Acórdão nº 419/21.3PCLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelANTÓNIO LATAS
Data da Resolução23 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Recurso Penal NUIPC 419/21.3PCLSB.L1.S1 Acorda-se em conferência nas secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça Relatório 1.

No Juízo Central Criminal de ... (J.) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, o arguido, AA, fora condenado por acórdão de 22.11.2022 pela prática em autoria singular e em concurso efetivo de: - Um crime de homicídio qualificado, previsto e punido no artigo 131.º, 132.º, n.º 2, al. j), do Código Penal, na pena de 18 (dezoito) anos de prisão; - Um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido no artigo 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

Em cúmulo jurídico, fora o arguido condenado na pena única de 19 (dezanove) anos de prisão.

  1. Inconformado, o arguido interpôs recurso daquela decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa que, alterando pontualmente a matéria de facto provada, revogou parcialmente o acórdão proferido em 1ª instância e decidiu: “- Condenar o arguido AA pela prática em autoria singular de um crime de homicídio, previsto e punido no artigo 131.º do Código Penal, na pena de 11 (onze) anos de prisão; - “Confirmar a condenação do arguido AA pela prática em autoria singular e em concurso real de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no artigo 86.º, n.º 1, al. c) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão; - Operando o cúmulo jurídico entre as penas aplicadas, condenar o arguido AA na pena única de 12 (doze) anos de prisão.” 3. Inconformados com a decisão do TRL, o arguido e o MP vieram interpor recurso para o STJ.

    3.1.

    O arguido extrai da sua motivação as seguintes conclusões que se transcrevem ipsis verbis: «CONCLUSÕES 1-[O arguido] É uma pessoa socialmente inserida, quer familiarmente quer no mercado de trabalho, como motorista, na empresa Uber Eats e exercia funções havia um ano como empresário de motas na ... ........ .. Lda, antes de detido.

    2- O ora Recorrente foi pai acerca de 4 meses, recebendo vistas regulares da companheira, filho e cunhado no Estabelecimento Prisional; 3- No Estabelecimento Prisional não regista qualquer sanção disciplinar adoptando um comportamento adequado às regras impostas.

    4- Prima pela Ausência de Antecedentes Criminais; 5- Sendo que a aplicação da pena de prisão de dois anos ao crime de detenção de arma proibida não poderá deixar de ser considerada excessiva, devendo ser aplicado uma pena de multa.

    6- Deste modo, por errada interpretação o acórdão recorrido violou as normas legais contidas no nº 1 do artº 71º e 72º do Código Penal, e do artº 86º da Lei das Armas.».

    3.2.

    Por sua vez o MP extrai da sua motivação de recurso as seguintes conclusões: « II.

    Em conclusão: 1.

    Pelo acórdão de 11 de maio de 2023 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa foi dado parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA do acórdão 2.

    Que em 1ª instância o tinha condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131º e 132º, nº 2, al. j), do C.Penal, na pena de 18 anos de prisão e de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86º, nº 1, al. c), da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 anos de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 19 anos de prisão; 3.

    O acórdão ora recorrido introduziu alterações na matéria de facto provada e o ponto 5. passou a ter a redação “ O arguido AA adquiriu a um indivíduo não identificado a arma de fogo com que viria a disparar contra a vítima”; 4.

    Introduziu também alterações à matéria de facto não provada, onde foi dado como não provado que “o arguido AA já tivesse ponderado tirar a vida ao BB, adquirindo a arma de fogo propositadamente para esse efeito.” 5.

    Por decorrência foi o recorrido condenado pela prática em autoria singular de um crime de homicídio, previsto e punido no art. 131.º, do C.Penal, na pena de 11 (onze) anos de prisão; confirmada a sua condenação pela prática em autoria singular e em concurso real de um crime de detenção de arma proibida previsto e punido no art. 86.º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão; e operado o cúmulo jurídico entre as penas parcelares aplicadas, condenado na pena única de 12 (doze) anos de prisão.

  2. Acontece que, o acórdão recorrido padece do vício de contradição insanável da fundamentação, previsto no art. 410º, nº 2, b), do C.P.P., por ter sido mantido o facto provado sob o ponto 27., da matéria de facto provada, que continua a ter a seguinte redação “Ao adquirir a arma para esse efeito refletiu sobre os meios que iria empregar na morte de BB adquirindo propositadamente para esse fim.” 7.

    O que necessariamente se repercute na própria fundamentação, na qualificação jurídica, na intensidade do dolo e na culpa e na decisão.

  3. Deve, pois, ser conhecido e corrigido o referido vício, nos termos do art. 426º, do C.P.P.; 9.

    Admitindo-se ser de afastar a premeditação, dada a circunstância de ter sido a vítima que entrou em casa do recorrido, após ter arrombado a porta depois de ter dado várias pancadas com uma faca e pontapés e se dirigiu ao mesmo, o certo é que a pena aplicada é demasiado branda; 10.

    Naverdade,não foi dado como provado que o recorrido tenha agido por medo, nem que a vítima estava com a faca na sua posse, quando se dirigiu ao recorrido; na sua confissão este apenas admitiu a prática dos factos, mas não revelou arrependimento, afirmando “que não percebe porque os praticou”; 11.

    Desferiu dois tiros, a curta distância, um na região craniana e outro na zona torácica, com intenção de provocar a morte da vítima; 12.

    O recorrido não agiu por medo ou para defesa da própria vida e dos seus bens, agiu assim atenta a divergência, a quezília que existia entre si e a vítima, por causa de uma rapariga chamada CC; 13.

    O seu dolo é de elevada intensidade e elevado o grau de culpa; 14.

    Militam contra o recorrido, o grau de ilicitude, a gravidade do crime de homicídio e as suas consequências, a morte da vítima provocada pelo disparo de dois tiros a curta distância, o dolo direto de elevada intensidade, as circunstâncias de não ter prestado auxílio à vitima, seu compatriota, a fuga do local e só no dia seguinte se ter apresentado às autoridades, de ter comprado a arma com a intenção de a usar contra a vítima, sendo fúteis as razões das divergências entre ambos, os seus antecedentes criminais, a não demonstração da interiorização da gravidade da sua conduta; 15.

    Militam a seu favor a integração pessoal e social e a circunstância de se ter entregue às autoridades policiais, colaborando com estas na indicação do local onde tinha escondido a arma e as munições; 16.

    As exigências de prevenção geral são muito elevadas face ao bem jurídico violado: a vida humana e dados os contornos do caso; a gravidade jurídica do crime praticado pelo recorrido e a necessidade de defesa da sociedade perante este tipo de crime, que regista um aumento significativo, sendo enorme o alarme social que provoca; 17.

    As exigências de prevenção especial também são muito elevadas considerando os factos praticados e que o recorrido regista antecedentes criminais; 18.

    Numa visão de conjunto e ponderadas as circunstâncias pessoais do recorrido, a intensidade do dolo, o grau da ilicitude, a gravidade da culpa, as circunstâncias preventivas e retributivas e a moldura penal abstrata do crime de homicídio, 8 a 16 anos de prisão, entendemos ser demasiado branda a pena de 11 anos de prisão, devendo ser fixada perto do limite máximo; 19.

    Naturalmente que o defendido aumento da pena parcelar pela prática do crime de homicídio terá necessariamente de determinar em cúmulo jurídico, com a pena de 2 anos de prisão em que o recorrente foi condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida, um aumento da pena única a aplicar.

    Pugna-se, pois, que seja conhecido e corrigido o vício de contradição insanável na fundamentação, previsto no art. 410º, nº 1, b), do C.P.P., bem como a pena parcelar aplicada pela prática do crime de homicídio aumentada para um quantum perto do limite máximo, e em consequência, ser também aumentado o quantum da pena única aplicada em cúmulo jurídico.

    No entanto, Vossa Excelência decidirão como for de Justiça.

    » 4.

    O MP apresentou ainda resposta ao recurso interposto pelo arguido, nos seguintes termos: « II. Em conclusão: 1. AA recorre do acórdão proferido, a 11 de maio de 2023, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, na parte respeitante à condenação na pena de 2 anos de prisão, pela prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido no art. 86º, n.º 1, al. c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro; 2.

    Acontece que, quanto a este segmento o recorrente não recorreu do acórdão da 1ª instância; 3.

    Limitou, então, as questões a decidir à matéria de facto e de direito respeitante ao crime de homicídio, respetiva pena parcelar e repercussão na pena unitária; E foi neste horizonte que foram fixadas e conhecidas as questões sobre que incidiu o acórdão ora recorrido – arts. 402º, nº 1, 403º, nº 2, c) e f), do C.P.P.; 4.

    Não pode, pois, agora o arguido vir recorrer para o STJ, questionando a pena de 2 anos de prisão em que foi condenado pela prática do crime de detenção de arma proibida, por atualmente pretender ver substituída por multa; 5. Nesta parte, quanto a este segmento, o acórdão da 1ª instância transitou em julgado; 6. Verifica-se a existência de caso julgado parcial; 7. Deve, pois, o presente recurso ser rejeitado, por manifestamente improcedente, nos termos do art. 420º, nº 1, a), do C.P.P..» 4.

    Cumprido o disposto no artigo 416º CPP, o senhor Procurador-geral Adjunto no STJ emitiu parecer que conclui do seguinte modo: « (…) IV. Em sintonia do que vem de expor-se, e examinados os fundamentos dos recursos interpostos pelo Ministério Público e arguido, respetivamente, e da decisão colocada em crise, consideramos que a Digna Magistrada do Ministério Público junto da 2ª Instância identificou corretamente o objeto dos recursos em causa, fundamentando...

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