Acórdão nº 561/23.6GBAMT-A.P1 de Court of Appeal of Porto (Portugal), 06 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelPAULO COSTA
Data da Resolução06 de Dezembro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Porto (Portugal)

Proc. nº 561/23.6GBAMT-A.P1 Relator Paulo Costa Adjuntas Paula Guerreiro Maria Luísa Arantes 1ª secção criminal Acordam em conferência no Tribunal da Relação do Porto: I – RELATÓRIO: Nos autos de inquérito (Atos Jurisdicionais nº 561/23.6GBAMT), do Juiz 2 do Juízo de Instrução Criminal de Penafiel do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, o Exmº Srº Juiz de Instrução proferiu o seguinte despacho: “O Ministério Público vem requerer a inquirição para declarações para memória futura.

Para o efeito, invoca que nos presentes autos de inquérito se investiga crime de violência doméstica.

Apreciando A prestação de declarações para memória futura constitui uma exceção ao princípio constitucional da imediação consagrado no artigo 32.º, nº5 da Constituição da República Portuguesa. Daqui decorre que as declarações para memória futura recolhidas, neste caso, durante o inquérito têm natureza excecional.

Dispõe o n.º1 do artigo 271º CPP que “em caso de doença grave ou de deslocação para o estrangeiro de uma testemunha, que previsivelmente a impeça de ser ouvida em julgamento, bem como nos casos de vítima de crime de tráfico de pessoas ou contra a liberdade e autodeterminação sexual, o juiz de instrução, a requerimento do Ministério Público, do arguido, do assistente ou das partes civis, pode proceder à sua inquirição no decurso do inquérito, a fim de que o depoimento possa, se necessário, ser tomado em conta no julgamento.” O Ministério Público, o arguido, o defensor e os advogados constituídos no processo são notificados da hora e do local da prestação do depoimento para que possam estar presentes, sendo obrigatória a comparência do Ministério Público e do Defensor – nº2 do citado preceito legal.

Sucede que, no presente caso, o denunciado ainda não foi constituído como arguido. Aliás, pese embora a presença do Defensor na diligência seja obrigatória, o certo é que, nestas circunstâncias, é uma mera formalidade, uma vez que não conhece sequer o arguido, pelo que nunca teve oportunidade de se reunir com o mesmo.

Salvo melhor entendimento, consideramos que apenas é admissível as declarações para memória futura, ainda que não haja arguido constituído, ou seja, sem a presença ou possibilidade do arguido exercer cabalmente naquela diligência um efetivo contraditório, quando razões inadmissíveis de urgência impõe a sua realização, nomeadamente, desconhecimento da identidade do suspeito, ausência deste, necessidade urgente de preservar prova, necessidade urgente de proteger o declarante ou outras pessoas, partida eminente ou possibilidade séria de morte deste (CPP anotado, pelos Conselheiros do STJ, pág. 965).

Ora, uma vez que nenhuma das aludidas condições se impõe nos presentes autos, consideramos inviável, antes da constituição como arguido do denunciado, a realização da presente diligência, o que se determina.

Acresce que a ausência de tal diligência poderá configurar a nulidade insanável prevista no artigo 119.º, al. c), do CPP em conjugação com o que determina os artigos 58.º, nº, al. a), 60.º, 61.º, nº, 1, al. a), 271.º, nº3, do CPP.

Notifique.

(…) Inconformado, o Magistrado do MP interpôs recurso, no qual formula as seguintes conclusões: (…) 1º O Ministério Público, a 13/09/2023 promoveu, ao abrigo do disposto no art.° 332, n.° 1 e 3, da Lei n.° 112/2009 de 16 de setembro (Regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e assistência das suas vítimas), e ainda nas disposições conjugadas dos artigos 271.° n.° 1, 67º A, nº 1 alínea a), i), b) e nº 3, com referência ao artigo 1º, alínea j), todos do Código de Processo Penal, a realização de diligência de tomada de declarações para memória futura à Vítima AA, porquanto nos presentes autos está em causa a prática, pelo suspeito BB, de um crime de violência doméstica. agravado, previsto e punível pelo artigo 152.° n.° 1, alínea h), e n.° 2, al. a), do Código Penal. o que fez nos termos e com os fundamentos constantes do despacho reproduzido no local próprio, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido por economia processual para todos os legais efeitos.

  1. Por despacho proferido a 20/09/2023, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido por economia processual para todos os legais efeitos, o Meritíssimo Sr. Juiz de Instrução Criminal indeferiu a realização da suprarreferida diligência, mas fê-lo de forma com a qual não nos conformamos.

  2. ) Tanto quanto o conseguimos interpretar, tal despacho de indeferimento assenta em três “fundamentos”: 1°) Não se mostrarem preenchidos os pressupostos previstos no n.° 1, do artigo 271.° do C.P.P. que justifiquem a realização da tomada de declarações para memória futura; 2°) A constituição prévia do suspeito como arguido é imprescindível para a realização da diligência de tomada de declarações para memória futura, por ser a única forma de assegurar o seu efetivo direito de defesa; 3.°) A não constituição prévia do suspeito como arguido antes da realização da tomada de declarações para memória futura consubstanciaria a prática da nulidade insanável prevista no artigos 119º.2. al. c), do C.P.P. em conjugação com o que determinam os artigos 58.°. n.° 1, ai. a). 60°, 61.°, n.° 1. al. a) e 271.°, n.° 3, todos do C.P.P..

  3. No que concerne aos pressupostos previstos no n.° 1. do artigo 271.° do C.P.P. parafraseando com a devida vénia o doutamente decidido no Ac. TRP de 03/05/2023, processo 692/22.0KRMTS.A.P1, com o qual concordamos, e por não sabermos escrever melhor “. No crime de violência doméstica, atenta a superior relevância dos interesses em causa, entende-se que a regra haverá de ser a de deferir, sempre, o requerimento apresentado pela vítima ou pelo Ministério Público para aprestação de declarações para memória futura, diligência que só não deverá ocorrer quando resultarem dos autos razões relevantes que desaconselhem essa recolha antecipada de prova...

    Descendo ao caso dos autos se consta que está neles em causa uma vítima de crime de violência doméstica, especialmente vulnerável pelos motivos que o Ministério Público referiu na suprarreferida promoção, sendo certo que, no caso, e pelas razões que serão referidas ao longo do recurso, é nosso entendimento que não há razões relevantes que desaconselhem o deferimento da promoção para a realização de tomada de declarações para memória futura da vítima, do que concluímos encontrar-se incorreto o entendimento do Sr. Juiz de Instrução Criminal no sentido de que não se mostram preenchidos os pressupostos previstos no artigo • 271°, nº 1do C.P.P..

  4. Relativamente ao segundo argumento que entendemos ter “fundamentado” o indeferimento, relembre-se, não constituição prévia cio suspeito como arguido, entendemos que: - 1.°) Nos termos do disposto nos artigos 53.°, n.° 2, al. b), e 263.° n.° 1. Ambos do C.P.P., cabe ao Ministério Público e não ao Meritíssimo Juiz com funções instrutórias a direção da ação penal, sendo aquele quem poderá decidir da tempestividade e adequação das diligências probatórias em fase de inquérito; - 2.°) Não há qualquer base legal para que, desde logo e em primeiro lugar, se constitua alguém como Arguido para, posteriormente, se tomarem declarações para memória futura à vítima. Ademais, no decurso do inquérito, caso sejam constituídos Arguidos, será sempre dado conhecimento aos mesmos de todos os elementos probatórios aquando do seu eventual interrogatório, podendo o arguido exercer o seu direito de defesa, tanto mais que não é pelo facto de a vítima ter sido inquirida em declarações para memória futura que tal facto inviabilizará. em absoluto, que volte a ser inquirida, aquando do julgamento, caso seja deduzida acusação, obviamente caso tal se justifique.

    - 3.°) Em termos de estratégia de investigação criminal e gestão processual, cremos, nem é a opção mais correta. O auto de notícia/participação criminal/queixa, cremos, não é um meio de prova hoc sensu mas um início de prova. Não se deve, em termos de estratégia processual, apenas com base num auto de denúncia constituir alguém como Arguido, porque para o fazermos, enquanto magistrados do Ministério Público, deveremos atentar que o art.° 58°, n.° 1, al. a), do CP.P. exige que haja uma suspeita fundada da prática de crime, o que, apenas com um auto de notícia, não pode verificar-se.

    É precisamente...

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