Acórdão nº 425/23.3PBSTR de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Outubro de 2023

Magistrado ResponsávelMARIA CLARA FIGUEIREDO
Data da Resolução23 de Outubro de 2023
EmissorTribunal da Relação de Évora

I - Do requerimento de constituição de assistente. Por estar em tempo, ter para o efeito legitimidade e ter procedido ao pagamento da taxa de justiça, nos termos do artigo 68.º do CPP, admito a ofendida AA, a intervir nos autos como assistente

*** II - Do requerimento de abertura de instrução

Nos presentes autos, que correram termos nos serviços da Procuradoria Regional junto desta Relação (1) , findo o inquérito, a Exmª. Srª. Procuradora Geral Adjunta por despacho proferido em 08.09.2023, determinou o arquivamento do processo, por ter entendido que não se reuniram indícios suficientes da prática dos crimes sob investigação e que a queixosa imputara ao arguido BB tendo, sequentemente, dado cumprimento ao disposto no artigo 277.º do CPP

A assistente, não se tendo conformado com o teor do despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público, veio requerer a abertura da fase de instrução através do requerimento que antecede, no qual solicita a pronúncia do arguido pela prática de “(…) um ou mais crimes de falsificação, na forma continuada, ilícito p. e. p. pelo 256.º, n.º 1 conjugado com n.º 3 do Código Penal (…)”

Para sustentar o seu requerimento de abertura da fase de instrução veio a requerente arguir a nulidade decorrente da insuficiência do inquérito, alegando para tanto que “(…) não foram devidamente investigados os factos suscetíveis de consubstanciar crime, nem devidamente analisadas e acareadas para os presentes autos todas as diligências de prova necessárias, justificando-se o presente requerimento de abertura de instrução.(…)” * 1. Da inexistência da nulidade arguida De acordo com o disposto no artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP constituem nulidades dependentes de arguição “a insuficiência do inquérito ou da instrução, por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios, e a omissão posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade.” Caberá, em primeiro lugar reter, a este propósito, que, nos termos do artigo 263.º, n.º 1 do CPP, a direção do inquérito cabe ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia criminal, praticando-se em tal fase processual os atos e assegurando-se os meios de prova necessários à realização das finalidades a que alude o artigo 262.º, n.º 1 do mesmo código, ou seja, “o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher provas em ordem à decisão sobre a acusação”, tudo conforme o preceituado no artigo 267.º do citado diploma legal. A lei processual penal vigente não impõe a prática de quaisquer atos típicos de investigação atento o modelo de autonomia que, em sede de exercício da ação penal, foi desenhado para a atividade do Ministério Público. A revisão do Código de Processo Penal levada a cabo pela Lei n.º 48/2007 de 29 de agosto, introduziu na redação da citada alínea d) do artigo 120.º, n.º 2, do CPP o segmento “por não terem sido praticados atos legalmente obrigatórios”. Esta alteração, que teve em vista promover a aceleração das fases preliminares e evitar a proliferação de recursos interlocutórios, consagrou o entendimento, que era corrente na doutrina e na jurisprudência, de que a insuficiência do inquérito ou da instrução só se verifica quando o ato omitido for prescrito pela lei como obrigatório

De acordo com este entendimento maioritário, que sufragamos, seguindo de perto os ensinamentos do Prof. Germano Marques da Silva (2) , a insuficiência do inquérito é uma nulidade genérica, que só se verifica quando se tiver omitido a prática de um ato que a lei prescreva como obrigatório e desde que para essa omissão a lei não disponha de forma diversa, pelo que a omissão de diligências de investigação não impostas por lei não determina a nulidade do inquérito por insuficiência, pois a apreciação da necessidade dos atos de inquérito é da competência exclusiva do Ministério Público. Assim, considerando que apenas a omissão de ato que a lei prescreva como obrigatório pode consubstanciar a nulidade de insuficiência do inquérito prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º do CPP e levando em conta que – tal como vem sendo unanimemente defendido na nossa jurisprudência (3) – o único ato obrigatório de inquérito ou de instrução cuja falta a lei comina com a nulidade é o interrogatório do arguido, ou seja, da pessoa contra quem correu o inquérito e em relação à qual haja fundada suspeita da prática de crime, nenhuma dúvida pode restar de que a omissão de diligências no âmbito da produção de prova, nomeadamente a junção e requisição de documentos ou a realização de exames periciais, cuja obrigatoriedade não resulte de lei, não dá origem a essa nulidade. Dito isto, caberá concluir que a omissão de tais diligências – junção e requisição de documentos ou a realização de exames periciais – que a assistente sustenta ter ocorrido no caso dos autos, traduzindo-se numa eventual insuficiência material do inquérito, mas não consubstanciando um meio de prova cuja produção seja legalmente imposta, não acarreta a nulidade de insuficiência do inquérito prevista no artigo 120.º, n.º 2, alínea d) do CPP invocada pela assistente no requerimento em análise. Tudo isto, na medida em que a apreciação da necessidade da realização de tais diligências, com vista a fundamentar uma decisão de acusar ou de arquivar o inquérito, é da competência exclusiva do Ministério Público

Por outro lado, também o segmento “omissão de posterior de diligências que pudessem reputar-se essenciais para a descoberta da verdade” da mencionada alínea d), do n.º 2, do artigo 120.º do CPP não pode acolher a invocada nulidade, pois o mesmo apenas se pode reportar à omissão de atos processuais nas fases subsequentes às fases de inquérito e de instrução, ou seja, nas fases de julgamento e de recurso, conforme claramente decorre da utilização do vocábulo “posterior”. Nesta conformidade, somos a concluir pela inexistência nulidade por insuficiência do inquérito arguida pela assistente no requerimento de abertura de instrução que constitui o objeto da nossa análise

* 2. Da inadmissibilidade da abertura de instrução

Sobre a finalidade e âmbito da instrução, dispõe o artigo 286º do CPP, da seguinte forma: “Artigo 286.º Finalidade e âmbito da instrução 1 - A instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento

2 - A instrução tem carácter facultativo

3 - Não há lugar a instrução nas formas de processo especiais.”

* Relativamente à legitimidade para requerer a abertura de instrução, ao seu objeto, ao conteúdo do respetivo requerimento e às causas da sua rejeição, estatui, por sua vez o artigo 287º, nºs 1, 2 e 3 do CPP nos seguintes temos: “Artigo 287.º Requerimento para abertura da instrução 1. A abertura da instrução pode ser requerida, no prazo de 20 dias a contar da notificação da acusação ou do arquivamento: (…) b) Pelo assistente, se o procedimento não depender de acusação particular, relativamente a factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação. 2 - O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e d) do n.º 3 do artigo 283.º, não podendo ser indicadas mais de 20 testemunhas

3 - O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução. (…)” * É clara e incontrovertida a estatuição do artigo 286º do CPP no que tange aos fins visados pela instrução, pelo que temos por assente que tal fase processual visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento...

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