Acórdão nº 303/22.6GCTND.C1 de Court of Appeal of Coimbra (Portugal), 25 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelALEXANDRA GUINÉ
Data da Resolução25 de Outubro de 2023
EmissorCourt of Appeal of Coimbra (Portugal)

Acordam, em conferência, na 5ª secção, do Tribunal da Relação de Coimbra I. Relatório 1. … mediante despacho datado de 18.11.2022, foi AA pronunciada como autora material e na forma consumada, um crime de ofensa à integridade física simples, p.p. artigo 143.º do CP.

  1. Inconformada, recorreu a arguida, formulando (após aperfeiçoamento) as seguintes conclusões: « i. … ii. Finda a instrução foi proferida decisão de pronúncia, decisão esta que coartou os princípios da presunção de inocência e o princípio do in dúbio pro reo, pois que, a prova produzida não pode permitir o convencimento do Tribunal quanto à verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável … iii. A decisão foi alicerçada num vídeo, que se trata de um método proibido de prova, pois que, não existe uma justa causa por parte da assistente para tal procedimento, não existindo qualquer legitima defesa ou estado de necessidade.

    iv. E assim, todos os meios de prova que violem esses direitos fundamentais e de personalidade, são, em si, proibidos – 26º 1, 32.º n.º 8 todos da CRP e artigos 79.º e 80.ºdo Código Civil, porque claramente violadores do núcleo da vida privada da arguida, porque filmado sem o seu consentimento.

    v. A arguida estava legitimada a estar no terreno e ainda aceder à servidão … vi. Contrariamente à assistente a quem não assiste qualquer direito que permitisse fechar a rede ali existente, … vii. Tal vídeo foi, assim, efetuado pela denunciante/assistente num terreno privado (e não no interior da “sua” propriedade como referiu na queixa crime e posteriormente em declarações complementares).

    viii. … ix. Não obstante, do vídeo não é visível em qualquer momento que a arguida agredisse a assistente, sendo toda a queixa alicerçada em factos falsos. … x. … xi. Assim, e salvo melhor opinião, ainda que conste da conclusão pericial de que “os elementos disponíveis permitam admitir o nexo de causalidade entre o trauma e o dano”, apesar do seu valor reforçado, tal não significa a prova de quem foi o autor de tal dano, … xii. … xiii. … xiv. … xv. … … 3. Respondeu o Ministério Público … 4. Nesta Relação, a Digna Procuradora Geral Adjunta emitiu parecer … 5. Foi cumprido o estabelecido no artigo 417º, nº 2, do CPP, não tendo sido exercido o contraditório.

  2. Colhidos os vistos, foram os autos à conferência.

  3. Âmbito do Recurso … No caso em apreço é questão a resolver: a suficiente indiciação do crime de ofensa à integridade física simples (art.º 143.º do Código Penal).

    1. Despacho recorrido (transcrito na parte relevante) «Da ilicitude das gravações como meio de prova: … Na verdade, os fotogramas mencionados a fls. 98, resultam de uma gravação vídeo efetuada pela assistente, durantes os factos e é relevante saber se os mesmos podem ser valorados.

      De acordo com o artigo 125 do CPP: “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei”.

      … A regra é a de que a prova ilicitamente produzida, ou recolhida, não pode ser valorada.

      As proibições de prova levantam o problema da dicotomia entre meios de prova e meios de obtenção de prova.

      As proibições de prova estão consagradas no art. 126º CPP, e têm gerado algumas correntes na doutrina e na jurisprudência.

      Dispõe o mencionado artigo que: “…”.

      Este artigo mais não é do que a consagração do artigo 32º, nº 8, da Constituição da República Portuguesa.

      O nº 1 e 2 do mencionado artigo refere-se as provas absolutamente proibidas e no nº 3, a provas relativamente proibidas.

      As primeiras nunca podem ser utilizadas e as segundas podem ser utilizadas nos casos previstos na lei.

      Dispõe o artigo 26º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, que “…”.

      No entanto, a própria lei fundamental, no seu artigo 18º, nº 2, admite a restrição dos “direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

      Uma das exceções resulta do artigo 167º do Código de Processo Penal, que preceitua: “1. …”.

      Na situação concreta foi entregue pela assistente uma gravação efetuada pela própria durante os factos, reproduzida nos fotogramas juntos a fls. 98.

      O crime de gravações ilícitas, encontra-se previsto no artigo 199 do CP.

      De acordo com o mencionado artigo: “1 - …” O bem jurídico protegido no tipo em análise é eminentemente pessoal e prende-se com o direito à imagem e reserva privada de cada um.

      Assim, tal artigo mais não é do que a expressão legislativa do direito à imagem, reconhecido e protegido pelo artº 26º, nº1 da CRP e 79 do CC.

      … Acresce que na al. a) do mencionado normativo está em causa o gravar palavras proferidas por outrem, sem o consentimento dela ou fotografar/filmar uma pessoa, sendo por isso ilícita a conduta do agente (terceiro) que fotografa outra pessoa sem o seu consentimento, enquanto que na al. b) está em causa a utilização da gravação, fotografia ou filme de outra pessoa mesmo que licitamente obtida (ou seja com o seu consentimento).

      … Contudo, não constitui crime a obtenção de imagens, mesmo sem consentimento do visado, sempre que exista justa causa para tal procedimento.

      Na verdade, um comportamento para ser punido como crime tem de, para além de se encontrar tipificado na lei penal, configurar também um ato ilícito e culposo, o que implica a ponderação da existência, ou não, de uma causa de justificação da gravação ou da fotografia, que se pretende utilizar como meio de prova.

      … Já é pacífico na jurisprudência que as gravações ou fotografias, mesmo sem o consentimento do visado, feitas em locais públicos ou de acesso ao público, não correspondem a qualquer método proibido de prova, quer por não violarem o núcleo duro da vida privada.

      Também é pacífico que algumas gravações e filmagens apesar de poderem cair nas proibições de prova, podem ser admissíveis desde que se mostre imprescindível, para a prova do crime ou para obstar ao mesmo.

      Ora, esta é, precisamente, a situação dos autos.

      De facto, as gravações em causa não podem ser entendidas como uma intromissão da esfera privada da arguida, na medida em que esta apercebeu-se que estava a ser gravada e, não obstante prosseguiu com a sua conduta, manifestamente ilícita, como a seguir vamos analisar.

      A gravação é efetuada, como resulta claríssimo do vídeo (por nós visionado), durante uma agressão, sendo essencial para a prova dos factos.

      Na situação concreta, atenta a forma como é feita a gravação, a mesma constitui um meio de prova válido, devendo ser valorada.

      … Como referido iniciaram-se os presentes autos com a denúncia da ofendida/assistente, onde a mesma refere, nomeadamente que no dia 24 de agosto foi agredida pela denunciada com um pau.

      Quando inquirida confirmou os factos.

      Por seu turno a arguida, quando interrogada negou os factos.

      Sujeita a relatório de perícia de dano corporal a assistente apresentava lesões compatíveis com a informação.

      Na situação concreta, como na maior parte das vezes existem duas versões dos factos.

      O depoimento da assistente pode ser valorado e está sujeito à livre convicção do Tribunal, ainda mais quando se encontra corroborado por outros elementos de prova, … Contudo, sempre se acrescenta que na situação concreta inexistem dúvidas sobre a agressão da arguida à assistente, bastando para tal visionar a gravação vídeo junto aos autos.

      … III- Assim, decide-se: Em processo comum, com intervenção do Tribunal Singular, pronunciar: AA, …».

    2. Apreciando e decidindo Insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida...

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