Acórdão nº 1537/23.9T8STB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 07 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelANA MARGARIDA LEITE
Data da Resolução07 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1537/23.9T8STB.E1 Juízo de Comércio de Setúbal Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal Acordam na 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: 1.

Relatório (…), invocando a qualidade de sócia de Pastelaria (…), Lda., intentou, em 28-02-2023, a presente ação de destituição de titulares de órgãos sociais, com processo especial, contra o gerente da sociedade, (…), e contra a sociedade, formulando o pedido seguinte: «

  1. Ser o 1.º Réu destituído do cargo de Gerente por justa causa por violação dos deveres de cuidado e lealdade a que está legalmente obrigado e subsequentemente ser a Autora nomeada Gerente da 2.ª Ré, nos termos conjugados dos artigos 64.º, 255.º e 257.º do Código das Sociedades Comerciais e dos artigos 1054.º e 1055.º do Código de Processo Civil, e b) Ser o 1.º Réu condenado a devolver à 2.ª Ré a quantia monetária propriedade desta e de que ilicitamente se apropriou para satisfação de necessidades pessoais, no valor total de € 189.130,50 (cento e oitenta e nove mil cento e trinta euros e cinquenta cêntimos) acrescido de juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento».

    Alega, para o efeito, em síntese, que autora e 1.º réu são os únicos sócios da sociedade 2.ª ré, sendo cada um titular de uma quota correspondente a 50% do capital social, tendo a autora sido gerente até 01-03-2018, data a partir da qual, no contexto que descreve, passou o 1.º réu a exercer a gerência, situação que se mantém; acrescenta que, na sequência de consulta e análise de dados contabilísticos a que foi tendo acesso de forma intermitente a partir de 2020, teve conhecimento dos factos que descreve, que sustenta consubstanciarem má gestão por parte do 1.º réu, de cuja atuação decorreu o endividamento da 2.ª ré; afirma a autora que o 1.º réu, desde que assumiu o cargo de gerente, desviou valores monetários pertencentes à sociedade para seu uso e benefício pessoal, endividou a 2.ª ré devido à má gestão e ao desvio de valores monetários para uso e benefício pessoal e incumpriu obrigações tributárias relativas à 2.ª ré, encontrando-se a sociedade numa situação de carência de capital para proceder ao pagamento de dívidas contraídas no exercício da atividade comercial; conclui que o 1.º réu, na qualidade de gerente da 2.ª ré, atuou com prejuízo desta, ilicitamente, violando os deveres de lealdade e de cuidado e adotando uma conduta desleal e danosa dos interesses da sociedade, como tudo melhor consta da petição inicial.

    Citados, os réus contestaram, defendendo-se por exceção – alegando a ilegitimidade da 2.ª ré e a prescrição do direito invocado pela autora, com fundamento no decurso do prazo previsto no artigo 254.º, n.º 6, do Código das Sociedades Comerciais – e por impugnação.

    A autora apresentou articulado, no qual se pronunciou sobre a matéria de exceção.

    Foi realizada audiência prévia, na qual se admitiu o articulado de resposta apresentado pela autora, se fixou o valor à causa e se proferiu despacho saneador, tendo-se julgado não verificada a exceção de ilegitimidade passiva arguida e verificada a exceção de prescrição invocada, em consequência do que se absolveu os réus da instância, condenando-se a autora nas custas.

    Inconformada, a autora interpôs recurso do despacho saneador, na parte relativa à decisão da exceção de prescrição, pugnando pela respetiva revogação, terminando as alegações com a formulação das conclusões seguintes: A. Nos presentes autos, foi requerido a destituição de gerente (…), com os fundamentos que sumariamente se indicam desvio de valores monetários pertencentes à Pastelaria (…), Lda. pelo gerente (…) para uso e benefício pessoal, sendo ambos Requeridos nos autos, endividamento da Pastelaria (…), Lda. devido à má gestão e ao desvio de valores monetários pelo gerente (…) para uso e benefício pessoal, incumprimento das obrigações tributárias por parte da Pastelaria (…), Lda. e (…), enquanto gerente, e dos comportamentos ilícitos por parte do gerente (…), com violação dos deveres de cuidado e lealdade, tendo sido requerida a destituição do gerente, nomeação de nova gerência e restituição dos valores à Pastelaria (…), Lda. por parte do gerente.

    1. O Requerido, invocou a prescrição do direito a pedir a destituição da qualidade de gerente, sustentando que tal prescrição ocorre no prazo de 90 dias após o conhecimento dos factos, a ilegitimidade da Pastelaria (…), Lda. e impugnou os factos constantes da petição inicial, com base na aplicação analógica do artigo 254.º, n.º 6, do CSC.

    2. A Requerente, nos termos do requerimento de 21 de Abril de 2023, sustentou a inexistência da ilegitimidade e de qualquer prescrição, uma vez que não existe prescrição de 90 dias, pois o 254.º do CSC é apenas aplicável à situação referida, ou seja, à proibição de concorrência, não tendo aplicação aos casos previstos no artigo 257.º, n.º 4 e 5, do CSC aplicando o prazo de 5 anos previsto no artigo 174.º do CSC.

    3. Em sede de audiência prévia, realizada em 22-06-2023, por saneador-sentença, o 3.º Juiz do Tribunal da Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo de Comércio, julgou procedente, por provada, a exceção de prescrição, e, em consequência, absolveu os Requeridos da instância, acolhendo o entendimento na jurisprudência é que o artigo 254.º do CSC não é apenas aplicável à proibição de não concorrência, ou seja, é aplicável aos demais fundamentos da destituição com justa causa de gerente colhendo o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido nos autos de processo n.º 2231/17.5T8STS.P1, datado de 04-06-2019, e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo n.º 11435/16.T8SNT.L1-6, datado de 29-11-2018, disponível em www.dgsi.pt.

    4. Não obstante de existir jurisprudência mais recente que entende de modo diverso Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/06/2020 citado pela Requerente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 08/11/2022.

    5. Mais, o Tribunal a quo julga procedente a prescrição do direito de destituição de gerente, e em consequência julga a ação improcedente, absolvendo os Requeridos da Instância. Bem como, profere despacho no seguinte sentido: “Considerando o despacho já proferido nos autos e bem assim o facto de o trânsito em julgado pressupor a extinção da presente instância, aguardem os autos o prazo do trânsito em julgado de decisão hoje proferida e, decorrido, conclua a fim de ser apreciado o Articulado Superveniente.” G. A audiência prévia, realizou-se a 22 de Junho de 2023, estando os mandatários presentes na mesma, ficando a ata disponível a 28 de Junho de 2026, data em que se considera notificada iniciando-se o respetivo prazo de recurso, sendo o presente recurso tempestivo.

    6. Da violação dos deveres de cuidado e lealdade por parte do Gerente (…) que dão causa à instauração dos autos, e que sumariamente são apropriação ilicitamente de valores monetários propriedade da Pastelaria (…), Lda. em proveito próprio direto e comprovado pelos registos contabilísticos junto aos autos, no valor de € 189.130,50 (cento e oitenta e nove mil, cento e trinta euros e cinquenta cêntimos), acrescido de valor alegadamente referente a despesa de representação no montante de € 23.293,49 (vinte e três mil, duzentos e noventa e três euros e quarenta e nove cêntimos), perfazendo o valor total de € 212.423,99 (duzentos e doze mil, quatrocentos e vinte e três euros e noventa e nove cêntimos), endividou a Pastelaria (…), Lda. no valor total de € 98.000,00 (noventa e oito mil euros), tendo ainda a Pastelaria (…), Lda. de suportar o pagamento do valor de € 10.000,00 (dez mil euros) de juros de financiamento; utilizou o valor de € 98.000,00 (noventa e oito mil euros) em proveito próprio; incumpriu com as obrigações fiscais da Pastelaria (…), deu instruções ao contabilista para inscrever dívidas em nome da Requerente perante a Pastelaria (…), Lda., que sabe não existirem, colocando a indiciariamente a sociedade e em situação de insolvência, dependendo a sociedade da atividade de comissão ganhas com os jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa extremamente alta, pois sem esta rubrica nos proveitos, os resultados dos exercícios seriam constantemente negativos e que as margens Brutas de 2020 e 2021, denotam uma possível fuga ao fisco, por vendas não declaradas.

      I. Nos termos do artigo 259.º do CSC, os gerentes devem praticar os atos que forem necessários ou convenientes para a realização do objeto social, com respeito pelas deliberações dos sócios e, de acordo com o disposto no artigo 72.º do CSC, respondem para com a sociedade pelos danos a esta causados por atos ou omissões praticadas com preterição dos deveres legais ou contratuais.

    7. Tendo como deveres fundamentais, conforme estabelece o artigo 64.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CSC, “deveres de cuidado, revelando a disponibilidade, a competência técnica e o conhecimento da atividade da sociedade adequados às suas funções e empregando nesse âmbito a diligência de um gestor criterioso e ordenado” e “deveres de lealdade, no interesse da sociedade, atendendo aos interesses de longo prazo dos sócios e ponderando os interesses dos outros sujeitos relevantes para a sustentabilidade da sociedade, tais como os seus trabalhadores, clientes e credores”.

    8. No que concerne ao dever de cuidado, resumidamente e para o que ora releva, tem sido dividido em três parcelas distintas: 1) reunião da competência e disponibilidade para o exercício das funções; 2) obrigação de acompanhar e vigiar a atividade social; 3) obrigação de obter informação indispensável à tomada de decisões, prevendo o artigo 72.º, n.º 2, do CSC que a eventual responsabilidade seja excluída no campo das suas decisões de gestão discricionária e autónoma – ou atos propriamente de gestão – se o gerente o administrador atuou em termos informados e segundo critérios de racionalidade empresarial (Cfr. Ricardo Costa, “Deveres Gerais dos Administradores e Gestor Criterioso e Ordenado”, I Congresso Direito das Sociedades em Revista, Almedina, 2011, pág. 174).

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