Acórdão nº 17/21.1GELLE.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 21 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelLAURA GOULART MAURÍCIO
Data da Resolução21 de Novembro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora Relatório No Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo Local Criminal ... - Juiz ..., no âmbito dos autos com o NUIPC17/21.1GELLE, foi o arguido AA submetido a julgamento em Processo Comum e Tribunal Singular.

Após realização de audiência de discussão e julgamento, por sentença de 25 de maio de 2023, o Tribunal decidiu:

  1. Absolver o arguido AA da prática de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 145.º, n.º 1, alíneas a) e c), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, alínea h), do CP.

  2. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do artigo 143.º, n.º 1 do CP, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão.

  3. Julgar procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo demandante e em consequência condenar o demandado AA ao pagamento da quantia da quantia de EUR 635,69, a título de danos patrimoniais, acrescendo a tal quantia juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a notificação para contestar o pedido cível e até integral pagamento, nos termos do artigo 559.º do CC.

  4. Condenar o arguido nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC.

  5. No que respeita ao pedido de indemnização civil, condenar o demandado nas respetivas custas, por ter quedado vencido na ação, nos termos do artigo 527.º do CPC.

    *Inconformado com a decisão, o arguido interpôs recurso, extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões: III –

    1. OBJECTO DO RECURSO A. Vem o presente recurso, que versa matéria de facto e de direito, interposto da douta sentença de fls. (…), que julgando parcialmente procedente a acusação, condenou o Arguido como autor material na forma consumada de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p e p. pelo artigo 143.º , nº 1 do Código Penal, numa pena de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão efectiva, e julgando procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo CHUAlgarve demandante, o condenou ao pagamento da quantia da quantia de EUR 635,69, a título de danos patrimoniais, acrescendo a tal quantia juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a notificação para contestar o pedido cível e até integral pagamento, nos termos do artigo 559.º do CC.

      III – B) ERRO DE JULGAMENTO DE DIREITO - FALTA DE LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA A PROSSECUÇÃO DA ACÇÃO PENAL B. Nos presentes autos o Recorrente vinha acusado pelo Ministério Público de um crime de ofensa à integridade física qualificada, previsto e punido nos termos do artigo 145.º, n.º 1, alíneas a) e c), por referência ao artigo 132.º, nºs 1 e 2, alínea a) e c) todos do Código Penal.

    2. Finda a produção de prova, o tribunal comunicou ao arguido, nos termos e para efeitos do artigo 358.º, n.º 3, do CPP, entre o mais, a alteração da qualificação jurídica, no que respeita à imputação do crime constante da acusação, subsumindo-o antes na sua forma simples, prevista e punida pelo artigo 143.º, nº 1 do Código Penal, conforme resulta da Ata de Audiência de Julgamento de 25-05-2023, com a Refª Citius ...15 e do dispositivo da sentença «sub judice».

    3. Sucede que, atento o disposto nos artigos 113.º, 143.º, 2, ambos do Código Penal, e 49.º do Código de Processo Penal, este é um crime de natureza semipública, só tendo o Ministério Público legitimidade para prosseguir a ação penal quando tenha havido a competente queixa.

    4. Com efeito, estabelece o art. 113.º, 1, do Código Penal, que “quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresenta-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”.

    5. Por seu turno o nº 4 desse preceito legal, estabelece que “ Se o ofendido for menor de 16 anos ou não possuir discernimento para entender o alcance e o significado do exercício do direito de queixa, este pertence ao representante legal e, na sua falta, às pessoas indicadas sucessivamente nas alíneas do n.º 2, aplicando-se o disposto no número anterior.” G. Compulsados os autos, verifica-se que a mãe do menor, BB, nunca apresentou queixa contra o ora arguido (condição de procedibilidade) sendo que era àquela (mãe do menor CC) que cabia a titularidade do direito de queixa na qualidade de sua representante legal, conforme o disposto no aludido artigo 113.º, nº 4 do Código Penal.

    6. Ademais, nos presentes autos constata-se que o inquérito não foi iniciado ao abrigo do artigo 113º nº 5 do C. Penal, uma vez que nos autos não existe qualquer despacho do Ministério Publico a determinar a abertura do inquérito ao abrigo daquele preceito (artigo 113º nº 5 do C. Penal), o qual, segundo a jurisprudência, deve conter fundamentação, expressa e casuisticamente, para o uso de tal faculdade, em obediência ao princípio da legalidade da acção penal.

      I. Tem-se, assim, por inexistente esse pressuposto processual constituído por uma queixa validamente formulada (ou suprida por decisão expressa do MP nesse sentido) do que deriva a ilegitimidade do M.P. para promover o processo que depende dessa queixa, nos termos previstos no artigo 49º do CPP.

    7. Destarte, face à alteração da qualificação jurídica levada a cabo pelo douto tribunal «a quo» impunha-se o conhecimento dessa questão em sede de sentença com a consequente declaração de extinção do procedimento criminal, por falta de pressupostos de procedibilidade, concretamente, por inexistência de queixa formalizada pela representante legal do menor, contra o arguido.

    8. Por via a alteração da qualificação jurídica levada a cabo pelo tribunal «a quo» naufragou a legitimidade do MP para o procedimento nos presentes autos.

      L. A sentença recorrida não apreciou essa questão, incorrendo em omissão de pronuncia, sendo, por conseguinte, nula, nos termos do disposto no artigo 379.º, nº 1, al. c) do CPP.

      SEM CONCEDER NEM PRESCINDIR POR DEVER E CAUTELA DE PATROCINIO, III – C) DA IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO – erro de julgamento dos pontos 12 e 13 dos factos provados M. O tribunal «a quo» como provado nesses pontos 12 e 13 que: “O arguido atuou, admitindo como possível que a sua conduta pudesse causar lesões na saúde do seu filho menor, atenta a presença de cocaína detetada na urina deste, conformando-se com essa possibilidade (item 12). E que “Em tudo o acima descrito agiu o arguido de forma livre, voluntária e conscientemente, embora a sua capacidade de avaliação da ilicitude do facto e de autodeterminação de acordo com esta avaliação se encontrasse diminuída, face ao efeito das substâncias psicoativas que havia ingerido e à alteração do seu estado mental, sabendo serem as suas condutas punidas e proibidas por lei penal.” (item 13).

    9. Sucede que, nos autos, não resultaram provadas as concretas circunstâncias em que o menor terá contactado com o produto estupefaciente, não se tendo provado que foi o arguido que “levou o filho a ingerir cocaína” como se afirma na fundamentação da decisão recorrida.

    10. O que resulta dos autos, mormente dos relatórios de perícia médica elaborados nas referências ...25 e ...52, é que o arguido à data dos factos “se encontrava sob um surto psicótico pelo que “teria assim à data dos factos dificuldades na distinção entre o bem/mal, lícito/ilícito, querer/poder e dificuldades na sua autodeterminação (…) conforme, aliás, se deu como provado no ponto 21 dos factos.

    11. Tanto assim que na sequência dos factos em apreço nestes autos “o arguido foi internado compulsivamente no Hospital ... no dia 04-02-2021, no âmbito dos autos com o nº 338/21.... (apensos aos presentes), sendo que no dia 26-02-2021 o arguido passou a estar sujeito a tratamento compulsivo em regime ambulatório.” Conforme resulta do ponto 14 da matéria provada.

    12. Aliás, a factualidade que o tribunal deu como provada nos pontos 14, 20, 21 e 23 com base nos elementos documentais (processo de internamento compulsivo apenso aos presentes autos) e periciais (cfr. relatórios de perícia médica elaborados nas referências ...25 e ...52) mostra-se em contradição com aqueles pontos de facto impugnados (pontos 12 e 13), R. Com efeito, aqueles itens 14, 20, 21 e 23 infirmam cabalmente o teor dos pontos 12 e 13, que enquadram a conduta do agente num dolo eventual.

    13. É consabido que no dolo eventual (artigo 14º, nº 3 do Código Penal) há uma decisão contra valores tipicamente protegidos, mas como a produção de resultado depende de eventualidades ou condições incertas, o dolo eventual é construído sobre a base de factos de cuja insegurança o agente é consciente.

    14. Ora, no caso em apreço, os valores tipicamente protegidos seriam a integridade física e saúde do menor, que segundo a sentença o arguido colocou dolosamente em causa.

    15. A infirmar tal conclusão de facto, atente-se na prova testemunhal produzida em julgamento, mormente o depoimento de BB, esposa do arguido e mãe do menor CC que se encontra gravado em sistema áudio com início pelas 14:25:44 e termo pelas 14:48 conforme Acta de Audiência de Julgamento de 16-05-2023 com a Refª Citius ...96, e que se deixou transcrito em sede de motivação, pelo que, por uma questão de economia de meios, aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos.

      V. Atente-se ainda no depoimento da testemunha DD, agente da PSP a exercer funções na Esquadra da PSP ..., cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, com início pelas 15:19:05 e termos pelas 15:24:57, conforme Acta de Audiência de Julgamento de 16-05-2023 com a Refª Citius ...96 corroborou em audiência de julgamento o teor do Auto de Participação de fls. que elaborou, aí declarando a instancias da Magistrada do MP, entre o mais que: (minuto 01:51): …o individuo (minuto 01:58) não tinha um discurso coerente, não conseguia articular ideias, (minuto 02:05) praticamente estava ali sem saber onde estava…(minuto 04:31)… o comportamento dele para com a criança embora ele estivesse, assim, parece que alheado...

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