Acórdão nº 3011/23.4YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 23 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelJORGE DOS REIS BRAVO
Data da Resolução23 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Processo 3011/23.4YRLSB - Tribunal da Relação de Lisboa/...ª Secção Criminal * Acordam em conferência na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça I.

RELATÓRIO 1.

Por acórdão de 2 de novembro de 2023 (Ref.ª Citius ......42) do Tribunal da Relação de Lisboa (doravante, TRL), proferido no processo supra epigrafado, para execução de Mandado de Detenção Europeu (doravante, MDE) emitido pelas autoridades processuais competentes do Reino da ..., foi decidido: «a) Julgar improcedente a oposição deduzida e, em consequência, determinar a execução do mandado de detenção europeu em causa nos autos, emitido contra AA, ordenando-se a sua oportuna entrega às Autoridades ..., para procedimento criminal (processo ........................22), tendo-se em consideração que vigora o princípio da especialidade, pois que a ele o detido não renunciou; b) Determinar que AA continue a aguardar os ulteriores termos do processo na situação de detenção em que se encontra.» 2.

De tal acórdão interpôs recurso o arguido AA, expondo na sua motivação, que não contempla conclusões, os seguintes fundamentos: «1. O extraditando é réu primário, de bons antecedentes, nunca respondeu sequer uma investigação policial.

  1. O extraditando possui residência fixa em ..., no endereço Rua...

    ., ...

    , bem como possui trabalho fixo em ... na área de construção civil, conforme comprovado na Declaração e a sua autenticação, ambos docs. já anexados no processo (doc. – declaração de residencia e trabalho fixo; doc. – autenticação da declaração), firmada pelo seu “patrão”, o português BB, cujo inclusive cedeu sua residencia para o extraditando morar, o que demonstra ter o arguido personalidade calma e tranquila.

  2. O ora extraditando necessita responder o processo ... em território nacional português, pois, conforme comprovado documentalmente no processo em epígrafe, o extraditando sofre ameaças de morte com a foto do seu rosto divulgado nas redes sociais pelo fato envolvendo o homicídio de um cidadão marroquino na ..., conforme relatado oralmente em audiência de 1 interrogatório.

  3. Exmos. Juízes conselheiros, não se pode olvidar o fato de que os marroquinos são o maior grupo de imigrantes na ..., com 264.974 pessoas, conforme se comprova no link...

    , e inclusive % considerável dentro do sistema prisional ..., o que demonstra a iminente e alto risco á vida do extraditando caso seja entregue á ....

  4. Inexiste periculum libertatis in casu, AA tem residência fixa, o locador, seu patrão, que convive com AA na residencia de sua propriedade e que acolheu o ..., atesta sua boa conduta e comportamento conforme comprovado documentalmente nos autos, fazendo jus assim aguardar, o extraditando, a aplicação de medidas de coacção menos gravosas que a prisão, que hoje prospera de forma ilegal e abusiva, que causa evidente constrangimento ilegal.

  5. Não se pode olvidar, que inexiste perigo de fuga, o extraditando AA somente veio a Portugal por risco iminente de vida, pois está sendo confundido com autor de crime - que não está associado em nenhuma esfera - sendo certo que se quisesse fugir teria ido ao ..., já que sabe que sua pátria não o extraditada para outro país.

  6. A extradição de AA é compactuar com uma prisão para o resto da vida do extraditando em caso de condenação, pois conforme consta no artigo 393 do Código Penal Belga, a prisão pelo suposto crime pode ultrapassar os 30 anos de reclusão e chegar até a ser decretada a prisão perpétua, dependendo da análise dos magistrados locais.

  7. De acordo com diversos diplomas de Direitos Fundamentais e Direitos Humanos, tanto em sua ordem interna quanto externa, repudiam a aplicação de Lei mais gravosa ao extraditando.

  8. Tendo isso em vista, caso o extraditando venha a ser extraditado e responda perante a justiça ..., ele faz jus à Lei mais Benéfica, conforme dispõe, tanto o ordenamento fundamental constitucional, como infraconstitucional, sendo este o próprio Código Penal, tal como os Diplomas de Internacionais de Direitos Humanos, sendo assim, devendo responder, bem como caso futuramente venha a ser condenado, nos moldes do Código Penal Português, que prevê em seu Artigo 131 a pena de 8 a 16 anos e não a legislação Belga, claramente com a pena muito superior e desproporcional para o mesmo crime em Portugal, em garantia ao princípio da proporcionalidade, da dignidade da pessoa humana e da ressocialização do preso, estando, assim, garantindo-se os direitos fundamentais internos e externos de Direitos Humanos, evitando o retrocesso.

  9. O extraditando é presumido inocente até sentença condenatória transitada em julgado, sendo que responde uma investigação embrionáriana na ... com mandado de detenção europeu emitido em seu desfavor, cujo tem interesse em comprovar que não é autor de nenhum crime, e manifesta nesse ato interesse e se compromete na busca da verdade real dos fatos, já que nunca praticou nenhum crime em solo belga, nem em nenhum outro país da Europa (e nem mesmo no seu país de origem, o ...), sendo que desconhecia qualquer mandado de detenção europeu ou até mesmo qualquer investigação em seu desfavor. E diga-se e repita-se, foi para Portugal em virtude de risco iminente de vida.

  10. Não se pode olvidar que consta gravíssima contradição no mandado de detenção europeu, pois em uma parte consta expressamente que o Sr. CC teria sacado a faca do seu próprio corpo e desferido o golpe que culminou na morte do marroquino, entretanto, em outra parte consta que AA quem teria passado a faca, o que compromete a paridade de armas e a dignidade da justiça, que cerceia a defesa de AA e lhe coloca em prisão em processo de extradição de forma ilegal e abusiva, que lhe causa evidente constrangimento ilegal.

  11. É cediço que não se discute mérito dos fatos no processo de extradição, porém o que referido, a tal contradição, compromete a essência do mandado de detenção europeu e prejudica em efeito cascata o processo de extradição em epígrafe, em face exclusivamente de CC e sua conduta individualizada.

  12. Não foi AA quem desferiu a facada e nem passou nenhuma faca para CC (e a presunção de inocência é um direito garantido constitucionalmente), embora existam 2 versões e contradições no MDE que comprometem os fortes indícios da prática de crime por parte do extraditando AA. Se existe dúvida e contradição na forma de execução do crime, quem garante que também não existe erro quanto ao “partícipe” do delito e o que consta no MDE? 14. De acordo com o Artigo 6 da Lei de Cooperação Jurídica internacional em matéria penal (Lei n. 144/99 de 31 de Agosto), no caso em concreto, a cooperação deve ser negada eis que: i) De acordo com a alínea “c)” do referido artigo, existe risco de agravamento da situação processual do extraditando em virtude de ser nacional ...; ii) De acordo com a alínea “e)”, o facto a que respeita for punível com pena de morte ou outra de que possa resultar lesão irreversível da integridade da pessoa; iii) De acordo com a alínea “f)”,respeitar a infração aque corresponda pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida.

  13. Acerca do princípio da especialidade, importante frisar que o extraditando em 1 interrogatório afirmou expressamente que só aceita ser julgado pelos fatos objeto do mandado de detenção europeu que deu origem o processo de extradição em epígrafe o suposto crime de homicídio culposo, sem intenção de matar).

  14. Importante frisar, outrossim, a necessidade de aplicação do Artigo 18, n. 2, da Lei de Cooperação Jurídica Internacional, tendo em vista caso deferido o pedido, resultará em consequências graves para o extraditando, em virtude da sua idade (de possuir apenas 21 anos de idade e diante da pena elevada ser afastado o princípio da ressocialização do preso, seuestadomental(jáqueafastadaaressocializaçãodopresoeapenadeprisãoperpétuaoumuitomaioremanosparaomesmocrimedeacordocomlegislaçãoportuguesa)esobretudooriscodevida,conformecomprovadodocumentalmente na presente oposição já que sofre ameaças de morte somente pelo fato de ser brasileiro, dentro e fora do sistema prisional belga.

  15. Exmos.Juízes conselheiros, no caso não estão preenchidos os requisitos para a detenção provisória do extraditando conforme a legislação portuguesa.

  16. Estão preenchidos todos os requisitos para a aplicação de medida de coacção menos gravosa que a prisão, não pode ser aplicada a detenção somente pelo perigo abstrato do crime. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 38, n. 6, ou seja, na pendencia do processo e até o transito em julgado da decisão final, é aplicável medidas de cocção não detentivas.

  17. Como é embrionária ainda a fase de investigação, nada se garante que o crime de homicídio in casu não tenha a pena de prisão perpétua, já que em fase de sentença judicial pode ser fixada pena para crime premeditado, sendo certo que se diferente for, o crime possui pena de 20 a 30 anos, muito superior a pena para o mesmo tipo de crime em Portugal (homicídio culposo).

  18. No presente caso, não estão preenchidos os requisitos dos artigos 2 e 3 da Lei n. 65/2002 de 23 de Agosto.

  19. Além disso, consta expressamente no artigo 11 da referida Lei, os motivos de não execução obrigatória do mandado de detenção europeu, e devem ser aplicados os efeitos das letras “d)”, já que preenchido no caso em concreto.

  20. No que tange ao artigo 12 da referida lei, consta expressamente no artigo da referida Lei, as causas de recusa facultativa de execução do mandado de detença europeu, e devem ser aplicados os efeitos da letra “g)”, já que o extraditando reside em Portugal, e diante do risco iminente de vida, o Estado português pode se comprometer a aplicar a pena que possa a vir...

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