Acórdão nº 2757/23.1YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 03 de Janeiro de 2024

Magistrado ResponsávelMARIA DO CARMO SILVA DIAS (RELATORA DE TURNO)
Data da Resolução03 de Janeiro de 2024
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça Relatório I.

Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28.11.2023 foi autorizada a extradição para o Brasil do cidadão de nacionalidade brasileira AA, ali melhor identificado, para cumprimento da pena de 8 anos e 2 meses de prisão, em que se mostra condenado no processo n.º .....83-55.2013.........0023, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital, ..., Tribunal de Justiça de ..., Brasil.

II.

Inconformado com esse acórdão recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça, AA, alegando, em resumo: - ter sido cerceado a sua defesa, na fase do julgamento do processo de extradição, por terem sido indeferidas todas as diligências requeridas na oposição que apresentou, sem qualquer notificação para explicar as razões porque pretendia que as mesmas fossem efetuadas/cumpridas e, apesar de ter apresentado posteriormente novo requerimento a explicar as razões pelas quais pretendia que aquelas diligências fossem realizadas, mesmo assim foram indeferidas, as quais eram essenciais para dirimir as questões e dúvidas que norteavam a violação dos direitos humanos constatada pelo Supremo Tribunal Federal do Brasil, requerendo, assim, que seja anulado o julgamento efetuado pela Relação e, realizadas as diligências por si pedidas, devendo depois ser submetido a novo julgamento e, também, restituído de imediato à liberdade, nos termos do art. 52.º, n.º 1, da Lei 144/99, de 31.08, por excesso do prazo de detenção (65 dias); - conforme alegou na oposição que apresentou, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal do Brasil, em julgamento de 4.10.2023, por decisão unânime na ADPF n.º 347, reconheceu a existência de um cenário de violação massiva de direitos fundamentais no sistema prisional brasileiro, em que são negados aos presos, por exemplo, os direitos à integridade física, alimentação, higiene, saúde, estudo e trabalho, tendo sido ainda estabelecido que, a atual situação das prisões no Brasil compromete a capacidade do sistema de cumprir os fins de garantir a segurança pública e ressocializar os presos, pelo que não deve ser determinada a sua extradição para aquele país, com base no art. 3.º, n.º 1, do Tratado de Extradição entre o Brasil e Portugal, não devendo ser ignorado aquele acórdão de 4.10.2023, que declara que o sistema prisional do seu país “viola massivamente os direitos humanos”, sob pena de se estar a ser conivente com a violação dos direitos humanos, devendo ter-se em atenção o disposto nos arts. 2.º e 5.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU), 7.ºe 10.º, n.º 1 e n.º 3, do Pacto Internacional Sobre Direitos Civis e Políticos e 16.º, n.º 1, da Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes, não sendo aplicáveis primacialmente (como alegado no acórdão recorrido) as normas da Convenção CPLP, por haver uma lacuna e, assim serem aplicáveis as normas dos arts. 3.º e 18.º, n.º 2, da Lei 144/99, além do art. 3, n.º 1, al. e), da Convenção CPLP, havendo uma contradição no acórdão recorrido.

Termina realçando que se OPÕE veementemente à sua extradição, uma vez que se for transferido para o Brasil, não terá condições de ser ressocializado, sendo certo que será submetido a tratamentos desumanos e situações degradantes, pedindo: a) Seja acolhida a preliminar suscitada, para anular o d. Acórdão por cerceamento de defesa, determinando que sejam efetuadas as diligências e produzidas as provas requeridas pelo recorrente em sede de Oposição, para que então seja submetido a novo julgamento, bem como seja imediatamente restituído à liberdade em razão de excesso de prazo, nos termos do art. 52.º, n.º 1 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto; b) Não sendo acolhida a preliminar, seja o presente recurso recebido e processado, para ao final ser julgado TOTALMENTE PROCEDENTE, reformando, assim, a decisão proferida pelo E. Tribunal da Relação de Lisboa, recusar a extradição do recorrente pela comprovada violação dos direitos humanos pelo Estado requerente, com fulcro nos arts. 3.º, n.º 1, alínea e) da Convenção CPLP e do art. 18.º, n.º 2 da Lei n.º 144/99 de 31 de agosto.

c) Provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, especialmente a junção de documentos; Por fim, pede deferimento.

  1. O Ministério Público junto do Tribunal da Relação respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido mostra-se corretamente fundamentado de facto e direito, tendo o Tribunal recorrido realizado todas as diligências úteis e necessárias.

    1. Não se vê que a extradição para o Brasil tenha como segura consequência a colocação em risco da integridade física ou da vida do extraditando.

    2. A ser assim, a argumentação apresentada pelo Recorrente não tem qualquer fundamento e como tal o douto Acórdão recorrido não merece nenhum reparo ou censura.

      Termina que seja mantido o acórdão recorrido e negado provimento ao recurso.

      IV.

      Subiram os autos a este Supremo Tribunal de Justiça e, no exame preliminar a Relatora ordenou que os autos fossem aos vistos legais.

      V.

      Um dia antes da data designada para a conferência, sendo hoje junto a estes autos de recurso, veio o recorrente apresentar requerimento e juntar diversos documentos, pedindo a suspensão do conhecimento do presente Recurso até que as autoridades brasileiras se manifestem acerca da manutenção do interesse na sua extradição e, consequentemente, seja o presente processo excluído da tabela de 03.01.2024.

      Para tanto invoca que, “como consta do processo de extradição, o processo de execução da pena do extraditando foi suspenso no Brasil até manifestação do departamento responsável quanto ao preenchimento dos requisitos para o cumprimento da pena em Portugal”, acontecendo que “o Brasil está em recesso forense, o que, pese embora não interrompa a tramitação do presente processo, acaba por atrasar pela redução de efetivos.” Acrescenta que, é possível confirmar a veracidade do acórdão brasileiro junto a estes autos pelo certificado de autenticidade do documento, que “Assim sendo, não faz sentido que este processo de extradição seja julgado agora, se o próprio processo de execução de sentença que deu origem ao presente processo se encontra suspenso. E mais, não faz sentido que este processo seja julgado se perderá o seu objeto com a confirmação do preenchimento dos requisitos para cumprimento da pena em Portugal. As autoridades brasileiras foram notificadas por determinação do Tribunal a quo (Tribunal da Relação de Lisboa) para que se manifestem acerca da manutenção ou não do interesse na extradição, sendo que até a presente data não se manifestaram.” Finalmente, adianta que “O condenado, inclusive, já requereu a transferência do seu processo para Portugal, entretanto ainda aguarda os trâmites legais (anexo).” Vejamos então.

      A esfera de cognição deste STJ limita-se ao conhecimento do recurso interposto do acórdão proferido pela Relação de Lisboa em 28.11.2023.

      Uma vez que o recorrente não desistiu do conhecimento do recurso, não há motivo para o STJ deixar de conhecer do mesmo.

      Daí que o alegado no requerimento em análise não constitua motivo para suspender ou impedir o conhecimento do recurso por este STJ ou para o retirar da tabela.

      As demais questões que o recorrente adianta no requerimento, relativas ao processo de extradição, para fundamentar o seu pedido, não são da competência do STJ, mas antes da Relação de Lisboa.

      Indefere-se, pois, o requerido.

      VI.

      Assim, passando a conhecer do recurso.

      Fundamentação Factos Do acórdão sob recurso resultam assentes os seguintes factos e ocorrências processuais relevantes: Com interesse para a decisão a proferir, encontram-se provados os seguintes factos: 1. AA, no âmbito do Processo nº .....83-55.2013.........0023, da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital, ..., Tribunal de Justiça de ..., Brasil, foi condenado, por sentença datada de 07 de junho de 2017, transitada em julgado em 04 de março de 2020, na pena única de oito anos e dois meses de prisão, em regime inicial fechado, e no pagamento de treze dias-multa, pela prática do crime de roubo agravado1, previsto e punido pelo artigo 157º §2º incisos I, II, V, c/c artigo 61, inciso I e do crime de associação criminosa2 previsto e punido pelo artigo 288, parágrafo único, c/c artigo 61, inciso I, c/c artigo 69 todos do Código Penal Brasileiro.

    3. Os factos por que foi condenado são, em síntese, os seguintes: “FATO 1 – DA ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA A partir do dia 14 de abril de 2012, os denunciados BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, AA, II, JJ, KK e LL, todos agindo livremente, decidiram associar-se, de maneira estável e permanente, para praticar diversos delitos de roubo no município de ..., com a participação efetiva do adolescente à época MM. Dentro da estrutura criminosa, pode-se concluir que os denunciados BB, CC, e DD bem como o adolescente MM, tinham como função precípua o aparelhamento da organização, sendo responsáveis pela compra dos produtos necessários para as práticas delitivas, tal como maçaricos, lona, botijões de gás, barras de ferro, dentre outros, prestando apoio logístico e material, comandando o controle geral do agrupamento, enquanto EE, FF, GG, HH, AA, II, JJ, KK, LL participavam de todo o planejamento e, também, executavam diretamente os crimes por todos engendrados.

      FATO 4 – B..., S.A.

      No dia 19 de julho de 2012, por volta das 23h30min, os denunciados JJ e HH, já antes combinados, se dirigiram até ao B..., S.A., e renderam, mediante grave ameaça decorrente do uso de armas de fogo (uma 9mm de uso restrito e uma outra Calibre .45), os dois vigias do local, NN e OO, obrigando-os a abrir o portão de entrada do estabelecimento, por onde entrou um veículo do qual saíram os outros 4 (quatro) denunciados, quais sejam AA, KK, II e um ainda não identificado. Com todos já dentro do B..., S.A., as vítimas foram mantidas sob controle do grupo e amarradas com fitas nas mãos e nos pés, enquanto os denunciados AA, KK, II e um quarto não identificado se dirigiram até os...

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