Acórdão nº 2757/23.1YRLSB-A.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 02 de Novembro de 2023

Data02 Novembro 2023
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I - Relatório 1.

O arguido AA, através do seu Advogado, requer providência de habeas corpus (ao abrigo dos arts. 31.º da CRP, 222.º, n.º 1 e n.º 2, al. c) e 223.º, do CPP), por, na sua perspetiva, estar em situação de detenção/prisão ilegal, pelos seguintes fundamentos1: 1.º A d. decisão de fls. (…), de 22.09.2023 (ref.ª ......91), prolatada no processo de Extradição n.º 2757/23.1YRLSB,que tramita na 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, determinou que o extraditando, ora paciente, aguarde os ulteriores termos do processo detido provisoriamente (ou seja, “preso preventivamente”, aplicando-se subsidiariamente o CPP, nos termos do n.º 6 do Art. 38.º da lei 144/99 de 31 de Agosto), uma vez que possuí condenação com trânsito em julgado proferida pelas autoridades brasileiras por um crime de roubo com base em uso de arma de fogo e associação criminosa, puníveis em Portugal pelos artigos 210.º n.ºs 1 e 2 e 299.º do Código Penal.

  1. Data máxima vênia, a manutenção da detenção/prisão decretada é ilegal por ultrapassar o prazo de 18 (dezoito) dias fixado em lei (Art. 38.º, n.º 5 da lei 144/99 de 31 de Agosto) para o recebimento do pedido formal de extradição, PODENDO este prazo ser prolongado até 40 (quarenta) dias SE RAZÔES ATENDÍVEIS, invocadas pelo Estado requerente, O JUSTIFICAREM.

  2. Às 11:50h do dia 10.10.2023 (último dia do prazo de 18 dias) o Ministério Público apresentou requerimento no processo, juntando um ofício da PGR dando conta de que teria o Estado requerente comunicado por correio eletrónico que mantinha o interesse na extradição e que efetuariam o pedido formal, no entretanto, não juntou aos autos qualquer documento comprovativo de que teria o Estado requerente feito tal informação.

  3. No mesmo dia, às23:53h, a defesa do paciente apresentou pedido de libertação/restituição à liberdade, uma vez que a partir das 00:00h, estaria ultrapassado o prazo para comprovar a existência de um pedido formulado pelas autoridades brasileiras, sendo que a detenção se mostraria ilegal, para além dos prazos fixados em lei (18 dias).

  4. Já no dia 11.10.2023, às 11:25h, ou seja, após o prazo de 18 (dezoito) dias, veio a PGR juntar aos autos um e-mail enviado pelas autoridades brasileiras, confirmando o interesse na extradição.

  5. Nestes termos, promoveu o Ministério Público pelo indeferimento do requerimento de libertação formulado pelo paciente, o que automaticamente – se deferido – prorrogaria o prazo para 40 (quarenta) dias, in verbis: “Quanto ao que vem requerido, nomeadamente a libertação imediata do requerente, atenta a situação definida nos autos, por ora, promovo o indeferimento do peticionado. No entanto, e com vista a esclarecer devidamente a situação, e com o envio de cópia do requerimento apresentado, e com referência ao DA n.º ...50/23, promovo que se solicite, urgentemente, ao Departamento de Cooperação Judiciária e Relações Internacionais da PGR que junto das Autoridades Judiciárias Brasileiras averigue e informe, urgentemente, em que data e através de que meio é que o pedido de extradição foi formalizado junto da PGR.” (sic) 7.º É possível observar da d. promoção que há uma confusão entre o pedido formal de extradição, que até então não teriam as autoridades brasileiras formulado, e da comunicação do interesse na extradição que, supostamente, teriam formulado por e-mail.

  6. A referida promoção foi deferida pelo Exm.º (a) Sr. (a) Dr. (a) Desemb.(a), mas mesmo assim confirmou as alegações do paciente quanto ao não cumprimento do prazo para junção dos documentos comprovativo, senão vejamos: “No dia de hoje (11.10.2023) foi, ainda, junta aos autos certidão relativa a Decisão/Despacho datado de 27.09.2023, proferido no «PROCEDIMENTO ORDINÁRIO Nº .....83-55.2013.8......23/...» da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Poder Judiciário do Estado de ..., da República Federativa do Brasil, no qual, tomando conhecimento da detenção do extraditando, «manifesta-se este Juízo pela apresentação do pedido de extradição de AA» (cf. refª Citius ....35).” (sic) 9.º Portanto, restou mais uma vez confirmado que o suposto documento comprovativo da intenção de Extraditar só foi junto aos autos após o 18º (décimo oitavo) dia da detenção, afigurando-se, portanto, ILEGAL a detenção a partir do dia 11.10.2023.

  7. Para além disso, é mister frisar que o referido documento junto em 11.10.2023 pelo Ministério Público não preenche os requisitos do Tratado de Extradição Entre o Governo da República Portuguesa e o Governo da República Federativa do Brasil, uma vez que não é uma cópia autêntica e devidamente certificada, como preconiza o art. 12.º, alínea c): “Artigo 12.º Instrução do pedido Ao pedido de extradição devem ser juntos os elementos seguintes: [...] c) Certidão ou cópia autenticada da decisão que ordenou a expedição do mandado de detenção, no caso de extradição para procedimento criminal; 11.º Isto porque o documento é um simples e-mail com a fotocópia simples da decisão da 1ª Vara Criminal da Comarca da Capital (...).

  8. Para além disso, como se não bastasse, o próprio Magistrado responsável pela Vara Criminal acima referida, cujo qual decidiu pelo prosseguimento da extradição, se declarou incompetente para apreciar o requerimento do paciente acerca do cumprimento da reprimenda em Portugal, declinando a competência para o Magistrado responsável pela Execução Penal (anexo).

  9. Logo, se o Magistrado não pôde se pronunciar acerca do referido pedido - declarando-se incompetente e declinando a competência para outro Magistrado – também não tem competência para dirimir os assuntos da extradição, não tendo a sua decisão anterior eficácia para o efeito.

  10. Considerando que o art. 60.º, n.º 2, da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, remete aos prazos estipulados pelo art. 38º, n.º 5 da referida Lei, e define que a detenção/prisão provisória CESSA se o pedido de extradição não for recebido no prazo de 18 (dezoito) dias a contar da mesma, podendo, no entanto, prolongar-se até 40 (quarenta) dias se razões atendíveis, invocadas pelo Estado requerente, o justificarem.

  11. Contudo, o referido órgão sequer fez prova dentro do prazo previsto de que teria sido protocolado tal comunicação na PGR até o 18º (décimo oitavo) dia, e promoveu requerendo o indeferimento do pleito do paciente, culminando com a prorrogação do prazo para 40 (quarenta) dias.

  12. Além de não fazer prova no prazo legal, fez somente quando instada a libertação pelo paciente, juntando uma cópia simples da decisão das autoridades brasileiras! 17.º A d. Promoção do Ministério Público foi indevidamente deferida, uma vez que não existia até o fim do prazo determinado em lei, prova nos autos de que o Estado requerente teria requerido formalmente a extradição ou então, pelo menos, teria sinalizado o interesse na extradição.

  13. No que respeita ao cabimento de habeas corpus em virtude de prisão ilegal, o artigo 222.º do CPP prevê expressamente que: “1 - A qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas corpus. 2- A petição é formulada pelo preso ou por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos, é dirigida, em duplicado, ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, apresentada à autoridade à ordem da qual aquele se mantenha preso e deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial.” (grifo nosso) 19.º No caso concreto, aplicam-se os n.ºs 1 e 2, al. c) do artigo 222.º, do CPP, que consistem na concessão de habeas corpus em situação de prisão ilegal proveniente de manter-se para além dos prazos fixados pela lei.

  14. É mister salientar que não tem fundamento razoável a prorrogação do prazo de 18 (dezoito) para 40 (quarenta) dias sem o mínimo de prova que o justifique.

  15. O mero comunicado da PGR, de que teriam as autoridades brasileiras sinalizado o interesse na extradição, não constitui uma razão atendível conforme exige a lei para prorrogar o prazo de detenção, mas sim constitui uma mera afirmação – que para a outra parte é uma suposição – enquanto não provada documentalmente a sua existência nos autos.

  16. Não tendo o Ministério Público feito prova da manifestação do Estado requerente pelo interesse na extradição dentro do prazo previsto legalmente, implica que a manutenção da detenção provisória do paciente é ILEGAL.

  17. Nesse âmbito, aplica-se a máxima de que se considera inexistente o que não está nos autos («non quod est in actis non est in mundo»).

  18. Afinal, para que o prazo de 18 (dezoito) dias seja alargado para 40 (quarenta) dias, nos termos dos artigos 64.º, n.º 2 e 38.º, n.º 5, da Lei n.º 144/99 de 31 de Agosto, deveria ter sido apresentado, pelo menos, o correio eletrónico do Estado requerente apresentando o interesse na extradição, quando não, fotocópia certificada da decisão do Estado requerente, sob pena desta prorrogação e da própria detenção serem ilegais.

  19. No caso em tela, não sendo a alegação que embasou a prorrogação do prazo de detenção minimamente comprovada, resta claro que o prazo não foi cumprido.

  20. Sucede que, nos presentes autos, conforme já referimos...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT