Acórdão nº 02460/19.7BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO INTERNA - identificado nos autos – veio reclamar para a conferência do despacho do Relator, de 3 de outubro de 2023, que declarou amnistiada a pena disciplinar de 10 dias de multa aplicada ao Autor, e extinguiu a instância por inutilidade superveniente da lide, na parte em que o mesmo considerou que, «sendo inútil o prosseguimento da lide, por se encontrar amnistiada a infração que lhe deu causa, inútil é também o conhecimento do presente recurso de revista».

Alega, essencialmente, que, ao considerar prejudicado, por inutilidade, o conhecimento do objeto do presente recurso de revista, o despacho reclamado enferma de erro de direito, pois «não decidiu o objeto do recurso de revista», que considera ser seu dever, considerando ainda que, «através dessa decisão, o Tribunal desonerar-se-ia (...) desse dever» e do dever de administrar justiça, violando assim os artigos 1, n.º 1 do ETAF, 152.º, n.º 1, e 652º, nº 2, do CPC.

Mais alega que «que a amnistia só tem efeitos para o futuro», pelo que se mantém o interesse no conhecimento da questão da prescrição do poder disciplinar, que determinou a admissão do presente recurso de revista.

  1. O Recorrido, ora Reclamado, apresentou as suas contra-alegações, concluindo que: «A.

    Vem o Reclamante Ministério da Administração Interna deduzir reclamação do despacho de 13/10/2023 proferido pelo douto Tribunal, que amnistiou a pena de multa aplicada ao aqui Reclamado que declarou a inutilidade superveniente da lide.

    B.

    Entende o Reclamante que tal despacho vincula em erro de direito ao extinguir a responsabilidade disciplinar do autor por amnistia, por que considerar que a mesma se encontra extinta por prescrição do procedimento disciplinar.

    C.

    No entendimento do Reclamante só se poderá aplicar a lei da amnistia caso o Supremo Tribunal reconheça que não ocorreu a prescrição do procedimento disciplinar, contudo, sempre terá de julgar o objeto do presente recurso de revista.

    D.

    Considera ainda o Reclamante que o referido despacho não decidiu sobre o objeto de recurso consequentemente terá de ser anulado pela conferência que sempre deverá imitir “(…) acórdão que identifique o termo final da contagem daquele prazo.” E.

    Discorda o Reclamado de tal posição na medida em que como refere o Professor Jorge Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, “A amnistia, como modalidade do exercício do direito de graça, constitui um ato de soberania estadual que, criando um obstáculo à efetivação na punição pode rigorosamente qualificar-se como a contra face do ius punendi estadual.” F.

    A inutilidade superveniente da lide enquanto causa de extinção da instância, nos termos e para os efeitos do disposto no Código de Processo Civil verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência dessa mesma instância, a solução do litígio deixe de interessar ou fique prejudicada na medida em que o resultado que a parte pretendia obter ou evitar se atingiu por outro meio.

    G.

    Ora, no caso concreto e atento ao disposto no artigo 6º da Lei número 38-A/2023, a sanção disciplinar aplicada ao Reclamado, entenda-se a pena de multa, se encontre abrangida nas amnistias proferidas em sede de tal despacho normativo, H.

    Consequentemente, o processo e a decisão disciplinar sempre serão amnistiadas ao abrigo de tal dispositivo, o que impedirá por si só a produção dos efeitos que se pretendia com a aplicação de tal multa ao Reclamado.

    I.

    A amnistia em bom rigor traduz-se num benefício concedido pelo Estado, e que consubstancia uma valoração excecional e acidental de uma infração, mantendo intocados os direitos e as garantias fundamentais do agente.

    J.

    No caso concreto, e depois de ter sido notificado pelo douto Tribunal sobre se este se opunha à aplicação da lei da amnistia, o Reclamado não se opôs à aplicação da mesma, K.

    Ao não se opor a tal aplicação, e tendo em conta o supra exposto, isto é, de que os efeitos sobre o processo disciplinar se extinguiriam por força da aplicação da Lei da Amnistia ocorre necessariamente uma situação de extinção superveniente da lide, na medida em que ainda que fosse proferido uma decisão em sede dos presentes autos, a mesma não teria qualquer efeito prático por força do dispositivo legal aplicado e que amnistiou o Reclamado».

  2. Cumpre decidir.

  3. Como resulta expressamente da lei, tendo em consideração a inserção sistemática do artigo 150.º do CPTA, o recurso de revista é um recurso ordinário, cuja função principal é decidir o objeto da causa, conhecendo plenamente do direito que lhe é aplicável.

    É certo que, sendo ordinário, o recurso de revista é, não obstante, um recurso excecional, quer porque constitui um terceiro grau de jurisdição, quer porque a sua admissão está sujeita à verificação de pressupostos legais específicos, quer ainda porque, no seu julgamento, o Tribunal apenas conhece de matéria de direito. Mas a...

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