Acórdão nº 037/20.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelSÃO PEDRO
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO 1. Relatório 1.1. AA, intenta a presente ACÇÃO ADMINISTRATIVA contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, pedindo a nulidade ou a anulabilidade da deliberação do plenário, proferida em 14 de janeiro de 2020, a qual confirmou a pena disciplinar de aposentação compulsiva aplicada pela Secção Disciplinar do mesmo Conselho, imputando-lhe os seguintes vícios: a) violação da força de caso julgado, por afronta do disposto nos artigos 205.º, n.º 2 da CRP e 128.º e 158.º do CPTA; b) violação do princípio non bis in idem, consagrado no artigo 27.º, n.º 5 da CRP e 180.º, n.º 3 da LTFP, aplicáveis por força do EMP; c) violação do princípio da proporcionalidade das penas, consagrado nos artigos 218.º do novo EMP e 189.º da LTFP; d) violação do artigo 188.º, n.º 1 do EMP de 86; e) violação do princípio da aplicação retroativa do novo EMP, o qual era de considerar aplicável por ser mais favorável à arguida, decorrendo do mesmo que não podia ser aplicada a pena de aposentação aos ilícitos disciplinares em causa; f) violação do princípio constitucional do inquisitório e de presunção de inocência dos n.ºs 2 e 10 do artigo 32.º da CRP; g) Insuficiência da fundamentação, violando os art.ºs 152.º e 153.º, do CPA e h) violação do princípio da audiência de interessados com referência ao art.º 267.º, n.º 5 da CRP.

1.2. Citado para o efeito, o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO, contestou, considerando improcedente a pretensão da autora, concluindo: a) não se verificam os vícios imputados ao ato impugnado ou quaisquer outros conducentes à sua nulidade ou anulação, devendo a ação ser julgada improcedente e não provada; b) Consequentemente, a Entidade Demandada ser absolvida do pedido.

1.3. Foi proferido despacho dispensando a audiência prévia e a prova testemunhal requerida, por se considerar que o processo continha os meios de prova suficientes para julgamento da matéria de prova e designando dia para audição da Autora – tendo em conta a jurisprudência do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste STA (acórdão de 24-2-2022, proferido no processo 063/19.5BALSB).

1.4. A Autora foi ouvida, nos termos da acta de audiência junta aos autos.

1.4. A autora e entidade demandada alegaram por escrito mantendo as posições assumidas nos articulados.

1.5. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência para julgamento das questões suscitadas pela Autora, a saber: (i) violação do caso julgado; (ii) violação do princípio ne bis in idem; (iii) violação do princípio da proporcionalidade; (iv) violação do art. 188º do Estatuto do Ministério Público; (v) violação do princípio da aplicação da lei mais favorável; (vi) violação dos princípios do inquisitório e da presunção de inocência; (vii) violação do dever de fundamentação (insuficiência da fundamentação); (viii) violação do princípio da audiência dos interessados; 2.

Fundamentação 2.1.

Matéria de facto Com interesse para o julgamento da presente acção consideram-se assentes os seguintes factos e ocorrências processuais: a) A requerente, nascida em .../.../1977, é magistrada do MP, com a categoria de ..., desde .../2006; b) Com fundamento na existência de atrasos processuais ocorrido no período entre 6/9/2018 e 6/5/2019, foi instaurado à requerente o processo disciplinar n.° ...5/19, onde, em 1/7/2019, veio a ser deduzida a acusação constante do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido; c) Nesse processo disciplinar, o sr. Instrutor elaborou o relatório constante do processo administrativo, cujo teor aqui se dá por reproduzido e onde se propunha que por violação dos deveres funcionais de prossecução do interesse público e de zelo, lhe fosse aplicada a pena de aposentação compulsiva; d) Por acórdão de 11/11/2019, a Secção Disciplinar do CSMP, aderindo a esse relatório, aplicou à requerente a pena de aposentação compulsiva, nos termos aqui dados como reproduzidos; e) Invocando os fundamentos constantes da reclamação junta ao processo administrativo, a requerente reclamou, para o Plenário do CSMP, da deliberação referida na alínea anterior; f) O Plenário do Conselho Superior do Ministério Público, pelo acórdão que consta dos autos como doc. n.° 1, junto pela requerente e cujo teor aqui se dá por reproduzido, deliberou, em 14/1/2020, negar provimento à reclamação, confirmando a aplicação da pena de aposentação compulsiva; g) Em 24/2/2020, a Exma. Sr.ª Procuradora-Geral da República proferiu a seguinte Resolução Fundamentada, concluindo: “(…) Face ao exposto, nos termos e para os efeitos do disposto no art.° 128.º n.° 1 do CPTA, considera-se o diferimento da execução do ato administrativo gravemente prejudicial para o interesse público, pelo que se mantém a execução do mesmo, nestes termos, como única forma de obstará Produção de tal prejuízo.

” h) Com fundamento na existência de atrasos processuais ocorridos no período entre Maio de 2012 e 28/5/2014, foi, no processo disciplinar n.° ...5/2014, aplicada à requerente a pena de 230 dias de suspensão, a qual foi impugnada judicialmente e cuja eficácia veio a ser declarada suspensa pelo acórdão do STA de 4/5/2015, proferida no processo n.° 404/15; i) Com fundamento na existência de atrasos processuais ocorridos no período entre junho de 2014 e Janeiro de 2016, foi, nos processos disciplinares n°s. 12/2015 e 15/2015, aplicada à requerente a pena de inactividade pelo período de 1 ano e 5 meses, a qual foi impugnada judicialmente e cuja eficácia veio a ser declarada suspensa pelo acórdão do STA de 4/5/20 17, proferido no processo n.° 163/17; j) Com fundamento na existência de atrasos processuais ocorridos no período entre Fevereiro e Outubro de 2016, foi, no processo disciplinar n.° ...1/17, aplicada à requerente a pena de 240 dias de suspensão, a qual foi impugnada judicialmente e cuja eficácia veio a ser declarada suspensa pelo acórdão do STA de 30/11/2017, proferido no processo n.° 1197/17); k) Com fundamento na existência de atrasos processuais ocorridos no período entre Janeiro e Setembro de 2018, foi, no processo disciplinar n.° ...6/18, aplicada à requerente, a pena de 120 dias de suspensão, a qual foi impugnada judicialmente e objecto de pedido de suspensão de eficácia que veio a ser indeferido pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11/9/2019, proferido no processo n.° ...9/19, mostrando-se a mesma pena integralmente cumprida.

  1. A impugnação judicial, referida na alínea anterior, foi julgada improcedente por acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 14.01.2021 proferido no processo n.º 60/19.0BALSB, já transitado em julgado – cfr. o referido acórdão no SITAF.

  2. Em 4-6-2020, foi por este Supremo Tribunal Administrativo proferido acórdão a indeferir providência cautelar de suspensão de eficácia do acórdão, de 14/1/2020, do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público.

  3. A presente acção administrativa deu entrada neste Supremo Tribunal Administrativo no dia 14 de abril de 2020.

Os factos provados resultam dos documentos para onde remetem, não tendo sido impugnados.

2.2.

Matéria de direito 2.2.1.

Saneador O Tribunal é competente. Não existem nulidades que invalidem todo o processo. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas. Fixa-se o valor da causa em € 30.001,00 (valor indicado pela Autora, não impugnado e em conformidade com o disposto nos art.ºs 34º, 2 do CPTA; 6º, 4 do ETAF e 44º, 1, da Lei 62/2013, de 26 de Agosto).

2.2.2.

Questões a decidir – objecto da acção De acordo com a petição inicial e alegações escritas as questões a decidir são as seguintes: (i) violação do caso julgado; (ii) violação do princípio “ne bis in idem”; (iii) violação do princípio da proporcionalidade; (iv) violação do art. 188º do Estatuto do Ministério Público; (v) violação do princípio da aplicação da lei mais favorável; (vi) violação dos princípios do inquisitório e da presunção de inocência; (vii) violação do dever de fundamentação (insuficiência da fundamentação); (viii) violação do princípio da audiência dos interessados.

Para além destes vícios imputados à deliberação impugnada, a Autora colocou uma questão nova decorrente da publicação da Lei da Amnistia (Lei n.º 38-A/2023, de 02 de Agosto) e de terem sido amnistiadas as infracções disciplinares pelas quais foi aplicada à Autora a pena de suspensão por 240 dias e de transferência, “razão pela qual não pode a aplicação das penas amnistiadas legitimar a aplicação da pena de aposentação compulsiva”.

Apreciaremos as questões suscitadas relativas aos vícios imputados à deliberação impugnada pela respectiva ordem de arguição. De seguida importa apreciar a questão de saber os reflexos neste processo da Lei da Amnistia – Lei n.º 38-A/2023, de 02 de agosto.

2.2.3.

Apreciação dos vícios imputados ao acto impugando.

2.2.3.1 Violação do caso julgado.

Alega a autora (artigos 17 a 24 da petição inicial) que a decisão sancionatória viola o caso julgado. Em suma diz a autora que a deliberação impugnada ao aplicar a pena de aposentação compulsiva “não pelos atrasos ocorridos no período de Setembro de 2018 a Maio de 2019, mas antes tendo em consideração todos os atrasos sancionados por penas disciplinares cujos efeitos estavam suspensos por força de decisões jurídicas já transitadas em julgado” atentou contra a força do caso julgado das decisões anteriormente proferidas, contornando claramente o efeito suspensivo decretado por aqueles arestos e violando o disposto nos artigos 205º, 2 da Constituição e artigos 128º e 158º do CPTA, o que determina a sua nulidade, por força do n.º 2 deste último preceito.

Vejamos.

No acórdão do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público (acto impugnado, nesta acção) foi apreciado este vício imputado pela autora ao acórdão da Secção Disciplinar. Este vício fora já invocado pela arguida no decurso do processo disciplinar tendo o instrutor, que deu razão à...

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