Acórdão nº 00253/23.6BEMDL de Tribunal Central Administrativo Norte, 03 de Novembro de 2023

Magistrado ResponsávelPaulo Ferreira de Magalhães
Data da Resolução03 de Novembro de 2023
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: I - RELATÓRIO «AA», Autor na acção administrativa urgente para declaração de perda de mandato que intentou contra «BB», Presidente da Câmara Municipal ... [ambos devidamente identificados nos autos], inconformado com a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, pela qual foi julgada verificada a excepção dilatória atinente à sua ilegitimidade processual activa, e consequentemente, foi o Réu absolvido da instância, veio deduzir recurso de Apelação.

* No âmbito das Alegações por si apresentadas, elencou a final as conclusões que ora se reproduzem: “CONCLUSÕES: I. Por muito respeito que mereça o vertido na decisão a quo, com a mesma não se pode de modo algum concordar e resultado deste processo é profundamente iníquo, porquanto estamos a falar de um incumprimento de 137 dias no cumprimento de uma sentença por parte do R. Dr. «CC».

  1. Devendo ser revogada a decisão do Despacho Saneador proferido em 08 de Setembro de 2023, à luz do Proc. n.º 253/23.6BEMDL, reconhecendo-se a legitimidade processual ativa do autor, ora recorrente.

  2. O Tribunal a quo violou e fez errada interpretação do preceituado da Lei, porquanto o Recorrente tem legitimidade processual ativa, nos termos do n.º 2 do artigo 11.º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa aprovada pela Lei n.º 27/96 de 1 de agosto, na redação aplicável, e também porque foi parte vencida nos termos do n.º 1 do artigo 141.º do CPTA.

  3. O Tribunal também é competente em função da alçada, admitindo a decisão recurso por ter sido fixado o valor da causa em 30.000,01€ (trinta mil euros e um cêntimo), aplicando-se o n.º 1 do artigo 142.º do CPTA.

  4. A ação está em tempo ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 144.º do CPTA.

  5. A ação de perda de mandato funda-se no incumprimento ilegítimo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela, no âmbito do Proc. 388/22.3BEMDL, no dia 17/02/2023, onde se intimou o Presidente da Câmara Municipal ..., Dr. «CC», a fornecer ao autor, ora recorrente, cópia simples do processo de mobilidade interna na categoria, no prazo de 10 dias.

  6. O prazo máximo para o cumprimento da sentença, a contar a partir do 3.º dia seguinte ao daquela data, quando deve se dar por presumivelmente notificados os destinatários, teve o seu dies ad quem a 02/03/2023.

  7. No artigo 69.º da contestação apresentada pelo Réu, na ação de perda de mandato autárquico, declara-se o seguinte “[Importa comunicar que] As cópias do processo de mobilidade interna foram remetidas ao Dr. «DD», para o correio eletrónico ... no dia 18 de Julho de 2023, pelas 15:36 horas [...]”.

    [negrito nosso] IX. A declaração do R./Recorrido, constante do art.69.º citado, traduz-se numa patente confissão – que se aceita e não pode ser retirada – do incumprimento da decisão deste douto tribunal, tendo ultrapassado em 137 dies ad quem da sentença.

  8. o Réu não queria cumprir com a sentença porque o despacho sobre a mobilidade interna do A./Recorrente e a entrega das cópias do processo de mobilidade interna, destinavam-se a fazer prova noutro processo judicial de assédio moral ou mobbing no trabalho, processo n.º 393/16.8BEMDL, 1.ª espécie – ação administrativa, que corre termos no mesmo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

  9. O R./recorrido atuou dolosamente, livre e consciente, por forma a não dar ao Recorrente provas na outra ação por este intentada, sendo que o mesmo R./Recorrido tem pendente contra si queixas-crime por abuso de poder, difamação, entre outras.

  10. Sendo facto público e notório que o R. exerce assédio sobre os trabalhadores da Câmara Municipal ... o que até motivou reportagem da revista Sábado de 14 de setembro de 2023 com o título “Não é dos nossos? Emprateleire-se!”, onde uma dúzia de funcionários apresentam queixas de serem assediados.

  11. No que diz respeito à sentença recorrida, impera na nossa Constituição os Princípios da Subsidiariedade e da Descentralização administrativa, que transparecem nos artigos 235º a 237º da CRP.

  12. O Presidente da Câmara é um órgão de soberania da Administração Pública Direta, com competências executivas locais, de natureza singular, eleito por escrutínio direito, secreto e periódico, conforme o n.º 1 do artigo 113.º, da Constituição da República Portuguesa.

  13. As competências do Presidente da Câmara, estão dispostas no artigo 35.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro.

  14. Ocorre neste ponto da decisão ora recorrida, com a devida vénia, uma confusão conceituai, uma vez que o senhor Dr. «CC», mandatário eleito para o exercício de funções como Presidente da Câmara Municipal ..., não é o intimado no processo, mas, sim “O Presidente da Câmara” do dito Município.

  15. O dever jurídico incumprido de forma direta e intencional por parte do mandatário público eleito, é um dever que recai sobre o próprio meramente em virtude do cargo que ocupa, pois é este o representante em exercício do órgão legalmente obrigado a prática do ato em questão e, por conseguinte, é contra este órgão que o autor deveria agir, como demonstra os artigos 104.º e seguintes do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

  16. Há que discernir, portanto, a personalidade jurídica do órgão de soberania do executivo ..., do mandatário eleito que o ocupa.

  17. Tal confusão entre Órgão de Soberania e Mandatário, atenta grosseiramente contra o modelo de governo Republicano e o Princípio do Estado de Direito Democrático, que existem no nosso Ordenamento Jurídico, sustentando-o como pedra mestre, tanto assim o é, que se expressam não apenas no preâmbulo da nossa Constituição, como também se traduzem logo nos dois primeiros artigos da nossa Magna Carta.

  18. O Princípio da Separação de Poderes foi frontalmente violado, a partir do momento em que, o excelentíssimo mandatário, fez tábua rasa da decisão, optando-a por ignorar de maneira grave, sem qualquer receio das consequências que daí poderiam advir, em desrespeito não apenas ao seu dever legal, e a liturgia do cargo que ocupa, mas também em afronta direta à soberania dos Tribunais, que administram o Poder Judiciário no nosso Ordenamento, cfr. 110.º da CRP.

  19. Todos estes Princípios foram colocados em causa, não só pela conduta do excelentíssimo mandatário do poder executivo ..., mas também pela sentença que cria uma união artificial entre o mandatário e o órgão de soberania que ocupa.

  20. É imensurável a gravidade desta violação, uma vez que tais princípios são os Princípios Estruturantes do nosso Ordenamento Jurídico, de tal modo que se traduzem em limites materiais explícitos ao Poder de Revisão do nosso legislador ordinário por excelência, conforme dispõe o artigo 288.º da CRP.

  21. À parte do que já foi dito, a conduta ilícita do Dr. «CC», também vai de encontro a todos os Princípios norteadores da atuação da Administração Pública, atentando grosseiramente contra o Princípio da Legalidade, disposto no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo, que estabelece o pressuposto de atuação e aos limites de ação da administração.

  22. A situação é ainda mais grave pelo facto de o Dr. «CC» ser licenciado em Direito e ter perfeito conhecimento da ilegalidade da sua conduta incumpridora.

  23. Além disso, a recusa ilícita do cumprimento da sentença, afronta os Princípios da Boa-Fé da Administração e da Colaboração com os Particulares, constantes nos artigos 10.º e 11.º do CPA, sendo escusado explicar a falta de boa-fé do mandatário Dr. «CC» e a sua completa indisponibilidade em colaborar, não apenas com os particulares, mas surpreendente, também para com os demais Órgãos de Soberania, desrespeitando o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela.

  24. Tribunal que na sentença recorrida desconsidera a atitude do Dr. «CC», mas que os Venerandos Desembargadores terão de sancionar, por se tratar de uma conduta grave e ilícita que não pode passar impune, nos termos da lei. A perda de mandato surge, precisamente, como a consequência prevista na lei para o cargo desempenhado por eleito local –consistindo aquela no afastamento definitivo do exercício do cargo, resultante da violação de deveres inerentes a esse exercício ou de facto ou situação a que a lei atribui esse efeito, como aconteceu com o aqui R./Recorrido.

  25. Sendo que o dever de cumprimento da sentença recaía não no mandatário do cargo eletivo, mas no ..., pelo que não procede o argumento da sentença recorrida de que apenas o mandatário estaria obrigado para o ato.

  26. Por conseguinte, não colhe a conclusão que daí se retira que o seu afastamento traria mais prejuízos ao autor, do que benefícios, na medida em que esta avaliação é feita sobre pressupostos incongruentes.

  27. Ainda que o dever de cumprimento da decisão recaísse sobre o órgão e não sobre o seu mandatário, este último, pode e deve, ser responsabilizado diante da administração pública pelo inadequado cumprimento das suas funções, devendo o Estado exercer sobre este Direito de Regresso pela práticas de atos ilícitos e em incumprimento de sentenças judiciais, nos termos da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, que rege a responsabilidade civil extracontratual do estado e pessoas coletivas de direito público, [cfr: artigos 3.º e 6.º deste diploma].

  28. Como se viu, não pode a conduta do Mandatário, em posse do Cargo de Presidente da Câmara Municipal ..., ter a sua gravidade ignorada ou diminuída, como se fez na sentença que agora se recorre, onde nada se disse sobre o grotesco comportamento de indiferença para com o cumprimento de uma sentença por parte de um mandatário de um cargo público em relação a uma sentença exarada por aquele mesmo tribunal.

  29. É ainda de se notar que o excelentíssimo mandatário, cometeu crime de responsabilidade nos termos da Lei n.º 34/87 de 16 de Julho, cf. artigo 13.º ao recusar-se ao cumprimento de uma decisão do Tribunal; e ainda por ter tido uma conduta altamente violadora dos Princípios Estruturantes da Ordem...

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