Acórdão nº 2809/19.2T8PTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 16 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelPEDRO DE LIMA GONÇALVES
Data da Resolução16 de Novembro de 2023
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Acórdão Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I.

Relatório 1.

Questões & Sugestões, Lda.

propôs a presente ação contra o Condomínio do Clube ... - Bloco II, relativo ao prédio urbano descrito e inscrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob a ficha ...89, da freguesia de ..., sito na Avenida ..., com sede e endereço postal neste mesmo local, representado em juízo pela sua administradora A..., Lda.

, com fundamento em destituição da Autora do exercício da administração do condomínio Réu sem justa causa para o efeito, privando a Autora de receber até final os montantes que tinha contratualizado para o desempenho dessa função de administradora.

Concluiu, pedindo seja a presente ação julgada provada e procedente, e o condomínio Réu condenado a pagar à Autora a quantia de €119 925,00, acrescida de juros calculados desde o dia em que for efetuada a citação, contados à taxa legal aplicável às dívidas comerciais, por o Réu ser uma pessoa equiparada a uma pessoa coletiva, e contados até ao dia em que o pagamento da dívida for integralmente efetuado.

  1. Citado, o Réu veio contestar, alegando ter existido justa causa para a exoneração da Autora, em virtude do deficiente desempenho das suas funções, sendo que, mais considerou, nem sequer ser exigível justa causa e ainda alegou que a Autora não teve real prejuízo com essa destituição.

    Mais alegou que a Autora, em virtude desse seu desempenho negligente, fez o Réu perder diversas receitas, por não cobrança atempada de dívidas ou por celebração de contrato com a empresa Al... que se mostrou desfavorável aos interesses do condomínio. Acrescentou ainda que a Autora se apropriou indevidamente de montantes do fundo de reserva do condomínio. Em conformidade, deduziu pedido reconvencional.

    Concluiu pela improcedência da ação intentada pela Autora e pela procedência da reconvenção, e, em consequência, pediu que seja a reconvinda condenada: - a pagar ao Réu a quantia global de €211 799,46 pelos danos patrimoniais que lhe foram causados pela Autora; - a pagar ao Réu os prejuízos que vierem a resultar da improcedência dos processos executivos devido à prescrição verificada pelo não cumprimento da sua função de cobrar as receitas, como determina a primeira parta da al. h) do artigo 1436.º do Código Civil, cujo apuramento do valor concreto dos danos será feita em sede de liquidação de sentença.

  2. A Autora replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção.

  3. Realizada a audiência final foi proferida sentença, que julgou a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido e julgou e a reconvenção parcialmente procedente, condenando, a Autora/reconvinda a pagar ao Réu/reconvinte a quantia de €9 225,00, absolvendo-a do demais peticionado.

  4. Inconformada com esta decisão, a Autora interpôs recurso de apelação.

  5. O Tribunal da Relação de Évora veio a proferir Acórdão, sendo o dispositivo do seguinte teor: “Pelo exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso de apelação e, consequentemente, em manter a sentença apelada.” 7.

    Novamente inconformada, a Autora veio interpor recurso de revista normal – e se o mesmo não for admitido, de revista excecional (art.º 672.º, n.º1, al. a) e b) do CPC) , recurso de revista que foi admitido, formulando as seguintes (transcritas) conclusões: I - Estão verificados os pressupostos do artigo 671.°, n.

    os 1 e 3, 674.°, n.° 1, alínea a), do Código de Processo Civil, que permitem a admissão da presente REVISTA, por ser possível indicar um erro de interpretação ou de aplicação da norma aplicável, mormente do princípio do ónus da prova e das regras para a sua distribuição.

    II - Verifica-se a existência do erro de interpretação e de aplicação na fundamentação empregue para justificar a distribuição do ónus da prova da alegada justa causa para a destituição, quando é referido o seguinte: «Entende a autora que da ata não consta a factualidade da qual se extraia a existência de justa causa para a destituição.

    Porém, não cremos que, na perspetiva que temos da correta distribuição do ónus da prova, nos termos assinalados, tal tenha qualquer relevância.

    Com efeito, na ata da assembleia em que destituiu a autora, o condomínio fez constar a referência a que ali foram enunciadas «várias razões pelas quais os condóminos consideram que a atual administração de condomínio deve ser destituída ou exonerada com efeitos imediatos, que se prendem com o não cumprimento dos deveres de informação, de diligência, de acessibilidade, de imparcialidade, de respeito, que impendem sobre a administração de condomínio, bem como os condóminos entendem que as funções da administração não têm sido cumpridas ou prestadas de forma adequada».

    Cremos ser bastante, porquanto, aquando da notificação da sua exoneração, a autora ficou a conhecer que o condomínio considerava ter motivos para deliberar a extinção do contrato entre ambos vigente, desde logo pelo segmento final vertido na ata a respeito da avaliação que os condóminos faziam do (pelo menos) defeituoso cumprimento do contrato.

    Não se conformando com a imputação genérica efetuada, a Autora, sem qualquer prejuízo para a sua posição jurídica, instaurou a ação com a simples menção acima reproduzida, devolvendo à ré, o ónus de alegação e prova da factualidade integrante da invocada justa causa.».

    III - A RECORRENTE, aquando da notificação da sua exoneração, apenas tomou conhecimento de que fora exonerada sem que da Ata da Deliberação conste a discriminação de uma “justa causa” de exoneração, porque os Condóminos consideravam existir razões para tal exoneração, considerando o Tribunal da Relação de Évora que assim se considera respeitado o ónus da prova, já que entende não existir qualquer prejuízo jurídico para a RECORRENTE.

    IV - A exoneração da RECORRENTE foi efetuada sem justa causa ou fundamento, uma vez que da natureza genérica das imputações que são efetuadas à RECORRENTE na Ata da Assembleia de Condóminos não lhe permite sequer aferir quais as concretas violações dos deveres que sobre si impendem enquanto Administradora do Condomínio e, muito menos, aferir da exequibilidade ou probabilidade de sucesso da contestação judicial da decisão de exoneração tomada em Assembleia de Condóminos.

    V - Tal distribuição do ónus da prova é violadora do disposto nos artigos 342.° a 344.°, do Código Civil, já que caso os Condóminos pretendessem obter a exoneração judicialmente teriam, de forma clara e inequívoca, de alegar e provar os factos que fundamentam a exoneração. Nesse sentido, vide, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.°141/16.2T8AMD. L1-8, de 12/04/2018: «IV- Incumbe ao Autor o ónus de alegar a pessoa ou as pessoas que, em concreto, exercem essa função no período reportado e bem assim os atos concretos realizados por essas ou essas pessoas, passíveis de determinar a sua exoneração.

    V- Não há uma espécie de culpa coletiva do órgão administrador, uma vez que não é o órgão que é exonerado, mas o seu titular.».

    VI - A justa causa da exoneração deliberada por Assembleia Extraordinária de Condóminos deveria constar na referida Ata, por forma a comunicar à Administração exonerada os concretos factos que lhe são imputados (sem que da Ata conste a descriminação de uma "justa causa"), permitindo-lhe assim sindicar tal decisão judicialmente, o que não é possível quando lhe são efetuadas imputações genéricas.

    VII - À semelhança do que sucede com os procedimentos disciplinares instaurados pelas Entidades Patronais com vista ao despedimento com justa causa de Trabalhadores que, no seu entender, praticaram atos que poderão ser enquadrados nas disposições aplicáveis (artigo 351.°, n.

    os 1 e 2, do Código do Trabalho), a Entidade Patronal deverá comunicar ao Trabalhador, de forma circunstanciada, os factos que lhe são imputados (artigo 353.°, n.° 1, do Código do Trabalho), deverá igualmente o Condomínio comunicar ao Administrador exonerado, de forma circunstanciada, os factos que lhe são imputados (artigo 1435.°, n.° 3, 2.

    a Parte, do Código Civil) e que deveres foram violados com tais condutas (artigo 1436.°, do Código Civil). Assim a "exoneração" operada constituiu uma verdadeira denúncia unilateral e ilegal do vínculo que obrigava ambas as partes até ao final do ano de 2022.

    VIII - Só desta forma é que o Administrador exonerado poderá exercer, de forma adequada, o seu contraditório. A este respeito, vide a conclusão apresentada pelo Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.° 2/20.0GEBRG.G1, de 05/07/2021: «I- Os factos imputados na acusação (e consequentemente na sentença) não podem traduzir-se numa mera descrição de conceitos vagos, imprecisos, genéricos e conclusivos, sob pena de ficar prejudicado o contraditório e, consequentemente, o direito de defesa do arguido.

    II- O arguido terá de conhecer, com o necessário rigor, os factos que lhe são imputados, descritos de forma a que não subsistam dúvidas no seu espirito sobre qual o "pedaço de vida" em discussão. Pois pior do que não poder defender-se é, à semelhança de um processo tipo kafkiano, não saber do que defender-se.».

    IX - O artigo 1435.°, n.° 3, do Código Civil exige uma demonstração ou pelo menos que as irregularidades ou atuações negligentes imputadas ao Administrador exonerado sejam adequadamente elencadas, permitindo-lhe saber o que de facto lhe é imputado.

    X - A interpretação do artigo 1435.°, n.° 1, do Código Civil, realizada pelo Tribunal "a quo", como sendo suficiente, para a exoneração do Administrador, em contexto de propriedade horizontal, uma simples deliberação da Assembleia de Condóminos, com essa precisa intencionalidade, quer tenha ou não sido legalmente convocada, quer tenha ou não sido legalmente deliberada a exoneração, afigura-se materialmente inconstitucional, sendo uma restrição ilegítima à iniciativa privada, direito de propriedade, segurança no emprego e direito ao trabalho e dos trabalhadores, nos termos do disposto nos artigos 2.°, 9.°, alínea b), 13.° 18.°, n.

    os 2 e 3, 53.°, 58.°, 59.°, 61.°...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT