Acórdão nº 16/19.3EASTR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelFERNANDO PINA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA: I. RELATÓRIO A – Nos presentes autos de Processo Comum Singular que, com o nº 16/19.3EASTR, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de ..., Juízo Local Criminal ..., recorre a arguida AA, filha de BB e de CC, nascida em .../.../1991, solteira, vendedora ambulante, residente Rua ...., ... ..., do despacho proferido em 05-04-2023, que considerou transitada em julgado em 27-05-2022, a sentença proferida nos autos em 27-04-2022, que condenou esta mesma arguida como autora material e na forma consumada, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 321º do Código da Propriedade Industrial, numa pena de 4 (quatro) meses de prisão substituída por 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 7,00 (sete euros), num total de € 840,00 (oitocentos e quarenta euros).

Da motivação do recurso, da recorrente AA retiram-se as seguintes (transcritas) conclusões: 1. Objecto do presente recurso: Despacho com a ref. ...09 de 5 de abril de 2023 o qual dá como reproduzido a promoção do MP de 04-04-2023 com a ref. ...22 e que a final decide que a arguida se considera notificada da sentença condenatória a 27-04-2022 e que, não tendo aquela interposto o competente recurso no prazo legal que tinha para o efeito, tal decisão transitou em julgado no dia 27-05-2022.

  1. Nos presentes autos a questão que a recorrente pretende ver decidida por este alto Tribunal é a de saber se a recorrente, arguida nos autos, ao não ter estado presente na sessão da leitura da sentença condenatória, por ter sido dispensada de estar presente e porque ali se encontrava representada não por mandatário, mas por defensora oficiosa que lhe tinha sido nomeada, com a qual não tinha qualquer contacto ou confiança, se impunha ou não a sua notificação (da sentença condenatória) por prova de depósito simples para a morada constante do TIR.

  2. O Tribunal recorrido entendeu que não.

  3. A recorrente entende que sim.

  4. A Recorrente foi julgada na ausência.

  5. Na acta de leitura da sentença onde consta expressamente a disposição legal do art. 334º, nº 4 do CPP que tem como epígrafe, como sabemos, “audiência na ausência do arguido em casos especiais e de notificação edital”, dizendo aquele nº 4 que “Sempre que a audiência tiver lugar na ausência do arguido, este é representado, para todos os efeitos possíveis, pelo defensor”.

  6. A arguida foi dispensada de comparecer na data designada para a leitura da sentença.

  7. A decisão foi lida no dia 27 de abril de 2021 sem que a arguida estivesse presente.

  8. A recorrente tinha prestado TIR durante o inquérito.

  9. Assim, por decisão datada de 27 de abril de 2021, a arguida foi condenada pela prática, autoria material e na forma consumada, de um crime de venda, circulação ou ocultação de produtos ou artigos, previsto e punido pelo artigo 321º do Código da Propriedade numa pena de 4 (quatro) meses de prisão que se substituiu por 120 (cento e vinte) dias de multa à taxa diária de € 7 (sete Euros) Euros num total de € 840 (oitocentos e quarenta Euros).

  10. A arguida não foi notificada daquela sentença condenatória até ao dia de hoje.

  11. Nem se considera notificada do teor da sentença proferida na pessoa da sua defensora oficiosa, na medida em que tal interpretação violaria, intoleravelmente, o disposto nos artigos 113º, nº 1, al. c), a contrario, e nº 10, 333º, nº 5, 334º, nº 6, e 373º, nº 3, todos do Código de Processo Penal.

  12. Porquanto, não estando a arguida presente na leitura de sentença por se encontrar dispensada de ali comparecer, e tendo a mesma prestado TIR, a arguida teria de ter sido notificada da sentença por depósito simples para a morada do TIR.

  13. Assim, e nessa medida, veio a recorrente requerer a revogação de todos os despachos proferidos após a leitura da decisão condenatória proferida nos presentes autos e requerer que fosse ordenada a notificação da sentença à arguida nos termos previstos nos artigos 113º, nº 10, 333º, nº 5 e 333º, nº 6, todos do Código de Processo Penal.

  14. Em ordem a tornar compatíveis as enunciadas normas legais, há que considerar que a norma do artigo 373º, nº 3, do CPP é de caráter geral, sendo derrogada pela norma especial do artigo 333º, nº 5, do CPP, que se reporta à situação de o arguido ser julgado, na sua ausência, estando devidamente notificado para comparecer, nos termos previstos nos nºs 2 e 3 do artigo 333º do CPP.

  15. Caem no âmbito da previsão do artigo 333º, nº 5, do CPP, as situações em que o arguido, regularmente notificado das datas designadas para a realização da audiência de julgamento, não esteve presente em nenhuma das sessões da audiência, incluindo naquela em que teve lugar a leitura da sentença, realizando-se o julgamento na sua ausência, nos termos previstos no artigo 333º, nºs 2 e 3, do CPP.

  16. Esta situação tem um tratamento diferenciado, no que diz respeito à notificação da sentença ao arguido, daquelas situações em que o arguido, embora fisicamente ausente, deve considerar-se presente na audiência.

  17. Integrar-se-ão nestas últimas situações, a de o arguido ter consentido na realização do julgamento na sua ausência (cf. artigos 333º, nº 4 e 334º, nº 2, do CPP); aquela em que o arguido tiver comparecido à audiência, mas, sem justa causa, vier a afastar-se da sala (cf. artigo 332º, nºs 4 e 5, do CPP) ou a situação em que o arguido, por dolo ou negligência, se tiver colocado numa situação de incapacidade para continuar a participar na audiência (cf. artigo 332º, nº 6, do CPP); a situação em que arguido tendo estado presente em anteriores sessões da audiência, faltar injustificadamente à leitura da sentença. Em todas estas situações o arguido é representado, na audiência, pelo seu defensor para todos os efeitos possíveis e considera-se notificado da sentença depois desta ser lida perante o seu defensor nomeado ou constituído (cf. artigo 373º, nº 3, do CPP) – o que não corresponde ao caso dos autos.

  18. No caso dos autos, a audiência de julgamento teve lugar, na ausência da arguida, nos termos previstos no artigo 333º nº 2 do CPP, estando presente a defensora oficiosa que lhe foi nomeada.

  19. Assim sendo, não pode a arguida considerar-se notificada da sentença condenatória proferida nos autos, na pessoa da Ilustre defensora oficiosa que lhe foi nomeada, sendo legalmente exigida nessa situação, a sua notificação pessoal por depósito simples para a morada do TIR.

  20. Sobre a exigência de notificação pessoal da sentença ao arguido, que, estando notificado para comparecer, esteve ausente, na audiência de julgamento, pronunciou-se o Tribunal Constitucional, no Acórdão nº 274/2003, de 28-05-2003 com referência a normas idênticas à do atual nº 5 do artigo 333º, ínsitas no 334º, nº 6, do CPP, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de dezembro e no artigo 334º, nº 8, do CPP, na redação dada pela Lei nº 59/98, de 25 de agosto, decidindo-se que, no caso objeto de apreciação, fossem os «os preceitos constantes dos artigos 334º, nº 8, e 113º, nº 7, da versão do Código de Processo Penal emergente da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto, correspondentes aos dos artigos 334º, nº 6, e 113º, nº 9, daquele Código resultante do Decreto-Lei nº 320-C/2000, de 15 de Dezembro, conjugados com o nº 3 do artigo 373º, ainda do mesmo Código, interpretados no sentido de que consagram a necessidade de a decisão condenatória ser pessoalmente notificada ao arguido ausente, não podendo, enquanto essa notificação não ocorrer, contar o prazo para ser interposto recurso ou requerido novo julgamento.» 22. Por conseguinte, não podia o Tribunal a quo, no despacho recorrido considerar que a arguida se considera notificada da sentença na pessoa da sua Il. Defensora Oficiosa, que esteve presente na leitura da sentença, nos termos do disposto no artigo 373º, nº 3, do CPP.

  21. Pelo que não se considerando a arguida notificada na pessoa da sua defensora oficiosa a mesma, teria que, posteriormente, ser notificada por via postal simples, para a morada que a arguida indicou no TIR que prestou nos autos, nos termos do disposto no artigo 113º, nº 2, al. c), do CPP – o que não aconteceu.

  22. Nesta conformidade, não podem subsistir os despachos proferidos após a leitura da sentença condenatória, que foram proferidos como se a arguida tivesse sido notificada da sentença, na pessoa da sua ilustre defensora oficiosa presente aquando da leitura da mesma - despachos esses que devem ser revogados e substituídos por outro que determine a notificação da arguida, através de depósito simples para a morada que consta do TIR da Arguida ou por contato pessoal, da sentença proferida, nos termos do disposto nos artigos 113º, nº 1, al. a) e nº 10 e 333º, n.ºs 5 e 6, do Código de Processo Penal.

  23. Assim, a sentença condenatória proferida nos presentes autos ainda não transitou em julgado, não obstante ela ter sido comunicada ao registo criminal e terem sido liquidadas as custas no entendimento de que ela já teria transitado, pelo que deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deve ser revogado o despacho recorrido que declarou, pela primeira vez, que a arguida se considera notificada da sentença condenatória a 27-04-2022 e que tal sentença, por não ter sido objecto de recurso, transitou a 27-05-2022 e consequentemente devem ser revogados e serem dados sem efeito todos os despachos proferidos após a leitura da sentença com todas as consequências...

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