTA que possuam habilitação legal para tanto, essa mesma obrigação não será exigível a quem não tenha carta de condução, o que levará a empresa a aplicar um tratamento diferente a trabalhadores com a mesma categoria profissional, violando -se o princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP; 10.ª Sempre com a devida vénia, também não podemos aceitar o entendimento de que a prática, posterior ao AE TTA de 2006, de todos os TTA passarem a conduzir via- turas de serviço ‘evidencia que para a generalidade dos TTA era entendimento que a condução de viaturas cons- tituía uma obrigação que decorria do referido AE TTA’. E não podemos aceitar, desde logo, porque a prática só pode ser valorizada quando acompanhada da convic- ção da obrigatoriedade da norma que lhe corresponde, resultando da prova carreada para os autos que isso não aconteceu: Nos factos provados (n. os 9 e 10) apurou -se que os TTA se rebelaram contra essa ‘prática’, tendo até sido necessário emitir uma comunicação interna sobre esta matéria e enviar uma carta a outro TTA, tendo os tra- balhadores sido expressamente advertidos de que a re- cusa da condução das viaturas de serviço constituía um incumprimento dos deveres laborais, com as inerentes consequências; e Logo em 2007, o SITECSA, sindicato representativo dos interesses dos TTA, interpôs a presente acção de interpretação, o que revela, por si só, que a aceitação da natureza obrigatória desta cláusula foi tudo menos pacífica por parte dos TTA; 11.ª Como é bom de ver, os TTA, ao serem advertidos pela empresa de que a recusa a conduzir viaturas de serviço seria qualificada como incumprimento contra- tual e bem sabendo que ao continuarem a opor -se a tal directiva (ainda que...

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