Acórdão nº 155/22.3GESLV.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05 de Dezembro de 2023

Magistrado ResponsávelMOREIRA DAS NEVES
Data da Resolução05 de Dezembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I – Relatório a. No ….º Juízo (1) de Competência Genérica de …, do Tribunal Judicial da comarca de … foi o presente processo distribuído sob a forma comum, da competência do tribunal singular

A acusação do Ministério Público imputa à arguida AA, com os demais sinais dos autos, a prática, como autora, de um crime de gravações ou fotografias ilícitas, previsto no artigo 199.º, § 2.º, al. a) do Código Penal (CP) e de um crime de perseguição, previsto no artigo 154.º-A do mesmo código

No controlo liminar do processo, efetuado nos termos previstos no artigo 311.º do Código de Processo Penal (CPP), a Mm.a Juíza considerou que a acusação era manifestamente infundada, por os factos nela imputados ao arguido não constituírem crime, uma vez que não se alegam os factos integradores do elemento subjetivo dos respetivos tipos de ilícito, pelo que a rejeitou (artigo 311.º, § 2.º, al. a) e § 3.º, al. d) CPP)

  1. Inconformado com essa decisão dela vem o Ministério Público recorrer, finalizando a respetiva motivação com as seguintes conclusões (transcrição): «(…) 2.º Ora, “manifestamente infundada é a acusação que, por forma clara e evidente, é desprovida de fundamento, seja por ausência de factos que a suportem, por a insuficiência de indícios ser manifesta e ostensiva, no sentido de inequívoca, indiscutível, fora de toda a dúvida séria, seja porque os factos não são subsumíveis a qualquer norma jurídico-penal, constituindo a designação de julgamento flagrante violência e injustiça para o arguido, em clara violação dos princípios constitucionais”. (Ac. da Relação de Lisboa de 16.05.2006, disponível in www.dgsi.pt); 3.º A M.ma Juiz recorrida considerou a acusação manifestamente infundada, por dela não constarem factos que preencham o elemento subjetivo do crime; 4.º Discorda-se desse douto despacho porque, por um lado não existe necessidade de serem narrados na acusação os factos tendentes à descrição da consciência da ilicitude; 5.º Por outro lado, porque dos factos constantes dos pontos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º e 19.º da acusação, resultam factos no sentido de que a arguida representou os factos, e resolveu praticá-los, não restando dúvidas que se encontram alegadas na acusação a vontade e a intenção da arguida de cometer os crimes que lhe vêm imputados; 6.º A acusação não só não é completamente desprovida de factos, de forma clara e evidente, como também se verifica que da mesma constam factos que preenchem, de forma suficiente e bastante, o elemento subjetivo; 7.º Mesmo que assim não se entenda, deveria a M.ma Juiz recorrida ter determinado o envio dos autos aos serviços do Ministério Publico para assim poder suprida a insuficiência verificada; 8.º Por último, temos para nos que cabe ao juiz de julgamento apurar a verdade material dos factos, e não cingir-se a uma visão formal do objeto da acusação; 9.º O que o Juiz não pode é antecipar-se ao julgamento, como fez a M.ma Juiz a quo – “o mérito da acusação só em julgamento pode e deve ser apreciado” (Acs. da Rel. Coimbra de 27.04.1994 e de 15.02.1995, in BMJ 436 e 444, págs. 455 e 721, respetivamente); 10.º Termos em que, decidindo como decidiu, a M.ma Juiz recorrida violou o disposto pelo art. 311.º, n.º 2, al. a), e n.º 3, al. d), do C.P.P

    Termos em que deverá dar-se provimento ao presente recurso, revogando-se, consequentemente, o douto despacho ora recorrido, devendo o mesmo ser substituído por outro que determine a remessa dos autos para julgamento, com a designação de data para realização da audiência de julgamento, ou então que determine a remessa dos autos ao Ministério Publico para os fins tidos por convenientes.» c. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância pronunciou-se no sentido da procedência do recurso

  2. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2.º do CPP, a arguida nada disse

  3. Efetuado exame preliminar e nada obstando ao prosseguimento do recurso foram os autos à conferência, com precedência de vistos ao Ex.mo Presidente da Secção Criminal e aos Ex.mos Desembargadores adjuntos. Cumprindo apreciar e decidir. II – Fundamentação 1.Objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2). De acordo com as conclusões do recorrente, verificamos que a única questão aportada ao conhecimento desta instância de recurso é a de saber se a acusação deduzida pelo Ministério Público é/não é manifestamente infundada

    1. O despacho recorrido A Mm.a Juíza a quem os autos foram distribuídos para julgamento na 1.º instância proferiu o seguinte despacho liminar (311.º CPP): «O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia

    * Questão Prévia: O Digno Magistrado do Ministério Público acusou AA da prática de um crime de gravações ou fotografias ilícitas, p. e p. pelo art. 199º, nº2, al. a), do Código Penal, na redação dada pela Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro, em concurso real com um crime de perseguição, p. e p. pelo art. 154º-A, do mesmo diploma legal

    Para tanto acusa a Arguida de: «1. No dia 12 de abril de 2022, pelas 19 horas e 30 minutos, a ofendida BB, melhor ido nos autos, encontrava-se no interior das instalações do hipermercado denominado "…", sito na Avenida …, na vila e freguesia de …, deste concelho de …; 2. Depois de realizar umas compras, encontrava-se já na caixa de pagamento, juntamente com o seu filho menor de cerca de 1 ano de idade, quando ali surgiu a ora arguida; 3. Esta muniu-se do seu aparelho de telemóvel, virou-o ma direção da ofendida, e tirou-lhe uma foto; 4. O que fez sem a autorização e contra a vontade da ofendida, que por mais que uma vez lhe disse para parar com a sua conduta; 5. A arguida não só não parou, como fez publicar tal foto na sua conta da rede social do facebook; 6. Mas a arguida não se limitou tão só a obter tal foto; 7. Em datas não apuradas mas que se sabe terem sido anteriores ao dia 12 de abril de 2022, pelo menos em dois ou três momentos, a arguida dirigiu-se ao local de trabalho da ofendida, sito no hipermercado "…", sito na Avenida …, na vila e freguesia de …, deste concelho de …, apenas e tão só com a intenção de se intrometer com ela; 8. Em dia e hora não apurados, mas em data posterior ao referido dia 12 de abril de 2022, a ofendida encontrava-se com o seu filho menor de idade no parque infantil de …; 9. A arguida nesse momento, dirigindo-se para a ofendida, disse-lhe que "esperasse, que ia ver o que lhe ia acontecer"; 10. A ofendida sentiu-se de tal modo receosa pelo que a arguida lhe poderia fazer, que solicitou a algumas pessoas ali presentes que a acompanhassem até um lugar seguro; 11. Noutro momento que não foi possível determinar no tempo, a ofendida encontrava-se juntamente com uma amiga junto ao estabelecimento de farmácia sito na Rua …, na vila de …; 12. Nesse momento ali chegou a arguida, a qual ficou imobilizada, a olhar fixamente para ambas; 13. Alguns momentos depois a ofendida dali saiu em direção à sua residência, tendo a arguida prosseguido a sua marcha atrás dela; 14. Ao mesmo tempo que ia proferindo várias expressões que a ofendida não percebeu, uma vez que a sua única preocupação era chegar o mais rápido possível à sua residência; 15. A arguida tem continuado a aparecer no local de trabalho da ofendida indicado em 7.°, onde fala alto dirigindo-se á ofendida, o que faz esta recear que a sua entidade empregadora a despeça; 16. A ofendida tem também receio que a arguida atinja a o seu filho menor na sua integridade física, em momento em que estejam sozinhos; 17. A ofendida sentiu-se em todos esses momentos coartada na sua liberdade de deslocação, temendo sempre qualquer atitude violenta da arguida; 18. A arguida, não obstante já ter sido chamada a atenção pela ofendida para não a incomodar mais, continua a persistir na sua conduta, bem sabendo que esta se mostra adequada a tornar-se incómoda, inconveniente e indesejada; 19. Resultado esse que representou, e quis levar a cabo; 20. A arguida agiu sempre de forma livre, deliberada e consciente 21. Bem sabendo que a sua conduta não lhe era permitida, e que a mesma era punida por lei.» Dispõe o artigo 311.º do Código de Processo Penal que: “1 - Recebidos os autos no tribunal, o presidente pronuncia-se sobre as nulidades e outras questões prévias ou incidentais que obstem à apreciação do mérito da causa, de que possa desde logo...

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