Acórdão nº 136/22.7GACUB-A.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelFÁTIMA BERNARDES
Data da Resolução05 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora: 1. RELATÓRIO 1.1. Nestes autos, por despacho judicial proferido em 12/05/2023, foi rejeitada a acusação deduzida pelo assistente AA, ao abrigo do disposto no artigo 311º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alíneas a) e c), do CPP, por manifestamente infundada, em virtude de não conter os elementos enunciados no artigo 283º, n.º 3, aplicável ex vi do artigo 284 n.º 2, ambos do CPP.

1.2. Inconformado como o assim decidido, o assistente interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando a respetiva motivação, da qual extraiu as seguintes conclusões: «1. Por despacho de fls. 96 e ss foi deduzida acusação pública contra o Arguido BB, na qual lhe foi imputada a prática de 1 (um) crime de ofensa à integridade física qualificada, p. e p. pelos artigos 143.º n.º 1, 145.º n.º 1 alínea a) e n.º 2, por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea l) do C.P., e 1 (um) crime de injúria agravada, p. e p. pelos artigos 181.º n.º 1, 184.º todos do Código Penal, também por referência ao artigo 132.º n.º 2, alínea l), todos do C.P, à qual o ora Recorrente, no dia 24/01/2023, subscreveu, dando-a por integralmente reproduzida (no ponto 5 de tal peça) acrescentando-lhe factos que melhor explicam, concretizam e contextualizam a conduta do arguido, sem com isso retirar consequência jurídica diversa, concordando pois com a subsunção jurídica dos factos operada pelo MP para aquela fase.

  1. O aditamento factual considerado pelo Assistente prende-se apenas com os possíveis efeitos a serem retirados em sede de medida concreta da pena, caso os mesmos venham a lograr ser provados.

  2. O despacho ora recorrido, datado de 12/05/2023, rejeitou a acusação deduzida pelo assistente, por a considerar manifestamente infundada nos termos do art. 311.º, n.ºs 2, alínea a) e 3, alíneas a) e c) do CPP, por não ter o ora Recorrente dado cabal cumprimento ao artigo 283º nº 3 al. a) a d) ex vi artº. 284 nº2 do C.P.P..

  3. Apenas razões de economia processual ditaram a não transcrição exacta da acusação pública, pois nada havia a alterar, mas somente aditar factualmente, sem alteração das consequências jurídicas, razão pela qual o Recorrente a deu por reproduzida dando, assim, cabal cumprimento ao artº. 283º do C.P.P., uma vez que faz da acusação do MP a sua, sendo aquela parte integrante desta.

  4. A própria decisão recorrida reconhece que o Recorrente limitou-se a expor alguns factos que não constam da acusação pública – os quais, autonomizados, não sobrevivem por si só, sendo um mero complemento aos factos descritos no libelo acusatório, para aquilatar da justa medida concreta da pena a aplicar ao Arguido.

  5. Ainda que assim não entendesse, o Recorrente remete ainda para o acórdão transcrito no corpo do presente, proveniente do Tribunal da Relação de Évora, de 12/01/2021, no Processo n.º 482/19...., em que foi Relator o Exmo. Sr. Juiz Desembargador NUNO GARCIA.

  6. Desde logo, o despacho que rejeita a acusação por manifesta improcedência somente forma caso julgado formal (artigo 620º, n. 1 do C.P.C.), na medida em que não conhece do mérito da causa.

  7. Nada obsta à reformulação da acusação, desde que o seu conteúdo material seja alterado com a inclusão dos factos pertinentes que conduziram à sua rejeição. Essa reformulação da acusação não constitui nem violação de caso julgado – formal ou material – nem violação do princípio ne bis in idem.

  8. Afigura-se, pois, razoável que, no processo penal, o legislador encontre soluções que permitam a correcção de lapsos e omissões, até certo ponto, ultrapassando a “não-aptidão” da acusação, desde que sejam respeitados certos limites e se continue a assegurar ao arguido um julgamento justo e com as devidas garantias de defesa.

  9. A mera insuficiência de articulação dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (imposta pelo art.º 283º 3 b) do C.P.P.), conduzindo à rejeição da acusação, implica a devolução dos autos ao MP para os fins que tiver por convenientes e não a extinção do procedimento criminal.

  10. Temos, portanto, que o que há a fazer é conceder ao assistente a possibilidade de, no prazo geral de 10 dias, apresentar nova acusação em que colmate a deficiência apontada no despacho recorrido, e nada mais do que isso.

  11. Nestes termos, entende o Recorrente que ao aderir, mas sobretudo subscrever e dar por reproduzida a douta acusação pública, aditando alguns factos que não importam alteração substancial, nem tão pouco alteração da qualificação jurídica, deu cabal cumprimento ao estatuído no artº. 284º nº 1 e 2 do C.P.P. e, como tal, a Acusação do Recorrente deveria ter sido aceite, e 13. Ainda que assim não se entendesse, o que por mera cautela de patrocínio sempre se concebe, o Tribunal recorrido deveria ter concedido ao Assistente a possibilidade de, no prazo geral, colmatar as alegadas deficiências apontadas, o que não fez.

    Termos em que se requer a V. Exa. se digne revogar parcialmente o despacho recorrido, na parte em que rejeita por infundada a acusação (aditamento de factos) do Assistente, substituindo-o por outro que aceite a acusação (aditamento de factos) do Assistente ou, no limite, que conceda ao Assistente a possibilidade de, no prazo geral, colmatar as deficiências apontadas.

    E.D.» 1.3. O recurso foi regularmente admitido.

    1.4. O Ministério Público, junto da 1.ª instância, apresentou resposta ao recurso, pronunciando-se no sentido de dever ser negado provimento ao mesmo e mantida a decisão recorrida, nos seus exatos termos, tendo, nessa conformidade, formulado as seguintes conclusões: «1. O recurso a que ora se responde é sobre matéria de direito e tem como objecto o despacho proferido em 12/05/2023, pelo tribunal ad quo e, onde se decidiu, além do mais, rejeitar a acusação deduzida pelo assistente em acompanhamento à acusação pública, quanto à admissão de novos factos, por o assistente não ter identificado o arguido ou elencado as normas jurídicas aplicáveis, admitindo apenas a mera adesão.

  12. Da interpretação das normas processuais em vigor, resulta que, caso a acusação deduzida pelo assistente não se limite a uma mera adesão, terá forçosamente de conter os elementos do artigo 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, ou estaremos, pelo menos, perante uma nulidade processual.

  13. Caso a referida acusação não contenha algum dos elementos do artigo 311.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, a mesma deverá ser rejeitada, por ser manifestamente infundada.

  14. A expressão “O assistente adere à acusação do M.ºP.º e subscreve-a nos seus precisos termos” não é passível de importar os elementos apontados como em falta pelo tribunal ad quo, já que subscrever (ou seja, concordar) com a acusação pública e dar por integralmente reproduzido o seu teor são expressões diferentes e que não significam a mesma coisa.

  15. Deveria, assim, a acusação fazer expressa menção à identificação do arguido e à respectiva qualificação jurídica, ainda que tais menções fossem incorrectas ou incompletas (por exemplo, indicar o nome do arguido, seguindo de uma expressão vaga como “melhor identificado nos autos”).

  16. A expressão referida no ponto de 5 da acusação, “(…) conforme se descreve nas factos constantes na acusação pública que já se subscreveu e que aqui se dá por reproduzida”, é também manifestamente inapta para cumprir tal objectivo, já que se limita a reproduzir os factos imputados ao arguido, não sendo extensível à identificação do mesmo ou à qualificação jurídica.

  17. Assim, afigura-se-nos que o assistente não cumpriu a exigências mínimas de identificar o arguido (pelo menos, com o nome) nem de elencar quaisquer disposições legais aplicáveis, pelo que não estão reunidos os elementos previstos nos artigos 283.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, aplicáveis ex vi artigo 284.º, n.º 2 do mesmo diploma legal.

  18. As normas do artigo 311.º, n.º 3 do Código de Processo Penal não deixam dúvidas sobre quais as consequências processuais de uma acusação manifestamente infundada, ou seja, a sua rejeição.

  19. Embora exista discussão doutrinária sobre o tema, no que concerne a acusações públicas e particulares, consideramos ser mais coerente com o espírito da lei, face às sucessivas alterações legislativas do Código de Processo Penal, que a decisão de rejeição da acusação faça, tão só, caso julgado formal, devendo os autos serem devolvidos ao Ministério Público, caso se trate de uma acusação pública, para os fins tidos por convenientes ou, caso se trate de acusação particular, para ser concedida ao assistente uma nova possibilidade para a dedução de acusação.

  20. Porém, tal posição não poderá ser aplicável à acusação complementar/subordinada apresentada pelo assistente, nos termos do artigo 284.º do Código de Processo Penal.

  21. De facto, a acusação do assistente está subordinada à acusação pública deduzida pelo Ministério Público e é irrelevante (em termos processuais) para a prossecução criminal do arguido e cumprimento das finalidades das quais o Direito Penal está incumbido, pelo que não faria sentido estar a devolver os autos ao Ministério Público para que o assistente aperfeiçoasse a sua acusação, já que tal acto provocaria um manifesto e desnecessário entorpecimento do processo.

  22. A esmagadora maioria dos factos alegados em sede de acusação pelo assistente estão também elencados no Pedido de Indemnização Civil (PIC) que apresentou, sendo que, os que não estão, podem vir a ser apurados no decurso da audiência de julgamento, por se tratarem de factos relevantes para a apreciação da causa, conforme dispõe o artigo 368.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

  23. Embora, em abstracto, existam, pelo menos, quatro hipóteses de resolução deste problema jurídico, consideramos que a mais coerente com as normas processuais em vigor, nomeadamente com as normas que regem o momento da prática de actos e que constam nos artigos 103.º, n.º 1 e 107, º do Código de Processo Penal, é a de que não há lugar ao aperfeiçoamento...

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