Acórdão nº 858/19.0T8EVR.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 12 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO PINTO OLIVEIRA
Data da Resolução12 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. — RELATÓRIO 1.

AA, BB e CC propuseram a presente acção declarativa de condenação contra a Fidelidade-Companhia de Seguros, SA.

  1. Pediram que a Ré fosse condenada: I. — a pagar ao Autor AA, os seguintes valores: (i) 47.731,94€, a título de perdas salariais resultantes do período de incapacidade temporária absoluta para o trabalho; (ii) 376,40€ a título de despesas suportadas em consequência do sinistro a que se reportam os autos; (iii) 7.805,00€ a título de danos futuros; (iv) 50.000,00€ a título de dano biológico enquanto IPP - Incapacidade permanente parcial; (v) 40.000,00€ a título de dano biológico enquanto dano não patrimonial; II. — a pagar à Autora BB os seguintes valores: (i) 5.280,00€ a título de danos patrimoniais futuros; (ii) 4.832,89€ a título de dano biológico enquanto IPP - Incapacidade permanente parcial; (iii) 30.000,00€ a título de dano biológico enquanto dano não patrimonial; III. — a pagar ao Autor CC, os seguintes valores: (i) 6.120,00€ a título de danos patrimoniais futuros; (ii) 25.852,17€ a título de dano biológico enquanto IPP - Incapacidade permanente parcial; (iii) 50.000,00€ a título de dano biológico enquanto dano não patrimonial.

  2. A Ré Fidelidade-Companhia de Seguros, SA, contestou, defendendo-se por impugnação e por excepção.

  3. Invocou a excepção peremptória de prescrição dos direitos invocados pelos Autores.

  4. O Tribunal de 1.ª instância julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a Ré a pagar ao autor CC a quantia de 27.500,00€ a titulo de indemnização, absolvendo a ré do demais peticionado.

  5. Inconformados, oa Autores AA, BB e CC e a Ré Fidelidade-Companhia de Seguros, SA, interpuseram recursos de apelação.

  6. O Tribunal da Relação: I. — julgou totalmente improcedente a apelação dos Autores.

    Ii. — julgou parcialmente procedente a apelação da Ré e, em consequência, reduziu para 24.000,00 € o valor da indemnização que a Ré Fidelidade-Companhia de Seguros, SA, foi condenada a pagar ao Autor CC.

  7. Inconformados, os Autores AA e BB interpuseram recurso de revista.

  8. Finalizaram a sua alegação com as seguintes conclusões: PRIMEIRO. O presente recurso vem interposto do Douto Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, que decidiu julgar improcedente o recurso de apelação apresentado pelos autores ora recorrentes AA e BB da decisão proferida pelo Tribunal de 1.º Instância nos autos do processo número 858/19.0T8EVR.

    SEGUNDO. Entendeu o Tribunal da Relação de Évora confirmar a decisão proferida pelo Tribunal de 1.º Instância, que julgou procedente a excepção perentória invocada pela ré recorrida, nomeadamente, a prescrição do direito de indemnização peticionado pelos autores AA e BB.

    TERCEIRO. Sucede que, com tal decisão, não se conformam os autores ora recorrentes AA e BB, uma vez que, ao decidir como decidiu, o Tribunal da Relação de Évora incorreu em erro manifesto e grosseiro na interpretação e aplicação de normas sobre a contagem e interrupção do prazo prescricional e, consequentemente, violou o disposto no artigo 498.º, número 1 do Código Civil, incorrendo em absoluta contradição com a lei e negando, de forma inadmissível, ao aos autores ora recorrentes AA e BB do seu direito constitucionalmente consagrado de acesso à Justiça – é assim a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora susceptível de recurso de revista nos termos do disposto no artigo 671.º do Código de Processo Civil.

    QUARTO. Em simultâneo, é ainda a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, susceptível de recurso nos termos do disposto nos artigos 629.º, 671.º, número 1 e 672.º, número 1, alínea a), número 2 e número 3 do Código de Processo Civil,por estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, uma vez que, atenta a matéria de facto fixada nos presentes autos, a questão de fundo era a de saber quando se deu início à contagem do prazo de prescrição de cinco anos aplicável aos direitos dos autores ora recorrentes AA e BB e, consequentemente, a de saber se, à data da entrada da acção pelos mesmos intentada, o terminus daquele prazo se havia já findado ou não, impedindo a apreciação dos seus pedidos.

    QUINTO. Sobre a questão descrita, é manifesta a incerteza legislativa e jurisprudencial relativa à interpretação a dar ao número 1 do artigo 498.º do Código Civil, nomeadamente quanto ao sentido a dar à previsão normativa em causa, pelo que a mesma preenche, por si só, o pressuposto de admissibilidade da revista excecional constante da alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, impondo-se – porque assim não existe na legislação e jurisprudência portuguesa – esclarecimento cabal quanto ao sentido a dar ao conceito de conhecimento do direito e a determinação do momento em que se inicia a contagem do prazo de prescrição, evitando as consequências nefastas como as dos presentes autos, resultantes da conjugação daquela norma com os demais normativos jurídicos –como, incasu, sejam os artigos 148.º, número 1 e número 3, 144.º e 118.º, número 1, alínea c), todos estes do Código Penal SEXTO. Conforme resulta expressamente do teor decisão ora em recurso, a questão a decidir naqueles autos de recurso centrava-se na verificação, ou não, da prescrição dos direitos indemnizatórios dos autores AA e BB.

    SÉTIMO. Em causa, e conforme resulta da matéria de facto provada, estava em causa o seguinte: a. a ... de dezembro de 2011 ocorreu um acidente de viação, que fundamenta a causa de pedir dos presentes autos; o acidente de viação envolveu um veículo automóvel conduzido pelo autor ora recorrente AA, no qual circulava como passageira a autora ora recorrente BB; o acidente foi causado pelo veículo seguro na ré; b. sucede que: a ocorrência do sinistro deu lugar ao processo de inquérito número 200/11.8...-E1, no âmbito do qual o autor ora recorrente AA figurou na qualidade de arguido, tendo o mesmo findado, definitivamente, somente a 13de maio de 2014, com decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Évora que confirmou o despacho de não pronúncia proferido nos autos do processo número 200/11.8...-E1; uma vez notificado aquela decisão aos autores ora recorrentes AA e BB em 15 de maio de 2014, intentaram os mesmos, contra a ré ora recorrida, por ser a mesma a seguradora do veículo causador do sinistro, acção declarativa de condenação com vista ao ressarcimento dos danos sofridos a 10 de maio de 2019, tendo sido a ré ora recorrido citada para a mesma em 15 de maio do mesmo ano.

    OITAVO. A acção que originou os presentes autos deu entrada dentro do prazo de prescrição de 5 (cinco) anos a que alude o artigo 498.º, número 1 número 3 do Código Civil conjugado com os artigos 148.º, número 1 e número 3, 144.º e 118.º, número 1, alínea c), estes do Código Penal.

    NONO. Não obstante o pugnado pelos autores AA e BB, quer em sede de primeira instância quer em sede de instância de recurso, nomeadamente, que a contagem do prazo de prescrição dos seus direitos se havia iniciado (tão só) no momento do conhecimento, pelos mesmos, do Acórdão pelo Tribunal da Relação de Évora – já que foi no âmbito daqueles autos que se definiu a responsabilidade pelo acidente sofrido a ... de dezembro de 2011 – o Tribunal da Relação de Évora, confirmando aquele que havia sido o entendimento do Tribunal de 1.º Instância, decidiu considerar que, à data da propositura da acção, já havia decorrido o prazo de prescrição de cinco anos.

    DÉCIMO. Não podem os autores AA e BB aceitar tal entendimento, uma vez que, sobre o início da contagem do prazo de prescrição de 5 (cinco) anos, incorreu também o Tribunal da Relação de Évora em erro grosseiro e manifesto na interpretação e aplicação do artigo 498.º, número 1 do Código Civil, ao considerar que os lesados dos presentes autos tomaram conhecimento do seu direito – para efeitos do início da contagem de prazo de prescrição – no próprio dia em que o acidente ocorreu – e, assim, que o prazo de prescrição dos direitos decorrentes do mesmo, havia terminado 5 (cinco) anos após a ocorrência do acidente.

    DÉCIMO PRIMEIRO. Sucede que, o prazo de prescrição não só não se iniciou no dia do acidente, como se interrompeu por força da existência de processo crime a correr seus autos.

    DÉCIMO SEGUNDO. Os direitos ao ressarcimento dos danos sofridos pelos autores AA e BB têm a sua origem na concreta conduta da conduta da viatura segura pela ré, a qual estava a ocupar indevidamente a parte da faixa de rodagem por onde aqueles circulavam, postada de forma perpendicular à dita faixa de rodagem, pelo que, questionando-se qual o momento em que souberam, os autores AA e BB, desse facto, nomeadamente, de que o acidente se ficou a dever à conduta da condutora do veículo seguro pelaré, arespostaésó uma:a 15demaio de2014, quando o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora no âmbito dos autos do processo número 200/11.8...-E1 lhes foi notificado.

    DÉCIMO TERCEIRO. Ao contrário do que sustentou o Tribunal da Relação de Évora, não é verdade que o direito dos autores ora recorrentes não dependia do apuramento, em sede de processo crime, da responsabilidade pela ocorrência do acidente que os vitimou, uma vez que, à autora BB, era possível – ao contrário da conclusão do Tribunal da Relação de Lisboa, ao afirmar que não era possível fazê-lo – nos autos do processo número 200/11.8...-E1 deduzir pedido de indemnização cível contra o autor AA, caso se verificasse a responsabilidade do mesmo pela ocorrência do acidente.

    DÉCIMO QUARTO. Caso se tivesse vindo a apurar a responsabilidade do autor AA no âmbito do processo crime número 200/11.8...-E1, era no mesmo que a autora BB apresentaria o seu pedido de indemnização cível; não tendo tal ocorrido, ficou a mesma legitimada a recorrer às instâncias cíveis para o exercício do seu direito – que, apenas no momento da notificação do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a 15 de maio de 2014, ficou a...

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