Acórdão nº 3068/21.2T8STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelELISABETE VALENTE
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora: 1 – Relatório.

(…) e (…) – Sociedade de Construções Lda. instaurou a presente acção contra (…), contribuinte fiscal (…), residente em Rua (…), n.º 79-C, em Ourém, por si e em representação da menor (…), contribuinte fiscal (…), também ali residente, pedindo que as rés sejam condenadas a: a) Reconhecerem a autora como dona e legítima proprietária do imóvel identificado no artigo 1º da petição inicial e condenadas a entregá-lo à autora. completamente livre e devoluto de pessoas e bens; b) Pagarem à autora, a título de indemnização pelos danos causados, a importância de € 59.045,00 (cinquenta e nove mil e quarenta e cinco euros) calculada até Novembro de 2021 e, ainda, a contar desta data, o montante mensal de € 375,00, correspondente ao valor do último mês de utilização abusiva, até à entrega efetiva do imóvel, com atualizações anuais às taxas fixadas legalmente para as rendas livres, a liquidar em execução de sentença, e a taxa de juro legal (vencidos e vincendos) sobre o montante total da indemnização até ao integral e efetivo pagamento; c) Pagarem à autora a título de indemnização os respetivos IMI suportados por aquela desde 2008.

Para fundamentar o conjunto de pretensões supra enunciado, alegou, em resumo, o seguinte: - A autora é proprietária de um prédio urbano destinado a habitação sito em Rua (…), n.º 79-C, freguesia de (…) e concelho de Ourém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém, sob a ficha (…); - A autora, no exercício do seu direito de propriedade, quer entrar na posse material e efectiva do identificado prédio, mas não consegue visto que as rés o ocupam desde 2008, sem o seu consentimento e sem qualquer título legítimo; - Caso o imóvel tivesse sido entregue à autora no referido ano de 2008, aquele poderia ser colocado no mercado de arrendamento, podendo a ora demandante auferir, desde aquela data até hoje, o rendimento de € 59.045,00.

- Para além dos prejuízos que decorrem da subtracção do gozo do imóvel e da consequente impossibilidade de o colocar no mercado de arrendamento, a autora sofreu danos que se traduzem na circunstância de ter pago o respectivo IMI, desde o mencionado ano de 2008, danos esses que as ora rés estão obrigadas a ressarcir, nos termos legais.

As rés contestaram, sustentando que a pretensão indemnizatória que a autora formula nos autos se encontra prescrita, mas tendo impugnado, de forma motivada, parte da factualidade alegada pela demandante.

Em reconvenção, com fundamento na celebração de um contrato de comodato que incidiu sobre o prédio reivindicado, peticionaram que fosse reconhecida às rés a sua qualidade de comodatárias do imóvel identificado no artigo n.º 1 da P.I, fixando-se a este comodato, carácter vitalício.

A autora apresentou réplica, pronunciando-se no sentido da improcedência da arguida prescrição e do pedido reconvencional, sendo que relativamente a este último sustentou que a existir o invocado comodato, o mesmo seria nulo, por violação do regime previsto no artigo 6.º do Código das Sociedades Comerciais.

Em resposta, as rés sustentaram que não ocorre a invocada nulidade, mantendo o alegado na contestação/reconvenção.

Realizou-se audiência final.

Veio a ser proferida sentença, que julgou a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, em consequência, decidiu: a) Absolver as rés do pedido formulado pela Autora; b) Condenar a autora/reconvinda a reconhecer que as rés/reconvintes são comodatárias da fracção autónoma destinada a habitação sita Rua (…), n.º 79-C, freguesia de (…), concelho de Ourém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourém sob o n.º (…), podendo as mesmas residir na mesma até ser cumprida a condição descrita no ponto 9 (nove) da factualidade assente (construção da moradia aí indicada); c) Condenar a autora no pagamento das custas a que deu causa, na proporção do decaimento; d) Não condenar as partes, designadamente a autora, como litigantes de má-fé; e) Ordenar o registo e notificação da presente sentença.

Inconformada com a sentença, a autora interpôs recurso contra a mesma, apresentando as seguintes as conclusões do recurso (transcrição): «1. O presente recurso visa discutir a decisão proferida acerca da matéria de facto (com recurso m sede de audiência de julgamento) e de direito que recaiu sobre a questão de mérito nos autos, visando a reapreciação de ambas, requerendo- se a respetiva revogação da sentença recorrida e a sua substituição por decisão que julgue totalmente procedente o pedido deduzido pela Autora.

  1. Os autos contêm elementos, nomeadamente registos da gravação das declarações de parte do legal representante da Autora e dos demais depoimentos testemunhais, dos quais depende a aplicação, à situação vertente, do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, ou seja, que está ao alcance desta 2.ª Instância a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto julgada provada e não provada.

  2. Consta do facto alegado no artigo 9.º da Petição Inicial apresentada pela Autora, ora Recorrente, que “E, após se dar o (infeliz) óbito do cônjuge da R. – filho do gerente da A. – a A. solicitou às RR. para que precedessem à entrega do locado, vazio de pessoas e bens”.

  3. Veio o Tribunal a quo, diga-se erroneamente, dar como não provado o facto segundo o qual, após se ter dado o óbito do cônjuge da Recorrida (…) – filho do gerente da Recorrente – a Recorrente solicitou às Recorridas que precedessem à entrega do imóvel objeto da discussão, vazio de pessoas e bens.

  4. Não pode a Recorrente concordar com o assente pelo Tribunal a quo.

  5. Em sede de depoimento testemunhal, o Exmo. Sr. (…), pai da Recorrida (…) e avô da Recorrida (…), referiu que “combinou numa marisqueira – entenda-se o legal representante da Autora, ora Recorrente, Exmo. Sr. (…) – um encontro comigo e com a minha filha (…) e diz «elas são suas, leve-as para casa e o apartamento pode ser alugado em nome da (…), quando ela tiver 18 (dezoito) anos e o dinheiro vai para o banco para ela ter dinheiro para os estudos»” – cfr. Depoimento testemunhal do Exmo. Sr. (…) em audiência de julgamento realizada no dia 21.09.2022, às 14h23, entre os minutos 00:07:40 e 00:08:15.

  6. Conforme referido pelo próprio pai e avó das Recorridas, o legal representante da Recorrente, deu sempre a entender, inclusive, no episódio que ocorreu numa marisqueira que tinha outros planos e objetivos para o imóvel que as Recorridas ocupavam e ainda ocupam à data de hoje.

  7. O legal representante da Recorrente referiu querer arrenda o imóvel, o que, consequentemente, teria de conduzir ao abandono do imóvel pelas Recorridas.

  8. Esta foi a mensagem transmitida pela Recorrente, ouvida pelas Recorridas.

  9. A intenção da Recorrente, na pessoa do seu legal representante que vincula aquela, sempre foi a de proceder à desocupação do imóvel, através da retirada das Recorridas daquele, tendo sido sempre essa a mensagem transmitida, tanto ao pai das Recorridas, como às próprias.

  10. Não têm as Recorridas como negar não saberem que teriam de abandonar o imóvel e que isso, efetivamente, lhes foi transmitido e pedido.

  11. As Recorridas estavam presentes no episódio que ocorreu na marisqueira.

  12. Em sede de declarações de parte prestadas pela Recorrida (…), confirmou a mesma ter ouvido as frases proferidas pelo legal representante da Recorrente, no referido episódio que ocorreu numa marisqueira, das quais: “ele- entenda-se, o legal representante da Recorrente, (…) – depois disse ao meu pai «elas são suas, leve-as para a sua casa que eu vou tratar de alugar o apartamento e por a renda em nome da menina que quando ela tiver 18 (dezoito) anos ter dinheiro para estudar»”, referindo ainda que lhe respondeu “é assim, eu não sou nenhum objeto, se eu ainda ontem tinha, vamos deixar ver até que a lei me permita” – cfr. declarações de parte da Recorrida (…) em audiência de julgamento realizada no dia 21.09.2022, às 14h47, entre os minutos 00:09:40 e 00:10:07.

  13. As Recorridas, nomeadamente, a Recorrida (…), sabia e tinha consciência da necessidade de ter de abandonar o referido imóvel, como a mesma admite ainda ter-se aproveitado de toda a situação para se ir mantendo, e mantendo, e mantendo (…) a residir no imóvel propriedade (!) da Recorrente, sobretudo na parte em que referiu, no citado depoimento que “vamos deixar ver até que a lei me permita”.

  14. A Recorrida (…) ouviu o proferido pelo legal representante da Recorrente, ao referir que pretendia arrendar o imóvel, como ainda respondeu, de forma indireta, alegando que não iria abandonar o apartamento, uma vez que não é nenhum objeto, e que iria permanecer no mesmo até que a lei o permitisse, quem sabe, indefinidamente como pretende.

  15. Ainda assim, as Recorridas continuaram a desrespeitar a vontade da Recorrente.

  16. A conclusão- as Recorridas terem de abandonar o imóvel- que se retira da frase proferida pelo legal representante da Recorrente, é totalmente inevitável e compreensível por qualquer normal declaratário, uma vez que é factualmente impossível que a Recorrente arrende o imóvel e, simultaneamente, permitam que as Recorridas continuem a residir no mesmo.

  17. Ou se arrenda o imóvel a outrem ou as Recorridas continuam a permanecer no mesmo, sendo as duas situações alternativas e não cumulativas.

  18. No mesmo sentido seguiu ainda o depoimento prestado em sede de declarações de parte do legal representante da Recorrente, (…), no qual teve oportunidade de referir que, ao ser perguntado se alguma vez fez alguma interpelação às Recorridas para que estas abandonassem o imóvel, referiu “fazia verbalmente e quando fiz foi mais com o Dr. (...), mais tarde, porque ela nunca mais de lá saía” – cfr. declarações de parte do legal representante da Recorrente em audiência de julgamento realizada no dia 21.09.2022, às 15h11, entre os minutos 00:04:49 e 00:05:20.

  19. Mais se diga que, também em sede de declarações de parte prestadas pela Recorrida (…), referiu a mesma, ao...

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