Acórdão nº 451/23.2PBELV-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelNUNO GARCIA
Data da Resolução05 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

ACORDAM OS JUÍZES QUE INTEGRAM A SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA RELATÓRIO O arguido AA foi sujeito a primeiro interrogatório judicial de arguido detido, no âmbito do qual foi determinado que aguardasse o decurso do processo em prisão preventiva

Inconformado com tal, o arguido recorreu, tendo terminado a motivação e recurso com as seguintes conclusões: “1. A medida de coação de prisão preventiva foi indevidamente aplicada porquanto não se encontram reunidos os requisitos; 2. Os crimes que se mostram indiciados não são os crimes de violência doméstica e ofensa à integridade física qualificada, mas sim ofensa à integridade simples, previsto no art. 143º do Código Penal

  1. O crime de violência doméstica, não exigindo comportamentos reiterados, pressupõe comportamento que se possa qualificar como maus tratos, o que não ocorre com qualquer agressão; ou seja, a configuração do crime pressupõe a existência de maus tratos físicos e psíquicos, ainda que praticados uma só vez, mas que revistam uma certa gravidade, traduzindo, nomeadamente, actos de crueldade, insensibilidade ou vingança da parte do agente e que, relativamente à vítima, se traduzam em sofrimento e humilhação

  2. Com efeito, o comportamento do Recorrente no que concerne a BB, nomeadamente, pelo facto de se ter tratado de um episódio isolado, do tipo de agressões em causa, entendemos que a intensidade das mesmas até pelas lesões delas resultantes não ofende significativamente a dignidade da vítima

  3. Deste modo, a conduta do arguido ainda que penalmente relevante, não assumiu a gravidade necessária para que possa ser enquadrada como maus-tratos ou transcenda o âmbito do crime de ofensa à integridade física

  4. Pelas mesmas razões se entende que as circunstâncias da agressão não revelam a especial censurabilidade ou perversidade que determinariam a qualificação da ofensa à integridade física

  5. Assim sendo, entendemos que os factos indiciados se reconduzem ao crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art. 143º do Código Penal e não ao crime de violência doméstica previsto no art. 152º do mesmo diploma

  6. No que concerne a CC, o Arguido admitiu tê-la empurrado com mão e esta ter caído ao chão

  7. A verificação de qualquer das circunstâncias exemplificadas no n.º 2 do art. 132º constitui só um indício da existência da especial censurabilidade ou perversidade, podendo negar-se este maior grau de culpa, apesar da presença de uma das referidas circunstâncias, e concluir-se pela especial censurabilidade ou perversidade, ou seja, pela qualificação do homicídio, apesar de se negar a presença de qualquer dessas circunstâncias, se ocorrer outra valorativamente análoga, pelo que, in casu, seria necessário que a conduta do Recorrente evidenciasse especial perversidade ou censurabilidade, sendo certo que, considerando o modus operandi e consequências do mesmo, não revestem a censurabilidade e perversidade necessárias para que se possa qualificar o crime

  8. Pelo que, entendemos que aqui se encontra indiciada a prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto no art. 143º do Código Penal e não o crime qualificado previsto no art.145º e 132º nº 2 alínea g) do Código Penal

  9. A aplicação da prisão preventiva depende da existência de fortes indícios da prática do crime de um dos crimes elencados nas alíneas do art. 202º do Código do Processo Penal

  10. Considerando o supra exposto, no presente caso e considerando o crime de ofensa à integridade física simples, a prisão preventiva não pode ser aplicada por não se subsumir a nenhuma das alíneas do nº 1 do art. 202º do Código do Processo Penal, nomeadamente pelo facto de a pena máxima aplicável ser inferior a cinco anos e por não se inserir no conceito de criminalidade violenta

  11. Pelo que, a medida de coação aplicada in casu é ilegal, devendo ser revogada

  12. Sem conceder e por mera cautela, ainda que se considere que os crimes que se consideram indiciados são violência doméstica e ofensa à integridade física qualificada, a verdade é que a medida de coação é excessiva e desnecessária, havendo outras que seriam suficientes para acautelar as necessidades cautelares que no caso se fazem sentir

  13. Com efeito, as medidas de coacção visam a descoberta da verdade, através do normal desenvolvimento do processo, sendo meros instrumentos processuais da eficácia do procedimento penal e da boa administração da justiça

  14. O Arguido, em sede de interrogatório judicial, confessou parcialmente os factos que se encontram indiciados nos presentes Autos, nomeadamente e para o que aqui nos interessa, tendo referido que, encontrou a Ofendida a traí-lo com outra pessoa e “perdeu a cabeça”

  15. Ao contrário do que refere o despacho recorrido, o Arguido não procurou desculpabilizar o seu comportamento nem culpar a vítima, este apenas referiu que o facto de ter presenciado aquela situação fez com que perdesse a cabeça, agindo a sangue quente e sem conseguir raciocinar devidamente

  16. O Arguido reconheceu que o comportamento assumido foi absolutamente inadmissível e injustificado, repetindo por diversas vezes ao Tribunal que não era aquela pessoa

  17. Por sua vez, este referiu já pretender separar-se da vítima BB antes do ocorrido no dia 2 de Setembro, estando já a diligenciar no sentido de se mudar para …, onde já teria emprego e local para residir

  18. Quanto a nós, não se mostra suficientemente indiciado que este episódio não se tivesse tratado de um acto isolado, porquanto o Arguido não admitiu a existência de discussões e agressões anteriores, sendo que, o Proc. … foi arquivado

  19. Efectivamente, esta situação teve um significativo impacto no Arguido, que nunca tinha sido condenado, ou sequer julgado num processo-crime, de modo que, apreendeu a necessidade de levar uma vida conforme o direito e pediu uma oportunidade ao Tribunal

  20. O Recorrente evidenciou, assim, ter sentido critico e reconhecer o desvalor das suas condutas

  21. O Recorrente tem um emprego e encontra-se inserido socialmente

  22. A liberdade das pessoas só pode ser limitada total ou parcialmente em função das exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e garantia patrimonial previstas na lei, estando subjacente à respectiva aplicação, os princípios da adequação e proporcionalidade, devendo reservar-se a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação para as situações em que as demais medidas se revelem inadequadas ou insuficientes (artigo 193º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal)

  23. Por sua vez, nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação, fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue em atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade públicas (artigo 204º do Código de Processo Penal)

  24. Apreciando os pressupostos do art. 204º do Código do Processo Penal, no que respeita ao perigo de fuga, deverá tratar-se de um perigo concreto, ou seja, de um perigo não abstratamente presumido e, sim, concretamente justificado, sendo que, os elementos objetivos do receio de fuga não poderão deixar de assentar num juízo de avaliação da realidade hipotética, de forma que, a mera possibilidade de futura condenação em pena de prisão não permite concluir pela existência de um concreto perigo de fuga, na mesma medida em que nem mesmo a ocorrência dessa condenação o permite

  25. Não obstante a nacionalidade do Recorrente ser brasileira, a verdade é que este tem emprego e os seus filhos em Portugal, pelo que, não se afigura que este abandone o país

  26. Relativamente ao perigo de perturbação do inquérito, este deve também ser aferido de forma concreta, sendo certo que, in casu, já consta do processo muita prova documental, para além da confissão do Recorrente, de forma que, não se vislumbra o que poderá indiciar de forma concreta que este poderá perturbar o inquérito

  27. De outro modo, o perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas há-de resultar do perigo baseado em factos capazes de mostrar que a libertação do arguido poderia efectivamente perturbar a ordem pública, não sendo suficiente uma qualquer “inquietação social”

  28. Por fim, no que respeita à continuação da actividade criminosa, cumpre mencionar o seguinte, o Recorrente não tem antecedentes criminais e sentiu-se intimidado, sofrendo um impacto com o sistema judicial, temendo as consequências que podem advir dos presentes Autos, não havendo razão concreta para crer que não conseguirão a partir, deste momento, viver uma vida conforme o Direito

  29. Por outro lado, o Recorrente mostrou-se arrependido, reconhecendo o desvalor do seu comportamento e admitiu já ter emprego na cidade de …, para onde se pretendia mudar

  30. Por sua vez e em função de tudo o exposto, afigura-se que a prisão preventiva é excessiva e inadequada in casu, sendo suficientes outras medidas, não restritivas da liberdade, para satisfazer as necessidades cautelares do processo, nomeadamente, apresentações periódicas, proibição de contactos com a vítima, proibição de frequentar certos locais ou imposição de certas regras de conduta

  31. Deste modo, considerando tudo o referido, entendemos que a medida de coação é ilegal por desproporcional e excessiva às necessidades cautelares que no caso se fazem sentir

  32. O douto despacho recorrido fez incorrecta apreciação dos factos e violando os artigos 32º nº 2, 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa, e os artigos 193º, 202º e 204º do Código de Processo Penal, pelo que deve ser revogado e substituído por outro que altere a medida de coacção de prisão preventiva

  33. Devendo assim, ser o douto despacho recorrido, revogado e substituído por outro que altere a medida de coacção de prisão preventiva, aplicando outra menos gravosa, e consequentemente, ordenando a libertação imediata do...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT