Acórdão nº 4319/07.1TTLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Maio de 2011

Magistrado ResponsávelPINTO HESPANHOL
Data da Resolução04 de Maio de 2011
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1.

Em 19 de Setembro de 2007, no Tribunal do Trabalho de Lisboa, 4.º Juízo, SITECSA – SINDICATO DOS TÉCNICOS DE SEGURANÇA AÉREA veio instaurar a presente acção de interpretação de cláusulas de convenção colectiva de trabalho contra NAVEGAÇÃO AÉREA DE PORTUGAL – NAV PORTUGAL, E.P.E., SITAVA – SINDICATO DOS TRABALHADORES DA AVIAÇÃO E AEROPORTOS e SITNA – SINDICATO DOS TÉCNICOS DE NAVEGAÇÃO AÉREA pedindo que o n.º 8 da Cláusula 34.ª do Acordo de Empresa (AE) específico para os técnicos de telecomunicações aeronáuticas, doravante TTA, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), 1.ª Série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, fosse interpretado «como não contendo a obrigação de condução das viaturas de serviço, sendo necessário o acordo ou consentimento dos TTA para o efeito, sem que possam ser penalizados, de qualquer forma, pela recusa de condução».

Os restantes outorgantes do AE foram citados, para apresentarem as suas alegações e oferecerem prova, nos termos do artigo 184.º do Código de Processo do Trabalho, mas apenas a Navegação Aérea de Portugal – NAV Portugal, E.P.E., alegou, tendo defendido que do n.º 8 da Cláusula 34.ª do AE TTA, conjugado com os n.os 9 e 10 da mesma Cláusula, «resulta a obrigação do TTA assegurar a condução da viatura de serviço para a realização de tarefas de manutenção correctiva ou preventiva em equipamentos ou sistemas de apoio à navegação aérea sempre que tal se mostre necessário, nomeadamente por não existir motorista disponível para assegurar a dita condução e desde que o TTA esteja legalmente habilitado a conduzir a viatura, bem como que o cumprimento de tal obrigação não é exigível aos TTA nas situações previstas nos n.os 9 e 10 da mesma cláusula».

O autor apresentou resposta às sobreditas alegações, tendo a Navegação Aérea de Portugal – NAV Portugal, E.P.E., respondido àquele articulado, pugnando, para além do mais, no sentido da sua inadmissibilidade, sendo certo que ambos os articulados, porque considerados inadmissíveis, foram dados como não escritos.

Subsequentemente, foi proferido despacho saneador, tendo sido dispensada a selecção da matéria de facto assente e controvertida.

Realizado julgamento, foi produzida sentença que julgou a acção procedente e fixou a interpretação do n.º 8 da Cláusula 34.ª do AE TTA, publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 6, de 15 de Fevereiro de 2006, «no sentido de que o mesmo não contém qualquer obrigatoriedade de condução de viaturas de serviço por parte do TTA, sendo antes necessário o seu acordo ou consentimento para o efeito».

  1. Inconformada, a Navegação Aérea de Portugal – NAV Portugal, E.P.E., interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Lisboa, o qual decidiu julgar procedente o recurso interposto, fixando que «o n.º 8 da Cláusula 34.ª do AE TTA (publicado no BTE, 1.ª Série, n.º 6, de 15.02.2006) deve ser interpretado no sentido de que aí se estabelece a obrigação de condução de viaturas de serviço pelos TTA, sempre que tal tarefa se mostre necessária ao exercício da sua actividade».

    É contra esta decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que o autor, agora, se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões seguintes: «1ª Com o devido respeito, parece-nos que o douto aresto ora em crise, ao revogar a sentença de 1ª Instância, nem atendeu à factualidade apurada como provada, nem se socorreu correctamente do direito aplicável — assim violando o art. 9º e os arts. 236º a 238º do Código Civil; a cláusula 34ª e a cláusula 23ª, nºs 1 e 3, do AE/TTA, publicado no BTE, 1ª série, nº 6, de 15/02/2006; e o art. 13º da CRP; na verdade, 2ª Os autos contêm elementos probatórios bastantes para concluir que a interpretação do nº 8 da Cl 34ª do AE/TTA em apreço, terá que ser fixada no sentido de que não existe obrigatoriedade de condução de viaturas de serviço por parte do TTA, sendo necessário o seu acordo expresso para o efeito.

    Só assim se respeitará o princípio do tratamento mais favorável, aplicável também na interpretação das leis laborais.

    1. É certo que, enquanto intérprete, o Julgador não se deve confinar ao elemento literal, sendo importante atender ainda aos elementos lógico, sistemático, histórico e teleológico, para melhor conseguir determinar o que a lei expressa.

      Contudo, “o enunciado linguístico da norma representa o ponto de partida da actividade interpretativa, na medida em que esta deve procurar reconstituir a partir dele, o pensamento das partes outorgantes da convenção”.

      Por outras palavras, a letra da lei é um elemento irremovível da interpretação, ou um “limite da busca do espírito”, não podendo ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.

      Ou, como nos diz Júlio Gomes, citado no douto acórdão recorrido, “…apesar da sua inerente ambiguidade, a letra do acordo é o ponto de partida e a baliza da interpretação, não se devendo, sobretudo permitir que as partes obtenham pela interpretação aquilo que em rigor não conseguiriam pela negociação”.

    2. Ora, salvo melhor opinião, da conjugação destes elementos interpretativos, e tendo em conta a factualidade apurada nos autos, não conseguimos vislumbrar como pode concluir-se que na cláusula em apreço está consignado “um poder-dever” que comporta para o trabalhador a obrigação de conduzir viaturas de serviço.

      A Veneranda Relação, ao concluir como concluiu, destituiu de qualquer valoração a letra do nº 8 da Cl 34ª do AE/TTA, modificando o seu sentido, pelo que não se situa já no âmbito do sentido literal possível — permitindo à ré NAV obter por esta via aquilo que em rigor não conseguiu alcançar na negociação do AE.

    3. Ora, no caso sub judice, na letra do acordo a expressão “poderá” tem que ser interpretada como uma faculdade e não como uma obrigatoriedade.

    4. Como nos ensina Hespanha, a interpretação: “(…) há-de ter um sentido (uma motivação, um conjunto de objectivos) que caiba razoavelmente no sentido literal da declaração do legislador. Sob pena de, se isto não acontecer, se estar a criar uma nova norma, em vez de interpretar uma norma já existente”.

      Efectivamente, “Na interpretação do clausulado de uma convenção colectiva, no estrito atendimento do caso concreto, quer no caso das cláusulas normativas ou de conteúdo regulativo, quer nas de conteúdo obrigacional, deverá prevalecer o sentido objectivado, com um mínimo de correspondência com o texto legal, afastando-se a possibilidade de uma interpretação segundo a vontade das partes, que não corresponda [à] vontade declarada”.

    5. Que a vontade expressa das partes outorgantes do AE/TTA era a de configurar a condução de viaturas (nas condições ali previstas) como uma faculdade e não um[a] obrigação do TTA prova-o o facto do mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho não exigir carta de condução como condição de acesso ou admissão à categoria de TTA, nem aí se prever, como função de um TTA, a condução de veículos (cl. 22ª do mesmo AE).

      Mas, mais relevante ainda, é que o exercício dessa tarefa se enquadra no âmbito do exercício temporário de outras funções, para o qual o AE/TTA impõe, na sua cláusula 23ª, o acordo expresso do TTA.

    6. Assim, a prevalecer o entendimento de que estamos no âmbito de uma “obrigação contratual”, estar-se-á a dar um favorecimento injustificado à entidade empregadora, permitindo-se-lhe que lance mão ao exercício, pelo trabalhador, de funções não compreendidas na sua categoria profissional, ao arrepio das normas que regem esta matéria, desfigurando a natureza excepcional que está intrínseca à figura da mobilidade funcional.

      E este favorecimento abusivo do empregador constituirá um abuso de direito, nos termos do art. 334º do C.C.

    7. Por outro lado, sendo obrigatória a condução de viaturas pelos TTA’s que possuam habilitação legal para tanto, essa mesma obrigação não será exigível a quem não tenha carta de condução, o que levará a empresa a aplicar um tratamento diferente a trabalhadores com a mesma categoria profissional, violando-se o princípio da igualdade previsto no art. 13º da C.R.P.

    8. Sempre com a devida vénia, também não podemos aceitar o entendimento de que a prática, posterior ao AE/TTA de 2006, de todos os TTA’s passarem a conduzir viaturas de serviço “evidencia que para a generalidade dos TTA’s era entendimento que a condução de viaturas constituía uma obrigação que decorria do referido AE/TTA”.

      E não podemos aceitar, desde logo, porque a prática só pode ser valorizada quando acompanhada da convicção da obrigatoriedade da norma que lhe corresponde, resultando da prova carreada para os autos que isso não aconteceu: – Nos FACTOS PROVADOS (nºs 9 e 10), apurou-se que os TTA’s se rebelaram contra essa “prática”, tendo até sido necessário emitir uma Comunicação Interna sobre esta matéria, e enviar uma carta a outro TTA, tendo os trabalhadores sido expressamente advertidos de que a recusa da condução das viaturas de serviço constituía um incumprimento dos deveres laborais, com as inerentes consequências; e, – Logo em 2007, o SITECSA, sindicato representativo dos interesses dos TTA’s, interpôs a presente acção de interpretação, o que revela, por si só, que a aceitação da natureza obrigatória desta cláusula foi tudo menos pacífica, por parte dos TTA’s.

    9. Como é bom de ver, os TTA’s ao serem advertidos pela Empresa de que a recusa a conduzir viaturas de serviço seria qualificada como incumprimento contratual, e bem sabendo que ao continuarem a opor-se a tal directiva (ainda que a reputassem de ilegal) iriam sofrer consequências disciplinares que colocariam em risco o próprio vínculo laboral, foram compelidos a acatar a ordem emanada, recorrendo antes à via judicial (através do seu Sindicato) para ver salvaguardado um direito que a Empresa insistia em denegar-lhes.

    10. Estamos ainda com o Mto Juiz de 1ª...

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