Acórdão nº 759/18.9PASNT.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 22 de Novembro de 2023

Data22 Novembro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório 1. AA, arguido, com a identificação dos autos, interpõe recurso do acórdão do tribunal coletivo do Juízo Central Criminal de ..., Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, que o condenou pela prática, em concurso, de 20 (vinte) crimes de burla qualificada, previstos e puníveis pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal («CP»), nas penas de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, por cada um deles, e, efetuado, o cúmulo jurídico destas penas, na pena única de 6 (seis) anos de prisão.

  1. Discordando da qualificação jurídica dos factos e das penas aplicadas, apresenta motivação de que extrai as seguintes conclusões (transcrição): «Das Conclusões 15) Pelo supra exposto entende-se que não foi feita a prova necessária e suficiente para a qualificação prevista no artigo 218.º, n.º 2 alínea b) do Código Penal.

    16) Finalmente, mas não condescendendo, ainda que se admita estar verificado/provado o elemento “modo de vida”, sempre se dirá que atendendo ao: a) Valor médio mensal dos crimes praticados, estimado em € 341,67; b) Valor máximo singular dos crimes praticados ser de € 200; c) Arrependimento revelado pelo arguido; d) Ao comportamento exemplar do arguido no estabelecimento prisional, a pena singular atribuída a cada um dos 20 crimes de burla qualificada não deveria ser superior ao limite inferior previsto na moldura penal para este tipo de crime, ou seja, 2 (dois) anos.

    17) E em consequência do referido em 15 e 16 supra, o cúmulo jurídico ser recalculado, pelo menos, na mesma proporção do fixado no acórdão do qual se recorre.

    18) A não ser assim, existirá uma desproporção significativa entre o valor singular dos 20 crimes praticados e a pena atribuída.

    19) Assim, entende-se que o douto tribunal a quo não tomou em devida consideração e ponderação o valor unitário singular e médio dos crimes praticados, a falta de prova do elemento “modo de vida”, o profundo arrependimento do arguido e o seu comportamento exemplar no estabelecimento prisional.

    Por todo o supra exposto, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser procedente, devendo: a) Ser dado como não provado a qualificação do crime de burla, ou; b) Ainda que provado a qualificação do crime de burla, ser a pena singular por cada um dos vinte crimes de burla qualificada igual ao limite mínimo previsto na moldura penal para este tipo de crime, ou seja 2 (dois) anos, e; c) Em qualquer dos casos, o cúmulo jurídico ser ajustado na mesma proporção da fixada na decisão do acórdão que se recorre, assim se fazendo a costumada justiça.» 3.

    A Senhora Procuradora da República no tribunal recorrido apresentou resposta em que, defendendo a improcedência do recurso, conclui (transcrição): «1- Resultou da prova produzida, nomeadamente das declarações do arguido e em conjugação com a prova documental, que o arguido à data da prática dos factos obtinha rendimentos de forma regular da sua atividade profissional que complementava com os que conseguiu obter pelo engano que provocou aos ofendidos para fazer face aos seus gastos que incluía os decorrentes com o seu vício de jogo que habitualmente se dedicava.

    2-De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no processo n.º 202/10.1PBCVL.C1 datado de 16.06.2015, “Para preenchimento da qualificativa “modo de vida”, não se exige que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de um daqueles tipos legais de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja factor determinante para que se possa concluir que disso também faz modo de vida.” 3- Considera-se que se encontra devidamente provado que à data da prática dos factos o arguido fazia da burla modo de vida, ainda que de forma não exclusive, encontrando-se verificado a alínea b), do artigo 218.º , n.º2 do Código Penal.

    4- As penas parcelares aplicadas ao arguido que se encontram junto ao mínimo abstratamente aplicável ao crime de burla qualificada pelo qual o arguido foi condenado são justas, proporcionais, equilibradas de harmonia com o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, todos do Código Penal correspondendo às exigências de prevenção geral e especial e à culpa do arguido.

    Nestes termos, devem Vossas Excelências julgar improcedente o recurso e, em consequência, manter na íntegra, o douto acórdão recorrido […]» 4.

    O recurso foi interposto e admitido, no tribunal recorrido, para o Tribunal da Relação de Lisboa.

    Porém, a Senhora Juíza Desembargadora relatora considerou que «as questões colocadas em sede de conclusões respeitam apenas a matéria de direito relativa ao preenchimento da qualificativa citada, à determinação das penas parcelares a aplicar e à consequente pena única resultante do cúmulo jurídico destas», concluindo não ser o tribunal da relação o competente, mas sim o Supremo Tribunal de Justiça.

    Pelo que ordenou que os autos fossem remetidos a este tribunal.

  2. Recebidos, foram os autos com vista ao Ministério Público, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 416.º, n.º 1, do Código de Processo Penal («CPP»), tendo o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, nos seguintes termos (transcrição): «[…] 6 – Não se mostra isento de dúvidas que o recurso vise exclusivamente matéria de direito, como se considerou no Tribunal da Relação de Lisboa.

    O recorrente extracta na primeira conclusão (com o n.º 15) com que remata a motivação do recurso o entendimento de que (…) não foi feita a prova necessária e suficiente para qualificação prevista no artigo 218º, nº2 alínea b) do Código Penal, o que traduz um inconformismo com a decisão proferida sobre a matéria de facto, que não apenas uma discordância com a integração jurídica dos factos.

    Independentemente do juízo de valor que possa merecer a adequação jurídico formal do recurso apresentado em ordem à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto, eventualmente determinante da sua rejeição, nessa parte, por inobservância dos comandos legais aplicáveis, tal não releva para a decisão sobre qual o tribunal competente para conhecer do recurso, a preceder lógica e necessariamente a apreciação e decisão do mérito das questões colocadas, daqui podendo resultar não ser este Supremo Tribunal de Justiça o materialmente competente para os termos do recurso.

    Prevenindo, porém, diferente compreensão, sempre se dirá, 7 – É objecto do recurso, como decorre das conclusões acima transcritas, a medida das penas, parcelares e unitária, aplicadas, considerando o recorrente, no essencial, que (…) a pena singular atribuída a cada um dos 20 crimes de burla qualificada não deveria ser superior ao limite inferior previsto na moldura penal para este tipo de crime, ou seja, 2 (dois) anos, e que (…) o cúmulo jurídico (deve) ser recalculado, pelo menos, na mesma proporção do fixado no acórdão do qual se recorre.

    Considerem-se, então, na decisão recorrida, os fundamentos que presidiram à escolha e medida das penas. [transcrição].

    Resulta claro que o Tribunal a quo ponderou e valorou todos os elementos a que se deveria atender: a culpa do agente, a ilicitude do facto, as circunstâncias que rodearam a sua prática e as suas consequências, o condicionalismo pessoal do recorrente e o que mais se apurou a seu favor e em seu desabono, e, por fim, as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir.

    E o que se impõe concluir é que, contrariamente ao pretendido, as penas parcelares de 2 anos e 6 anos de prisão aplicadas ao recorrente, se configuram justas, por adequadas e proporcionais à gravidade dos factos e à perigosidade do agente, e conforme aos critérios definidores dos artigos 40.º, n.º 1 e 2, e 71º, do Código Penal, não merecendo censura.

    Como não suscita reparo a medida da pena única imposta ao recorrente AA, a qual, na economia da fundamentação expressa no acórdão recorrido, se mostra de acordo com os legais ditames do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, sendo de realçar, como aí se refere, que a pena fixada se situa abaixo do primeiro quinto da penalidade abstractamente aplicável, de forma alguma se podendo considerar excessiva.

    8 – Nestes termos, e na linha da tomada de posição do Ministério Público na 1ª instância, que se secunda, emite-se parecer no sentido de dever ser julgado improcedente o recurso interposto pelo arguido AA […]» 6.

    Notificado do parecer do Ministério Público, nos termos e para os efeitos do artigo 417.º, n.º 2, do CPP, o arguido não apresentou resposta.

  3. Colhidos os vistos e não tendo sido requerida audiência, o recurso prosseguiu para julgamento em conferência – artigos 411.º, n.º 5, e 419.º, n.º 3, alínea c), do CPP.

    Apreciando e decidindo: II. Fundamentação 8.

    Factos provados O tribunal coletivo julgou provados os seguintes factos (transcrição): «1. O arguido, em data não concretamente apurada mas, pelo menos, a partir de julho de 2018, delineou um plano (que executou até, pelo menos, abril de 2019) com vista a apropriar-se de quantias em dinheiro a serem entregues pelos destinatários que visualizassem anúncios publicados por si em páginas de internet destinadas a anúncios gratuitos (na “OLX” e Facebook Market) em que anunciava ter para venda consolas de jogo e jogos, a quem, encetando conversações com ele, através do “chat” daquela página, faria crer que tinha os referidos equipamentos na sua posse e disponíveis para venda.

  4. Após estes destinatários demonstrarem interesse na aquisição dos produtos anunciados, procederiam ao pagamento do preço acordado por transferência bancária para a conta bancária indicada pelo arguido e por ele titulada, com o NIB .......................05 domiciliada no BCP (balcão de ...).

  5. Nesses anúncios, o arguido, por forma a dar credibilidade ao que anunciava, colocava fotografias dos mencionados artigos, fazendo, assim, crer àqueles que os tinha na sua disponibilidade e para venda.

  6. Contudo, estas pessoas nunca receberam qualquer artigo...

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