Acórdão nº 644/18.4T9ABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelARTUR VARGUES
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora I - RELATÓRIO 1. Nos autos com o nº 644/18.4T9ABF, do Tribunal Judicial da Comarca de …– Juízo de Instrução Criminal de … – Juiz …, foi proferida, aos 18/04/2023, decisão instrutória que julgou nula a acusação particular deduzida pela assistente AA contra a arguida BB no que tange aos crimes de natureza semi-pública, bem assim quanto aos crimes de furto e abuso de confiança e não a pronunciou pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, do Código Penal; um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal; um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal; um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal; um crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal e um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal

  1. A assistente não se conformou com esse despacho e dele interpôs recurso, impetrando a sua revogação e substituição por outro que pronuncie a arguida pelos crimes de natureza particular

    2.1 Extraiu a recorrente da motivação as seguintes conclusões (transcrição): 1. Através do presente recurso, pretende a recorrente colocar em crise a Decisão de Não Pronúncia quanto aos crimes de natureza particular, nomeadamente, quanto à falta de fundamentação, com especificação dos motivos de facto e de direito da Decisão de Não Pronúncia e da validade da acusação particular

  2. É aceite na Jurisprudência, que a Decisão Instrutória (neste caso de Não Pronúncia), sendo um ato judicial decisório, tem obrigatoriamente que ser fundamentada, com a especificação dos motivos factuais e legais de tal Decisão, nos termos dos artigos 307.º, n.º 1, 308.º, n.º 2, 283.º, n.º 3, al. b), e 97.º, n.º 5, todos do Código de Processo Penal

  3. Não sendo na Decisão cumprida tal obrigação ou havendo omissão quanto à mesma, nomeadamente quanto à devida enunciação dos factos indiciados e não indiciados, ocorre uma manifesta falta de fundamentação

  4. Tal omissão configura uma nulidade que deve ser sanada pelo Meritíssimo Juiz de Instrução Criminal (adiante JIC), nos termos e para os efeitos dos artigos 120º e 122º do CPP

  5. No presente caso, a Decisão Instrutória não enunciou devidamente os factos indiciados e não indiciados

  6. Volvidos 4 anos de inquérito, sem diligências ou acusação do Ministério Público, atentos os factos praticados e os indícios existentes, nomeadamente, em termos testemunhais e de declarações para memória futura), tivesse o mesmo acusado, e não ocorreria certamente uma Decisão de Não Pronúncia, nesse caso

  7. Pois que, seria a arguida certamente, pronunciada com o argumento reiterado e frequente de que se apreciaria em sede de discussão e julgamento

  8. Em sede de Debate Instrutório, nada ocorreu que abalasse ou fizesse duvidar do alegado na Acusação Particular

  9. A referência aos crimes de natureza semi pública, serviram de referência e desabafo da assistente à estagnação do processo em fase de inquérito, 10. Os Assistentes, tinham à data dos factos mais de 87 e 91 anos

  10. Defende o Sr. Conselheiro Maia Costa, num comentário ao artigo 308.º do CPP (Loc. Cit.), “o despacho de não pronúncia por insuficiência de indícios deverá fixar expressamente quais os factos considerados suficientemente indiciados. É que sobre tais factos forma-se caso julgado, em termos de ser inadmissível a reabertura do processo face à eventual descoberta de novos factos ou meios de prova, ao contrário do que acontece com o inquérito arquivado, que pode ser reaberto se forem descobertos factos novos (artigo 279.º, n.º 1)”

  11. E, salvo o devido respeito pelo Douto Tribunal, não se concorda com a decisão de Não Pronuncia, por se entender que a acusação não padece de uma nulidade, pois contém a narração, ainda que sintética de todos factos imputados à arguida

  12. De igual é realizada a imputação subjectiva

  13. E, não poderia o JIC considerar inócua a factualidade descrita na acusação particular

  14. A decisão do Tribunal “a quo” decidiu considerar nula a acusação particular da assistente, por violação do disposto no artigo 283.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Penal, na parte em que é imputada à arguida a prática de um crime de furto, previsto e punido pelo artigo 203.º, n.º 1, do Código Penal e de um crime de abuso confiança, previsto e punido pelo artigo 205.º, n.º 1, do Código Penal, proferindo despacho de não pronúncia

  15. Não há, no modesto entendimento da assistente, fundamento para tal decisão, uma vez que não se verifica nenhum dos vícios previstos no artigo 311.º do C.P.P., na medida em que contém todos os elementos integradores do tipo de ilícitos em questão, o crime de abuso de confiança e do crime de furto

  16. Pelo que deverá ser revogada a decisão de não pronúncia, por manifestamente infundada, por violar o disposto nos artigos 203.º, n.º 1 e 205.º, n.°1, ambos do Código Penal e 311.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e em sua substituição ser proferida decisão que pronuncie a arguida pelos crimes de furto e abuso de confiança

  17. A Douta Decisão recorrida violou, assim, entre outros, os artigos 97.º, n.º 5, 120º, 122º, 307.º, n.º 1, 283.º, n.º 3, al. b), 308.º, n.º 2 e 311.º do Código de Processo Penal do Código de Processo Penal, e, os artigos. 203.º, n.º 1 e 205.º, n.º 1, do Código Penal

    NESTES TERMOS, dando-se provimento ao recurso, revogando-se a Decisão recorrida nos termos supra expostos, substituindo-se a mesma por outra que pronuncie a arguida pelos crimes de natureza particular, V. Exas. farão, como sempre, INTEIRA JUSTIÇA! 3. O recurso foi admitido, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo

  18. Respondeu a Magistrada do Ministério Público junto do tribunal a quo à motivação de recurso, pugnando pela confirmação da decisão recorrida

  19. Nesta Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso

  20. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido apresentada resposta

  21. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência

    Cumpre apreciar e decidir

    II – FUNDAMENTAÇÃO 1. Âmbito do Recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso – neste sentido, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª Edição, Editorial Verbo, pág. 335; Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Edição, Editora Rei dos Livros, pág. 103, Ac. do STJ de 28/04/1999, CJ/STJ, 1999, Tomo 2, pág. 196 e Ac. Pleno STJ nº 7/95, de 19/10/1995, DR I Série –A, de 28/12/1995

    No caso em apreço, atendendo às conclusões da motivação de recurso, as questões que se suscitam são as seguintes: Nulidade da decisão recorrida por falta de fundamentação

    Não verificação da nulidade da acusação particular quanto aos crimes de furto e abuso de confiança

    Suficiência de indícios da prática dos crimes de injúria e difamação

  22. Elementos relevantes para a decisão 2.1 Em sede de inquérito foi lavrado despacho pelo Ministério Público, aos 14/07/2022, relativamente à queixa apresentada por CC e AA contra sua neta BB (…), em que se entendeu que “os factos participados apenas podem integrar, em abstracto, a prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal”, que tem, no caso, natureza particular, atento o disposto no artigo 207º, nº 1, do Código Penal, pelo que determinou fossem notificados “os assistentes, nos termos do disposto no artigo 285º, nº 1, do Código de Processo Penal, para, querendo, em 10 dias, deduzir acusação particular, considerando que o Ministério Público não tem legitimidade para acusar, consignando-se, na notificação a efectuar e para efeitos do nº 2 do normativo já citado, que não foram recolhidos indícios suficientes da prática de crime”

    2.2 Em 02/08/2022, AA (tendo, entretanto, falecido o assistente CC) deduziu acusação particular contra BB, imputando-lhe a prática de factos integradores, na sua perspectiva, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo artigo 181º, do Código Penal; um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153º, nº 1, do Código Penal; um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo artigo 205º, nº 1, do Código Penal; um crime de furto, p. e p. pelo artigo 203º, nº 1, do Código Penal; um crime de coacção, p. e p. pelo artigo 154º, nº 1, do Código Penal e um crime de difamação, p. e p. pelo artigo 180º, nº 1, do Código Penal

    2.3 Por despacho de 09/09/2022, o Ministério Público não acompanhou a acusação particular deduzida pela assistente quanto ao crime de abuso de confiança, porquanto, “atenta a prova carreada nos autos, não se mostram recolhidos indícios suficientes da verificação do crime imputado.” Quanto aos crimes de injúria, difamação e furto, igualmente a não acompanhou, com fundamento na posição anteriormente assumida

    Relativamente aos crimes de natureza semi-pública (ameaça e coacção), pugna pela rejeição da acusação particular, por faltar à assistente legitimidade para a dedução da acusação, porquanto o Ministério Público a não deduziu

    2.4 Aos 27/02/2023, a arguida requereu a abertura da instrução, impetrando a sua não pronúncia pela prática dos crimes imputados na acusação particular

    2.5 A decisão recorrida, proferida em 18/04/2023, tem o seguinte teor, na parte que releva (transcrição): I – RELATÓRIO A. AA, assistente no âmbito dos presentes autos, sob a forma de processo comum e mediante intervenção do Tribunal singular, deduziu acusação particular contra: BB, divorciada, nascida em ……..1979, natural de …, filha de DD e EE, titular do cartão de cidadão n.º … e residente na Rua …, lote …, n.º…, …, imputando-lhe a prática, em autoria imediata, na forma consumada e em concurso efectivo, de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de ameaça, previsto e punido pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, de um crime de...

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