Acórdão nº 858/22.2T8MMN.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA DOMINGAS
Data da Resolução07 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 858/22.2T8MMN.E1[1] Tribunal Judicial da Comarca de Évora Juízo de Competência Genérica de Montemor-o-Novo – Juiz 2 I. Relatório (…), residente na Quinta do (…), em Montemor-o-Novo, instaurou contra (…) e Filhos, Lda., com sede na Av. (…), n.º 15, em Montemor-o-Novo, acção declarativa constitutiva, a seguir a forma única do processo comum, tendo em vista a anulação da deliberação social tomada pela sociedade ré na assembleia geral que teve lugar em 1 de Julho de 2022, pedindo a final que: - fosse anulada, nos termos conjugados dos artigos 58.º, n.º 1, alínea a) e 250.º, n.º 3, ambos do CSC, por violação do artigo 8.º dos estatutos da Ré, a deliberação de “Discussão e votação da proposta de aplicação dos resultados da Ré do ano 2021”, tomada no âmbito do ponto dois da Ordem de Trabalhos Alterada, e, em consequência, - fossem anulados todos os actos praticados pela Ré ou pelos seus legais representantes pressupondo a validade da Deliberação Impugnada, incluindo, mas não limitado a, o registo de prestação de contas individual relativa ao exercício de 2021. Caso assim não fosse entendido, pediu que fosse a deliberação de “Discussão e votação da proposta de aplicação dos resultados da Ré do ano 2021”, tomada no âmbito do ponto dois da Ordem de Trabalhos Alterada, anulada ou declarada nula, ineficaz ou inexistente, ou declarada inválida com outro fundamento que o Tribunal, ao abrigo dos poderes de conhecimento oficioso que lhe são legalmente conferidos, considere ser de melhor aplicação ao caso concreto. Em fundamento alegou, em síntese, que é contitular de uma quota indivisa na sociedade ré representativa de 44,73% do capital social, sendo os outros sócios (…), também gerente, e a herança jacente de (…).

Na AG que teve lugar em 1 de Julho o segundo ponto da ordem dos trabalhos era constituído pela “Discussão e votação da proposta de aplicação dos resultados da Ré do ano de 2021”. Na discussão do transcrito ponto da ordem dos trabalhos foi analisada e discutida a proposta da gerência da ré que constava da pág. 3 do Relatório de Gestão e que defendia que o resultado líquido de exercício do ano de 2021, no valor de € 42.

337,00, deveria transitar para as contas de Reserva legal – € 2.

116,85 – (…) e o remanescente para Resultados Transitados. Dado o desacordo dos sócios, estando a aqui autora contra tal afectação, foi a assembleia suspensa. Tendo os trabalhos sido retomados em 13 de Julho, aí foi declarada aprovada pelo presidente da mesa a aludida proposta apenas com o voto favorável do sócio (…), titular de uma quota representativa de 53,66% do capital social da ré, tendo a autora, na qualidade de representante da quota indivisa, votado contra. A proposta foi aprovada sem o quórum exigido pelo artigo 8.º dos Estatutos da sociedade ré, que exige para a aprovação de proposta na matéria em causa uma maioria qualificada de 70%, sendo a deliberação tomada anulável nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º do CSC e artigo 250.º, n.º 3, do mesmo diploma legal. * Regularmente citada, a Ré contestou, impugnando a interpretação que a autora faz da cláusula 8.ª dos estatutos, sustentado que a exigência de uma maioria qualificada se destina apenas e só a afastar o regime supletivo consagrado no artigo 217.º, n.º 1, do CSC, daí resultando que uma qualquer proposta que não contemple distribuição de lucros pelos sócios não carecerá, para a sua aprovação, da maioria ali prevista. Por outro lado, e como resulta da cláusula invocada, a distribuição de lucros pelos sócios depende da existência da proposta da gerência nesse sentido, que não ocorreu, porque a situação económico-financeira da sociedade o não aconselha. Invocou finalmente actuar a autora em claro abuso de direito, uma vez que não impugnou deliberações com conteúdo idêntico tomadas também por maioria simples no que se refere aos resultados de exercício dos anos de 2016, 2017, 2018, 2019 e 2020 e 2021, criando na demandada sociedade a convicção de que as deliberações assim tomadas, independentemente daquela sócia não concordar com o respectivo conteúdo, eram válidas e não seriam impugnadas.

A respondeu à matéria da excepção, cuja improcedência defendeu, tendo ainda arguido a falsidade da acta da AG entretanto junta pela ré. * Teve lugar tentativa de conciliação e nela, tendo a Sr.ª juíza anunciado conterem os autos os elementos necessários à prolação de decisão segura sobre o objecto da causa, foram as partes notificadas para se pronunciarem, de harmonia com o disposto nos artigos 591.º, n.º 1 e 595.º, n.º 4, alínea b), do CPC. Foi de seguida proferida sentença que, na procedência da acção, decretou a anulação, “nos termos conjugados dos artigos 58.º, n.º 1, alínea a), 217.º e 250.º, n.º 3, ambos do Código das Sociedades Comerciais, por violação do artigo 8.º dos Estatutos da Ré, a deliberação de “Discussão e votação da proposta de aplicação dos resultados da Ré do ano 2021”, tomada no âmbito do ponto dois da Ordem de Trabalhos Alterada” e, em consequência, anulou “todos os atos praticados pela Ré ou pelos seus legais representantes pressupondo a validade da Deliberação Impugnada”. Inconformada, apelou a Ré e, tendo desenvolvido no corpo das alegação apresentada os fundamentos da sua discordância com o decidido, formulou a final as seguintes conclusões: A) Ao presente recurso deve ser atribuído efeito suspensivo, nos termos dos artigos 647.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, pois a execução imediata da decisão causará prejuízo considerável à recorrendo, oferecendo-se esta para prestar a devida caução pelo valor, modo e no prazo que para o efeito for fixado pelo Tribunal. B) O presente recurso vem interposto da Sentença de fls. …, proferida em 25/03/2023, notificada à recorrente por notificação eletrónica ao seu mandatário com data de elaboração de 27/03/2023, pela qual foi a “ação julga-se procedente e, em consequência, decide-se anular, nos termos conjugados dos artigos 58.º, n.º 1, alínea a), 217.º e 250.º, n.º 3, ambos do Código das Sociedades Comerciais, por violação do artigo 8.º dos estatutos da Ré, a deliberação de “Discussão e votação da proposta de aplicação dos resultados da Ré do ano 2021”, tomada no âmbito do ponto dois da Ordem de Trabalhos Alterada, e, em consequência, anular todos os atos praticados pela Ré ou pelos seus legais representantes pressupondo a validade da Deliberação Impugnada”. C) Entende a recorrente que a Sentença recorrida fez mau julgamento dos factos carreados para o processo e errada interpretação e aplicação da lei, impondo-se, ao invés, ter julgado a ação totalmente improcedente, consequentemente o presente recurso tem por objeto matéria de direito. D) Entendeu a douta sentença apelada, em resumo, que “não tendo reunido 70% dos votos correspondentes ao capital social, a favor, a deliberação proferida e aprovada enferma de vício anulável nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 58.º e n.º 3 do artigo 250.º do Código das Sociedades Comerciais por ter violado os estatutos da Ré conforme estabelecido no respetivo artigo 8.º”. E) No enquadramento legal e societário aplicável, a interpretação do artigo 8.º dos estatutos da ré só pode ser a de que a mesma visa/visou tão só e apenas afastar a obrigatoriedade supletiva de distribuição de lucros prevista no artigo 217.º do Código das Sociedades Comerciais. Ou seja, é a cláusula contratual prevista no n.º 1 do artigo 217.º do Código das Sociedades Comerciais que permite o afastamento da sua estatuição – a distribuição aos sócios metade do lucro do exercício que, nos termos desta lei, seja distribuível, não exigindo essa maioria para toda e qualquer aplicação dos resultados do exercício económico anual da sociedade. Ou dito de outra forma, uma qualquer proposta de aplicação de resultados que não contenha distribuição de lucros aos sócios, não carece dessa maioria. F) Interpretar no sentido da douta sentença recorrida que toda e qualquer proposta de aplicação de resultados positivos, quer preveja ou não a distribuição de lucros aos sócios e a sua percentagem, carece dessa maioria leva a possíveis situações de facto que certamente não foram pretendidas pelos sócios ao estatuir a norma prevista no artigo 8.º dos estatutos. G) Ainda que assim não se entenda, o certo é que ao contrário do que entendeu a douta sentença recorrida, a autora age em abuso do seu direito. H) Não é correto que a ré não tenha alegado “qualquer ação, conduta ou comportamento da Autora que pudesse revelar qualquer aceitação das deliberações de 28 de julho de 2017, 8 de junho de 2018, 29 de maio de 2019, 31 de julho de 2020 e 6 de agosto de 2021 ou de que as deliberações de afetação de lucros fossem tomadas por maioria simples do capital”. I) Os atos tanto podem ser praticados por ação ou omissão. E no caso foram por omissão. Desde que a autora e demais contitulares são os titulares da quota societária compareceram a assembleias gerais da sociedade onde são aprovadas por maioria simples proposta de aplicação de resultados positivos sem distribuição de lucros e nada fizeram, conformando-se (aceitando), por omissão. J) O que, salvo melhor opinião e as regras da experiência comum, é susceptível de gerar “a confiança da Ré de que a Autora no futuro iria aceitar deliberações em termos que fossem aprovadas por maioria simples do capital social”. K) Assim, mal andou a sentença ora recorrida ao julgar procedente a ação, violando o disposto nos artigos 21.º, n.º 1, alínea a), 22.º, n.º 1, 33.º, n.º 2 e 3, 217.º, n.º 1, 246.º, n.º 1, alínea e) e 250.º, n.º 3, todos do Código das Sociedades Comerciais. L) Pelo que a mesma deve ser revogada e...

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